sábado, 20 de abril de 2019

'Capacetes azuis' deveriam ter entrado mais cedo -- ex-conselheira de Habibie


Jacarta, 20 abr 2019 (Lusa) -- A ex-conselheira presidencial indonésia Dewi Fortuna Anwar afirmou que o país deveria ter engolido o seu "orgulho nacionalista" e permitir a entrada de capacetes azuis em Timor-Leste mais cedo, em 1999, para travar a violência antes e depois do referendo.

"O que mudaria hoje se soubesse que isso ia acontecer? Teria argumentado de forma mais forte para permitir a entrada de uma força internacional mais cedo", disse a antiga conselheira do Presidente Habibie, em entrevista à Lusa.

"Deveríamos ter engolido algum do nosso orgulho nacionalista e dizer que era melhor a nossa honra ficar dorida, mas a nossa reputação ficar intacta", sublinhou.

Admitindo que o cenário de violência era expectável, "mesmo se o resultado fosse o contrário", Anwar diz que a Indonésia tem que assumir responsabilidade pelo que aconteceu, já que assumiu para si a responsabilidade pela segurança.

"A Indonésia recusou ter forças de paz internacionais por causa desta postura nacionalista forte de que não aceita forças externas em território indonésio. Nós somos não alinhados, não aceitamos forças estrangeiras no nosso território", disse.

Parte do problema, sustenta, deveu-se à posição da ONU de que a segurança deveria, no essencial, ser garantida pela polícia que era "o parceiro júnior das Forças de Defesa, as ABRI, e que, por isso não era suficientemente forte para garantir a segurança no terreno".

Assumir essa responsabilidade, porém, ia muito mais além do que apenas a questão de Timor-Leste já que, insiste, na mesma altura, se estava a "tentar salvar a própria indonésia, a consolidar o tecido da sociedade indonésia".

"E isso dependia de continuar a ter os militares a apoiar o processo de reforma. Não podíamos antagonizar ou alienar completamente os militares nessa altura. O general Wiranto apoiava a 'reformasi', mas todos sabiam que o governo civil era muito frágil", recordou.

Dewi Fortuna Anwar, que este ano completa 61 anos, é investigadora e professora no Instituto Indonésio de Ciências (LIPI) e foi conselheira de Bacharuddin Jusuf Habibie, que assumiu a Presidência indonésia depois da queda de Suharto em 1998.

Apesar do que diz ser a vontade de resolver o assunto pacificamente, 1999 acabou por se tornar um ano particularmente violento, com vários massacres e, depois, a destruição de grande parte das infraestruturas do país, após o anúncio dos resultados do referendo.

Habibie, disse Anwar, acompanhava o assunto com "grande preocupação" em particular porque a vontade de resolver o assunto rapidamente era, exatamente, "para evitar um banho de sangue", já que o prolongamento do processo daria mais oportunidade aos apoiantes da independência e da integração para "consolidar posições".

"Os grupos anti-integração poderiam ter apoio externo, aberto, à sua posição e os pró-integração ter o apoio das forças de segurança indonésias. E isso poderia levar a uma guerra civil", afirmou.

Hoje, referiu, é "importante que Timor-Leste e a Indonésia olhem para o futuro".

A Indonésia, mesmo as vozes que estavam contra o referendo, como a ex-Presidente Megawati Sukarnoputri, aceitaram o resultado e os líderes timorenses "mostraram grande maturidade" em olhar para o futuro.

"Mostra que indonésia é adulta e matura suficiente e sabe reconhecer que o que está feito está feio e que podemos não esquecer, mas predamos e temos que avançar. Aplaudo os líderes timorenses, alguns que estiverem detidos em cadeias na Indonésia, como Xanana Gusmão em particular, por terem feito isso", afirmou.

"Não podemos escolher o nosso passado, mas podemos escolher o nosso futuro e o futuro da Indonésia e de Timor será sempre próximo e esses laços são do interesse de Timor", afirmou

ASP // PJA

Angola e Brasil no fundo, Portugal e Cabo Verde no topo da liberdade de imprensa - relatório


Timor-Leste em 84.º, com uma subida de 11 lugares

Redação, 18 abr 2019 (Lusa) -- Portugal subiu dois lugares para o 12.º posto no ranking de liberdade de imprensa e mantém-se em "boa situação", Cabo Verde, em 25.º, está em "situação satisfatória", enquanto Timor-Leste, Guiné-Bissau, Moçambique, Brasil e Angola estão em "situação difícil".

O relatório divulgado hoje pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) faz uma pequena análise individual da situação em cada país, sendo que, em Portugal, o texto começa por referir que "apesar dos jornalistas serem mal pagos e haja um aumento de insegurança no trabalho, o ambiente investigativo é relativamente calmo", condenando ainda os sistemáticos processos de difamação a jornalistas.

"No mundo do futebol, tanto treinadores como adeptos, continuam a ser muito agressivos para com os 'media', e os jornalistas costumam ser ameaçados com processos quando fazem cobertura de práticas questionáveis nos principais clubes do país", pode ler-se no final do documento.

Em Cabo Verde, os RSF exaltam a "ausência de ataques a jornalistas e excecional liberdade de imprensa, garantida pela constituição", num país em que o último processo por difamação aconteceu em 2002 e que subiu este ano quatro lugares no 'ranking'. Ainda assim, a "autocensura é amplamente praticada".

