Lisboa,
08 mar (Lusa) -- O responsável da missão "Paz em Timor", que há 25
anos tentou levar ativistas a Timor-Leste a bordo do 'ferryboat' Lusitânia
Expresso, considera que o objetivo de garantir a atenção mediática
internacional para a causa timorense foi "plenamente alcançado".
"Todo
o projeto foi pensado como uma ação de impacto mediático", relatou à Lusa
Rui Marques, que dirigiu a missão "Paz em Timor", que levou quase 150
pessoas a bordo do Lusitânia Expresso, com o objetivo de depositar flores no
cemitério de Santa Cruz, em Díli, onde em novembro anterior mais de 200 pessoas
tinham sido assassinadas pelas tropas indonésias.
A
11 de março de 1992, o 'ferryboat' foi impedido por quatro navios da marinha de
guerra indonésia de prosseguir em direção a Díli.
O
momento ficou marcado na memória dos participantes. Ao amanhecer do dia 11, um
dos navios que se aproximara do Lusitânia Expresso estabeleceu comunicação,
anunciando: "Isto é Papa Kilo Alfa India. Navio de guerra indonésio. Estão
agora em águas territoriais indonésias".
Com
mais de uma centena de jornalistas, estudantes e individualidades, entre elas o
ex-Presidente português António Ramalho Eanes, a bordo, o navio português
acabaria por regressar à Austrália, depois de Rui Marques ter decidido que era
a única forma de as imagens do bloqueio da marinha indonésia serem divulgadas
internacionalmente.
As
flores foram lançadas ao mar e só 20 anos depois, alguns membros da missão
conseguiram cumprir o propósito anunciado da iniciativa de homenagear as
vítimas do massacre, em Díli.
"Houve
uma gestão muito rigorosa dos objetivos estratégicos da missão e um grande
cuidado para não cometer erros e para alcançar o máximo de impacto
possível", descreveu Rui Marques, em entrevista à Lusa.
Segundo
o antigo diretor da missão, a iniciativa permitiu "construir um planalto
de atenção mediática" sobre Timor-Leste, após o "pico" na
sequência do massacre de Santa Cruz, em novembro de 1991, e março de 1992,
quando se realiza a viagem.
"O
problema sério de Timor, durante duas décadas, era o silenciamento mediático.
Consegue-se furar o silêncio e então começa a haver muita pressão
internacional", recordou.
Sobre
o papel do Lusitânia Expresso nos acontecimentos que conduziriam à
independência de Timor-Leste, em 2002, Rui Marques afirma que o navio "não
é protagonista da história", apenas funcionou como "um holofote, que
ajudou a mostrar ao mundo o que era o sofrimento e, sobretudo, a coragem dos
timorenses".
"O
que foi realmente importante na história de Timor-Leste foram os timorenses, a
sua capacidade extraordinária de resistir, com uma coragem inaudita",
sublinha.
Quanto
a críticas de que a missão deveria ter ido mais longe, forçando um incidente
com as tropas indonésias, Rui Marques considera que "é muito fácil falar
25 anos depois ou falar de fora".
Já
com Timor à vista, o 'ferryboat' português viu-se rodeado por "um conjunto
de navios com canhões apontados", além dos helicópteros que faziam voos
rasantes. Se tivesse sido atingido, "demoraria três minutos a
afundar".
"É
só ingenuidade pensar que um 'ferry', com uma flotilha de navios à sua volta,
conseguiria passar", descreveu.
Da
missão, 25 anos depois, Rui Marques elogia a "generosidade, humildade e
entrega extraordinárias" do general Ramalho Eanes, que tinha sido
Presidente da República até 1986.
"Confiou
em gente que era muito nova. Confiou o seu prestígio, a sua vida. Foi o mais
disciplinado membro da missão", recorda.
Por
outro lado, Rui Marques, atualmente responsável da Plataforma de Apoio aos
Refugiados, destaca o "apoio secreto" que o Governo português, então
chefiado por Cavaco Silva, deu à missão, ao mesmo tempo que negociava com a
Indonésia para colocar um fim à ocupação de Timor.
Para
o então primeiro-ministro, a missão era já "uma questão nacional".
Foi
o executivo, com o então secretário de Estado da Juventude, Nuno Ribeiro da
Silva, como interlocutor dos ativistas, que financiou a viagem, até Darwin, na
Austrália, dos ativistas portugueses e europeus que se tinham concentrado em
Lisboa.
A
missão "Paz em Timor" será evocada em Lisboa, no próximo sábado, numa
cerimónia que contará com a presença de antigos participantes e apoiantes, e
que pretende lançar o desafio sobre quais são as grandes causas que devem
motivar os jovens no século XXI.
JH
// PJA
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