quinta-feira, 1 de setembro de 2016

PORTUGUESES EM HONG KONG. AS ELEIÇÕES E A INDEPENDÊNCIA REPUDIADA PELA CHINA


Portugueses em Hong Kong acompanham eleições com olhos de estrangeiros mas com interesse

Hong Kong, China, 01 set (Lusa) -- Apesar de a campanha eleitoral decorrer numa língua que não dominam, os portugueses em Hong Kong seguem as eleições de domingo com interesse pelo desenvolvimento da cidade, onde encontram oportunidades, mas também rendas altas, poluição e desigualdades sociais.

Em Hong Kong desde 2006, Gonçalo Frey Ramos, 36 anos, está a seguir as próximas eleições para o Conselho Legislativo "um pouco mais a sério" porque, pela primeira vez, vai votar em deputados na região chinesa, um direito conquistado ao tornar-se residente permanente, após sete anos consecutivos na antiga colónia britânica.

A campanha "passa um pouco ao lado" deste consultor "porque é quase tudo em chinês", mas o interesse leva-o a contornar a barreira linguística e a fazer pesquisas para perceber a mensagem dos candidatos na Ilha de Hong Kong, onde reside com a mulher japonesa e duas filhas.

Comparando com Portugal, a política em Hong Kong "é mais confusa", considera Gonçalo Frey Ramos, apontando que "há mais de 30 partidos a concorrer nestas eleições" e que "o facto de haver muitas opções também complica a escolha".

"Há uma divisão fácil que se pode fazer, que é separar os pró-democratas dos pró-Pequim, mas mesmo dentro dos pró-democratas há muitas fações", disse.

"Geralmente alguns partidos não me interessam, portanto, estão logo à partida excluídos. Fujo aos pró-Pequim, o meu voto será nos pró-democratas", acrescentou.

Gonçalo Frey Ramos sente que na atual campanha "está tudo um pouco perdido em discussões sobre a maior autonomia ou independência" em relação à China.

"É um debate à parte, e uma questão que tem de ser resolvida, mas acaba por não ser o ponto mais importante, na medida em que não são esses os poderes que vão ter enquanto deputados", disse.

Para este português natural do Porto as prioridades deviam ser as políticas sociais, desde a habitação, saúde e educação, e o controlo dos gastos públicos.

"A ideia é tentar votar em alguém que perceba quais são os problemas. Com tantos interesses pró-Pequim instalados é difícil, mas o voto em outros candidatos acaba por ser uma boa pedra no sapato", argumentou.

Jason Santos, português de 30 anos nascido no Canadá, e professor de inglês numa zona a mais de meia hora de metro do centro, ainda não vota, mas vai seguindo a política através das notícias em inglês e da mulher, natural de Hong Kong, uma vez que não domina a língua local.

"Apesar de o inglês ser uma das línguas oficiais e de haver muitos emigrantes que não dominam o cantonês, os candidatos não se dão ao trabalho em divulgar as suas ideias em inglês", lamentou.

Desde que se mudou para Hong Kong, há cinco anos, Jason Santos nota o aumento da frustração dos jovens e a diminuição da qualidade de vida.

"Temos dias de poluição bastante maus, ao nível das despesas do dia-a-dia está tudo mais caro e as rendas duplicaram", afirmou.

A opinião é partilhada por Luísa Alves, 55 anos, executiva de uma empresa comercial, que vive em Discovery Bay, uma "zona sossegada" da ilha de Lantau, onde está situado o aeroporto.

Pela segunda vez a morar na antiga colónia britânica, desta feita desde 2011, Luísa Alves também não vota, mas, depois de ter acompanhado "a Revolução dos guarda-chuvas amarelos", em prol do sufrágio universal, continua a seguir o pulsar da cidade "muito rica, mas com grandes contrastes sociais".

"Nós emigrantes vivemos numa 'bolha' de conforto, mas há muita gente a viver abaixo do limiar da pobreza; há pessoas de 80 anos a recolher cartão nas ruas e a viver em 'gaiolas'", disse, falando ainda do problema da poluição.

Segundo dados do Consulado de Portugal em Macau e Hong Kong, há cerca de 300 expatriados portugueses na Região Administrativa Especial chinesa, um número que se mantém estável nos últimos anos. No total serão cerca de 5.000 cidadãos inscritos com residência em Hong Kong, que inclui todos os cidadãos titulares de passaporte português.