"O principal grupo de media publica, o RTC, está a tentar impor um código de ética e conduta nos seus jornalistas, com várias clausulas, de forma a limitar a liberdade de expressão nas redes sociais. O desenvolvimento de medias privados tem sido retido pela receita limitada obtida através da publicidade e pela falta de subsídios estatais para media de transmissão. A geografia do arquipélago dificulta a distribuição de imprensa escrita e a transmissão para as 10 ilhas", refere o relatório.

Várias posições abaixo, em 84.º, aparece Timor-Leste com uma subida de 11 lugares, com o documento a sublinhar que nenhum jornalista foi preso pela ligação ao seu trabalho, desde que o país ganhou a independência em 2002 e que a própria constituição garante a liberdade de expressão e imprensa. Mas há ainda "várias formas de pressão usadas para impedir jornalistas de trabalharem livremente".

"A criação de um Conselho de Imprensa, em 2015, foi um passo na direção certa, apesar de algumas reservas expressas pelos media sobre a maneira como os seus membros são eleitos. Mas a lei dos media, adotada em 2014, desafiando as advertências da comunidade internacional, representa uma ameaça permanente aos jornalistas e encoraja a autocensura", condenam os RSF.

Em 89.º, a Guiné-Bissau foi o país lusófono com um pior comportamento relativamente ao ano passado, descendo seis posições. O texto refere que as eleições parlamentares deste ano eram vistas como um possível fim de anos de instabilidade, provocados por um impasse político que "polarizou os media e jornalistas, deixando-os vulneráveis à influência e pressões políticas", resultando num aumento de interferência do Governo nos media estatais.

"A equipa da emissora pública de televisão, TGB, assinou uma petição condenando a falta de independência editorial em 2017 e entrou em greve, pela mesma razão, em janeiro de 2019. O direito ao acesso de informação não está garantido e jornalistas continuam a autocensurarem-se quando fazem cobertura das deficiências do governo, crime organizado e da contínua influência militar. Alguns jornalistas fugiram para o estrangeiro devido a ameaças e intimidações", acrescenta.

Moçambique aparece em 103.º lugar, descendo quatro posições, com o jornalista Amade Abubacar preso sem direito a julgamento desde janeiro. Esta detenção já provocou uma ação conjunta dos RSF com outras 37 entidades para pedir a liberdade do radialista, detido por entrevistar famílias que fugiam da violência de rebeldes islâmicos que têm operado na região desde 2017. Os ataques a jornalistas, a falta de recursos e a autocensura "completam um quadro cada vez mais sombrio".

"A meses de eleições parlamentares e presidenciais, em que o partido no poder em Moçambique já não tem a certeza de vitória, as autoridades têm feito tudo para impedir a cobertura sobre os militantes islâmicos armados, que estão a operar no norte do país. A cobertura de notícias pode descer dramaticamente se um decreto que aumenta as taxas de acreditação de imprensa -- inclusive para jornalistas e media estrangeiros -- seja implementado. Estipula cobranças de vários milhares de dólares pela permissão de filmar e pode tornar Moçambique no país africano mais caro para se fazer cobertura", indica.

A eleição de Jair Bolsonaro "anuncia uma era sombria para a democracia e liberdade de imprensa no Brasil", num país que desceu três lugares no 'ranking' e ocupa agora o 105.º posto, mantendo a reputação do país como "um dos mais violentos da América Latina para os jornalistas". Profissionais em cidades de pequena ou média dimensão são vítimas de ameaças, ataques físicos e homicídios, devido à cobertura relacionada com corrupção, política pública ou crime organizado.

"A propriedade dos media continua muito concentrada, principalmente nas mãos de famílias de grandes empresas, muitas vezes intimamente ligadas à classe política. A confidencialidade das fontes dos jornalistas está sobre constante ataque e muitos repórteres investigativos foram sujeitos a processos judiais abusivos", acrescenta ainda o documento.

O pior dos países lusófonos foi também aquele que mais cresceu. Angola subiu 12 lugares para o 109.º lugar, graças à entrada do novo presidente, João Lourenço, em setembro de 2017, mas os quatro canais de televisão, as 17 emissoras de rádio e os cerca de 20 jornais e revistas são "ainda largamente controlados ou influenciados pelo Governo e partido no poder".

A Rádio Ecclesia e "um punhado" de sites "conseguem produzir reportagens independentes e críticas", num país onde o custo "exorbitante" de licenças de transmissão impede o pluralismo e a emergência de novos atores.

"Uma série de leis aprovada em 2016, força as estações de televisão e rádio a transmitirem os endereços presidenciais para a nação e facilita os processos por difamação. Ainda assim, foram vistos sinais encorajadores em 2018, na forma de absolvição de dois jornalistas investigativos alegando que "tinham a obrigação de reportar com completa objetividade" e pela publicação de editoriais escritos pela oposição nos jornais estatais. Os media continuam a pressionar pela descriminalização de ofensas da imprensa, mas sem sucesso", finaliza o relatório.

A Noruega, Finlândia e Suécia aparecem, respetivamente, nas primeiras posições num 'ranking' que tem ainda a Venezuela em 148.ª posição, em "situação difícil", e a Eritreia, Coreia do Norte e Turquemenistão nas últimas posições.

AXYG // PJA