Díli,
22 set (Lusa) - O advogado de uma ex-ministra timorense que está a ser julgada
em Díli pediu hoje a absolvição da arguida, acusando o Ministério Público
"de preguiça e descaramento" e de não aplicar a justiça de forma
objetiva e imparcial.
Nuno
Morais Sarmento é o advogado português que lidera a equipa de defesa de
Madalena Hanjam, ex-vice-ministra da Saúde que, com a ex-ministra das Finanças
Emília Pires, é acusada de participação económica em negócio e administração
danosa.
Em
causa estão alegadas irregularidades na compra de centenas de camas
hospitalares em contratos adjudicados à empresa do marido de Emília Pires, com
um suposto conluio entre os três para a concretização do negócio, no valor de
800 mil dólares.
Nas
alegações finais da defesa no julgamento, Morais Sarmento considerou que,
"por distração ou falta de coragem" não foram acusados outras
pesssoas envolvidas na compra, incluindo os então ministro da Saúde, Nelson
Martins, e primeiro-ministro, Xanana Gusmão, "e acusa-se Madalena Hanjam".
O
advogado considerou as alegações do Ministério Público "um exemplo de
arbitrariedade, um espelho de distração completa, ou mais grave, um exemplo de
falta de coragem".
Para
Morais Sarmento, os procuradores fizeram conclusões de acusação "que têm
mesmo a preguiça e o descaramento de se limitar a copiar as considerações de
direito da acusação inicial, como se não tivesse havido julgamento".
"Podem
fazê-lo mas então o que não podem é dizer que vivem num Estado de Direito
(...). Não podem pretender que aquilo a que assistimos (...) tenha qualquer
coisa a ver com a aplicação de uma justiça objetiva e imparcial, na qual se
possa confiar", afirmou.
Pior
do que a ausência de justiça, disse, "é um simulacro de justiça" ou
"justiça a fingir", onde à falta de justiça "se soma a mentira,
a manipulação e o preconceito" que minam a confiança dos cidadãos no
Estado de Direito.
"Sustentar
a acusação em julgamento não é sinónimo de fazer-se valer uma acusação em
julgamento, quando ressalte à evidência a sua leviandade, a sua
insustentabilidade, a sua ligeireza ou mesmo os resquícios de um colonialismo
ultrapassado", afirmou.
O
MP deu esta semana todas as alegações como provadas e pediu penas de 10 anos de
prisão para as duas arguidas. Mas para Morais Sarmento, as conclusões do MP,
mais do que em provas, sustentaram-se, em muitos casos, em "opiniões e
suposições insuficientes".
"Se
a intervenção do MP já tinha surpreendido em muitos momentos do processo, há
dois dias conseguiu ultrapassar tudo e (...) em apenas duas horas, ignorar,
violar, fazer tábua rasa de todos e cada um dos princípios elementares a que
está obrigado num Estado de Direito. É obra", afirmou.
O
advogado disse que o "poder" inerente à função dos procuradores lhes
confere direitos e obrigações "especiais", incluindo a necessidade de
fazer prova de factos e a presunção de inocência.
Nas
alegações finais, o MP disse que todos os factos tinham sido provados, o que,
no entender de Morais Sarmento, leva a questionar para que é que serviu o
julgamento e se não passou de um "faz de conta para encher os olhos aos
timorenses".
Num
dos exemplos que deu, referiu-se à contradição do MP sobre o número de camas
por utilizar, que numa parte das alegações finais diz ter ficado provado que
eram 180 mas, mais adiante, diz que eram só 30.
Para
Morais Sarmento, qualquer membro do tribunal deixaria de questionar a urgência
das compras se tivesse um familiar entre as 11 vítimas mortais do surto de
dengue dessa época ou entre os que estavam "deitados no chão em colchões
infestados de percevejos, sujos e manchados de sangue".
O
advogado recordou, por outro lado, o contexto em que o inquérito começou, em
2012, quando estavam em Timor-Leste magistrados portugueses que estiveram
envolvidos no arranque deste processo e também estiveram ligados à condenação a
cinco anos de prisão da ex-ministra da Justiça Lúcia Lobato.
Em
relação a este último caso, o Supremo Tribunal de Justiça português considerou
já este ano, num acórdão, haver na intervenção dos magistrados portugueses
"factos notoriamente integrantes de graves ilegalidades e irregularidades
procedimentais, suscetíveis de, no mínimo, serem causa de grave prejuízo para a
arguida".
Morais
Sarmento lamentou "as faltas desses operadores da justiça"
portugueses e "as consequências negativas que possam ter tido, quer na
formação e no exemplo perante colegas magistrados timorenses, quer nas decisões
concretas dos tribunais timorenses".
ASP
// MP
Sem comentários:
Enviar um comentário