FV // JMR

Hong Kong vai continuar a testar limites do governo após eleições legislativas -- académicos

Hong Kong, China, 01 set (Lusa) -- Hong Kong vai a votos no domingo, em eleições para o Conselho Legislativo, com um recorde de candidatos, com o campo pró-democracia fragmentado e vistas como um teste à eleição do chefe do Executivo, em março.

"O significado destas eleições para a eleição do chefe do Executivo é tremendo porque [serão mais um] teste dos limites dos governos de Pequim e de Hong Kong", disse à agência Lusa Sonny Lo, analista político da Education University.

Para o académico, "os novos deputados vão definitivamente pedir mais reformas constitucionais em Hong Kong e desempenhar o papel de fiscalizadores do governo de Leung Chun Ying até às eleições de março de 2017 para o Chefe do Executivo".

"Por isso, as relações com o chefe do executivo vão continuar tensas, com confrontos dentro e fora do Conselho Legislativo", argumentou.

O Conselho Legislativo (LegCo) da Região Administrativa Especial chinesa é composto por 70 lugares, mas apenas metade resulta de candidaturas de cidadãos eleitos por sufrágio direto, por 3,77 milhões de eleitores, de uma população de mais de sete milhões de habitantes.

A competição está centrada nos 35 lugares dos círculos eleitorais geográficos, que desta vez tiveram um número de candidatos recorde (213 distribuídos por 84 listas), que reflete a emergência de novos grupos políticos formados desde 2014, após o movimento 'Occupy' contra a reforma política proposta por Pequim.

"A situação é confusa e mais difícil de prever", considera Chung Kim Wah, da Hong Kong Polytechnic University, enquanto Sonny Lo descreve uma situação de caos.

"Há mais candidatos, mas o mais importante é que as forças pró-democracia estão profundamente fragmentadas", afirmou o académico da Education University, comparando com as formações pró-Pequim que "estão bastante seguras, no sentido em que vão conseguir manter a maioria dos lugares no LegCo".

Além disso, "muitos 'pesos pesados' estão a reformar-se da política e as novas caras são relativamente desconhecidas do público, por isso todas as sondagens parecem apontar uma situação caótica", explicou.

Sonny Lo refere-se à saída do Conselho Legislativo de históricos do campo pró-democrático como Emily Lau ou Albert Ho.

Nas forças pró-Pequim também há saídas de peso, nomeadamente o próprio presidente do órgão legislativo, Jasper Tsang, mas neste campo, observou, os novos candidatos, que representam essa mudança geracional foram apresentados aos eleitores com meses ou até mais de um ano de antecedência.

Seis candidatos pró-independência foram excluídos destas eleições, o que leva analistas a preverem mais protestos.

"Estes ativistas vão querer fazer ouvir as suas vozes nos próximos anos e, pelo facto de terem sido barrados, apenas o podem fazer fora do LegCo, e isto torna a situação política em Hong Kong relativamente instável e incerta", observou Sonny Lo.

A eventual perda do poder de veto por parte dos pró-democracia nas eleições de 04 de setembro é também apontada por Chung Kim Wah, como um fator de desestabilização.

"Se for este o caso, mesmo que o governo possa controlar melhor o LegCo, a situação política geral em Hong Kong vai ser de maior confrontação, e muitos destas ações serão fora do LegCo, o que é mais difícil para o governo gerir", explicou.

A distribuição de poderes deverá, no entanto, manter-se inalterada, segundo Sonny Lo, estimando que o campo pró-democracia, que em 2012 elegeu 27 deputados, mantenha o poder de veto, com pelo menos um terço dos deputados, conseguindo entre 24 a 28 lugares.

Os grupos 'localists' (localistas) que ameaçam ganhar terreno no campo pró-democracia tradicional não têm, todavia, sucesso garantido no domingo.

"Eles não têm potencial para ganhar mais do que um ou dois lugares nestas eleições", estimou Chung Kim Wah.

Sonny Lo adiantou algumas explicações: "Os jovens estudantes que participaram no 'Occupy' em 2014 podem não ter boas hipóteses, porque em política, dois anos já é um grande período de tempo".

"Realisticamente, penso que os jovens candidatos com uma máquina partidária (estabelecida) têm mais hipóteses de serem eleitos", disse, sublinhando que "os 'localists' também estão a competir entre si".

"De qualquer forma, a situação na nova legislatura vai ser muito interessante porque estes jovens vão ter de aprender a negociar com os pró-democracia 'mainstream'", concluiu.

FV // JMR

Debate sobre independência de Hong Kong está para durar -- analistas

Hong Kong, China, 01 set (Lusa) -- O debate sobre a independência de Hong Kong reflete a frustração política local e, 19 anos após a transição para a China, vai continuar após as eleições de domingo, apesar das tentativas do governo para erradicar o assunto, consideram académicos.

