Jacarta, 06 abr (Lusa) -- A maior
aparente devoção e crescente influência da religião na política Indonésia não
deverá provocar uma maior radicalização do país, com sinais de contestação a
essa tendência entre os defensores do tradicional secularismo e pluralismo
nacional, segundo especialistas.
E mesmo que o assunto tenha
figurado no debate da atual campanha para as eleições presidenciais, especialistas
ouvidos pela Lusa defendem que dificilmente a Indonésia se aproximará sequer do
grau de conservadorismo de Estado da vizinha Malásia.
"A Indonésia é um país que
nem nunca chega aos teus piores receios nem consegue sempre alcançar as tuas
esperanças", explica Sidney Jones, diretora do Institute for Policy
Analysis of Conflict (IPAC), com sede em Jacarta.
"Estamos a ver o crescimento
do conservadorismo e isso vai manter-se, mas a Indonésia não se vai transformar
num Sudão, num Paquistão ou num Estado mais fundamentalista. Talvez o cenário
mais negative seria ser uma nova Malásia, mas até isso acho improvável",
refere em entrevista à Lusa.
Kevin Evans, diretor do
Australia-Indonesia Centre, em Jacarta que também acumula vasta experiência no
país, sugere aliás que o aumento do conservadorismo "não é uma tendência
nova e tem vindo a ocorrer há algum tempo" e que o que se começa a notar,
até, é uma maior reação a isso por parte do setor mais secular.
"Parece que na sociedade se
começa a ouvir mais debate em defesa desse modelo mais inclusivo de identidade
nacional, em vez de se sucumbir a essa visão de uma identidade religiosa e
conservadora mais exclusivista que, pouco a pouco, cresceu ao longo dos últimos
30 anos", explica.
"Será interessante ver como
os dois lados vão atuar. Penso que os que argumentam a favor dos valores
tradicionais indonésios de pluralismo se estão a mostrar mais agitados",
diz.
Evans sublinha, aliás, que mais
do que divisões tradicionais de esquerda ou direita, ou ao longo de postura
social ou classe, a polarização política no país se vive entre "os que se
mantém firmemente agarrados a visões igualitárias, versus os que argumentam a
favor de um maior papel para o Islão" no Estado.
E ainda que os temas dominantes
sejam domésticos, Evans sugere que é comum aos dois lados do espetro político
uma crescente contestação a um "envolvimento global", com
"quedas no comércio" e a economia nacional "quase a retrair do
'mainstream' mundial".
Isso, defende, "terá os seus
custos" já que sem os investimentos externos o país dependerá apenas do
mercado doméstico que, apesar de significativo, poderá ter menor capacidade de
expansão.
Jones sublinha, porém, que se vê
"certamente mais aparente devoção", com "mais mulheres a usar o
véu total na cara e uma maior pressão para participar nas orações de
sexta-feira", a par de pressões de ativistas islâmicos que querem "um
papel maior do Estado na incorporação de valores conservadores islâmicos na
legislação".
"Defendem que o Estado deve
ter um maior papel em promover valores morais, que o Estado proíba a
distribuição de álcool ou a homossexualidade, ou de que ser capaz de ler o
Corão deve ser um teste para funcionários públicos, algo claramente
discriminatório para outros cidadãos", diz.
Do outro lado, nota, há um
reforço da defesa da Pancasila, o conjunto de cinco princípios, assentes entre
outros pilares no pluralismo religioso, que se tornou uma das bases da
construção da identidade política, nacional e até identitária de um país
complexo como é a Indonésia.
Um dos pontos de viragem no
debate sobre a influência do Islão no país foi, claramente, o de Basuki Tjahaja
Purnama, ex-governador de Jacarta, cristão e de etnia chinesa, mais conhecido
por Ahok, que, depois de protestos de centenas de milhares de pessoas, foi
condenado a dois anos de cadeia por blasfémia.
A sua condenação, fortemente
contestada por grupos de direitos humanos, é considerada um ponto de viragem na
questão da tolerância religiosa na Indonésia.
"O caso assustou muita
gente e mudou a dinâmica", recorda Jones, relembrando as três
manifestações massivas contra Ahok, com centenas de milhares de pessoas --
"foram as maiores de sempre na Indonésia" - que praticamente
bloquearam a capital
"O caso, o que fez, foi dar
aos islamitas um sentido de poder e aos políticos a noção de que é importante
ter estas pessoas ao seu lado", diz.
Foi um movimento, disse, que
conseguiu "ditar a sua vontade ao Estado, forçando as autoridades a
prender e condenar um Governador quando os próprios procuradores, a polícia e
outras estruturas da lei concordaram que não havia sequer um motivo forte para
uma acusação".
"Forçaram as instituições a
declarar que o governador era culpado de blasfémia e na base dessa pressão
esteve sempre um ameaça implícita de violência, de que não conseguiriam
controlar as massas se esse não fosse o resultado", salienta.
"Esse é o poder das pessoas
nas ruas. Ainda é minoritário, mas alguns dos valores expressados por este
grupo estão agora refletidos nos muçulmanos mais 'mainstream'", refere
Jones.
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