Seis aspirantes a lugares de deputado ao Conselho Legislativo da Região Administrativa Especial chinesa foram impedidos de concorrer às eleições de domingo pelas suas posições pró-independência.

A ideia da independência é considerada ilegal pelas autoridades locais e pelo governo central em Pequim e permanecia um tabu até à recente emergência de novos grupos políticos, designados 'localists' (localistas), que apelam para uma rutura.

Estas formações foram criadas por iniciativa de jovens desiludidos com a "revolta dos guarda-chuvas", uma mobilização pela democracia que agitou Hong Kong em 2014, mas fracassou na tentativa de obter concessões políticas da China.

"A independência nunca foi seriamente debatida nos anos 1980 ou 1990 [quando se estava a preparar a transferência da soberania da Grã-Bretanha para a China]", disse à agência Lusa Chung Kim Wah, professor da Hong Kong Polytechnic University.

O académico, então estudante universitário, recorda que apesar de a opção ter sido brevemente mencionada, nessa altura, "até os jovens acreditavam que era chegada a hora de apagar o passado colonial e voltar para a mãe-pátria".

"Desta vez é diferente porque os jovens têm vindo a perder a paciência com a reforma política de Hong Kong e muitos acreditam que os princípios 'Hong Kong governado pelas suas gentes' e 'Hong Kong, um país, dois sistemas' falharam totalmente por causa da intervenção de Pequim, por isso querem uma alternativa", afirmou.

Desde a transferência da soberania em 1997 que Hong Kong beneficia de um regime de "ampla autonomia" e teoricamente usufrui até 2047 de liberdades que não são aplicáveis no restante território da China, mas nos últimos anos tem aumentado a preocupação com a interferência de Pequim nos assuntos da região administrativa especial.

Em julho, uma sondagem da Chinese University of Hong Kong indicou que 17% dos cerca de mil inquiridos apoiam a independência.

Observadores como Sonny Lo, da Education University, são, no entanto, cautelosos na análise dos dados, porque o conceito de independência "continua ambíguo" e "apenas uma minoria parece falar da independência territorial, que viola a Lei Básica [miniconstituição] e foi a justificação usada para excluir candidatos às atuais eleições".

"Não sabemos o significado de independência, porque alguns dos 17% dos inquiridos identificam-na com um elevado grau de autonomia, não sendo uma separação territorial da China, mas mais a autonomia institucional da cidade, ou seja, querem um sistema político relativamente livre da intervenção de Pequim", observou.

No início de agosto, Hong Kong registou a primeira manifestação a favor da independência, com pelo menos mil pessoas concentradas num parque junto ao Conselho Legislativo, na presença de candidatos desqualificados, como Edward Leung, do grupo Hong Kong Indigenous.

"O facto de o governo ter feito uso de funcionários públicos [da Comissão Eleitoral] para desqualificar candidaturas tornou o tema ainda mais quente nos fóruns eleitorais. (...) É uma reação por causa da reação tonta do governo", disse Chung Kim Wah.

"Mas enquanto os que defendem a independência não tiverem capacidade real para fazer alguma ação concreta, não constituem uma ameaça à soberania e futuro de Hong Kong", acrescentou.

Nas últimas semanas, estudantes do ensino secundário, incentivados por um novo grupo designado 'Studentlocalism', formaram mais de duas dezenas de grupos para discutir a independência, levando as autoridades locais a condenar os debates nas escolas.

Para Phil C. W. Chan, do Institute for Security and Development Policy, a "reação alarmista" dos governos local e central pode ser justificada pelo facto de o movimento pró-democracia desencadeado nos últimos anos ser liderado por jovens.

Mas mesmo se estes ativistas viessem a ser eleitos, o Conselho Legislativo "continuaria a ser dominado por deputados pró-negócios, pró-governo e pró-Pequim", sublinhou o analista, observando ainda que "não há maior poder instalado em Hong Kong do que o do governo central da China".

"Hong Kong enquanto Estado independente não vai acontecer", argumentou Phil C. W. Chan.

"A autodeterminação, como vimos nos debates sobre a Escócia, Catalunha e Kosovo, é uma ideia atrativa, enquanto princípio, para as pessoas em Hong Kong. (...) Mas Hong Kong não é o Kosovo", afirmou.

"Hong Kong é um centro financeiro internacional rico, enquanto o Kosovo faz-nos lembrar a pobreza e a limpeza étnica", concluiu.

FV (PCR) // JMR

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