Portugueses
em Hong Kong acompanham eleições com olhos de estrangeiros mas com interesse
Hong
Kong, China, 01 set (Lusa) -- Apesar de a campanha eleitoral decorrer numa
língua que não dominam, os portugueses em Hong Kong seguem as eleições de
domingo com interesse pelo desenvolvimento da cidade, onde encontram
oportunidades, mas também rendas altas, poluição e desigualdades sociais.
Em
Hong Kong desde 2006, Gonçalo Frey Ramos, 36 anos, está a seguir as próximas
eleições para o Conselho Legislativo "um pouco mais a sério" porque,
pela primeira vez, vai votar em deputados na região chinesa, um direito
conquistado ao tornar-se residente permanente, após sete anos consecutivos na
antiga colónia britânica.
A
campanha "passa um pouco ao lado" deste consultor "porque é
quase tudo em chinês", mas o interesse leva-o a contornar a barreira
linguística e a fazer pesquisas para perceber a mensagem dos candidatos na Ilha
de Hong Kong, onde reside com a mulher japonesa e duas filhas.
Comparando
com Portugal, a política em Hong Kong "é mais confusa", considera
Gonçalo Frey Ramos, apontando que "há mais de 30 partidos a concorrer
nestas eleições" e que "o facto de haver muitas opções também
complica a escolha".
"Há
uma divisão fácil que se pode fazer, que é separar os pró-democratas dos
pró-Pequim, mas mesmo dentro dos pró-democratas há muitas fações", disse.
"Geralmente
alguns partidos não me interessam, portanto, estão logo à partida excluídos.
Fujo aos pró-Pequim, o meu voto será nos pró-democratas", acrescentou.
Gonçalo
Frey Ramos sente que na atual campanha "está tudo um pouco perdido em
discussões sobre a maior autonomia ou independência" em relação à China.
"É
um debate à parte, e uma questão que tem de ser resolvida, mas acaba por não
ser o ponto mais importante, na medida em que não são esses os poderes que vão
ter enquanto deputados", disse.
Para
este português natural do Porto as prioridades deviam ser as políticas sociais,
desde a habitação, saúde e educação, e o controlo dos gastos públicos.
"A
ideia é tentar votar em alguém que perceba quais são os problemas. Com tantos
interesses pró-Pequim instalados é difícil, mas o voto em outros candidatos
acaba por ser uma boa pedra no sapato", argumentou.
Jason
Santos, português de 30 anos nascido no Canadá, e professor de inglês numa zona
a mais de meia hora de metro do centro, ainda não vota, mas vai seguindo a
política através das notícias em inglês e da mulher, natural de Hong Kong, uma
vez que não domina a língua local.
"Apesar
de o inglês ser uma das línguas oficiais e de haver muitos emigrantes que não
dominam o cantonês, os candidatos não se dão ao trabalho em divulgar as suas
ideias em inglês", lamentou.
Desde
que se mudou para Hong Kong, há cinco anos, Jason Santos nota o aumento da
frustração dos jovens e a diminuição da qualidade de vida.
"Temos
dias de poluição bastante maus, ao nível das despesas do dia-a-dia está tudo
mais caro e as rendas duplicaram", afirmou.
A
opinião é partilhada por Luísa Alves, 55 anos, executiva de uma empresa
comercial, que vive em Discovery Bay, uma "zona sossegada" da ilha de
Lantau, onde está situado o aeroporto.
Pela
segunda vez a morar na antiga colónia britânica, desta feita desde 2011, Luísa
Alves também não vota, mas, depois de ter acompanhado "a Revolução dos
guarda-chuvas amarelos", em prol do sufrágio universal, continua a seguir
o pulsar da cidade "muito rica, mas com grandes contrastes sociais".
"Nós
emigrantes vivemos numa 'bolha' de conforto, mas há muita gente a viver abaixo
do limiar da pobreza; há pessoas de 80 anos a recolher cartão nas ruas e a
viver em 'gaiolas'", disse, falando ainda do problema da poluição.
Segundo
dados do Consulado de Portugal em Macau e Hong Kong, há cerca de 300
expatriados portugueses na Região Administrativa Especial chinesa, um número
que se mantém estável nos últimos anos. No total serão cerca de 5.000 cidadãos
inscritos com residência em Hong Kong, que inclui todos os cidadãos titulares
de passaporte português.
FV
// JMR
Hong
Kong vai continuar a testar limites do governo após eleições legislativas --
académicos
Hong
Kong, China, 01 set (Lusa) -- Hong Kong vai a votos no domingo, em eleições
para o Conselho Legislativo, com um recorde de candidatos, com o campo
pró-democracia fragmentado e vistas como um teste à eleição do chefe do
Executivo, em março.
"O
significado destas eleições para a eleição do chefe do Executivo é tremendo
porque [serão mais um] teste dos limites dos governos de Pequim e de Hong
Kong", disse à agência Lusa Sonny Lo, analista político da Education
University.
Para
o académico, "os novos deputados vão definitivamente pedir mais reformas
constitucionais em Hong Kong e desempenhar o papel de fiscalizadores do governo
de Leung Chun Ying até às eleições de março de 2017 para o Chefe do
Executivo".
"Por
isso, as relações com o chefe do executivo vão continuar tensas, com confrontos
dentro e fora do Conselho Legislativo", argumentou.
O
Conselho Legislativo (LegCo) da Região Administrativa Especial chinesa é
composto por 70 lugares, mas apenas metade resulta de candidaturas de cidadãos
eleitos por sufrágio direto, por 3,77 milhões de eleitores, de uma população de
mais de sete milhões de habitantes.
A
competição está centrada nos 35 lugares dos círculos eleitorais geográficos,
que desta vez tiveram um número de candidatos recorde (213 distribuídos por 84
listas), que reflete a emergência de novos grupos políticos formados desde
2014, após o movimento 'Occupy' contra a reforma política proposta por Pequim.
"A
situação é confusa e mais difícil de prever", considera Chung Kim Wah, da
Hong Kong Polytechnic University, enquanto Sonny Lo descreve uma situação de
caos.
"Há
mais candidatos, mas o mais importante é que as forças pró-democracia estão
profundamente fragmentadas", afirmou o académico da Education University,
comparando com as formações pró-Pequim que "estão bastante seguras, no
sentido em que vão conseguir manter a maioria dos lugares no LegCo".
Além
disso, "muitos 'pesos pesados' estão a reformar-se da política e as novas
caras são relativamente desconhecidas do público, por isso todas as sondagens parecem
apontar uma situação caótica", explicou.
Sonny
Lo refere-se à saída do Conselho Legislativo de históricos do campo
pró-democrático como Emily Lau ou Albert Ho.
Nas
forças pró-Pequim também há saídas de peso, nomeadamente o próprio presidente
do órgão legislativo, Jasper Tsang, mas neste campo, observou, os novos
candidatos, que representam essa mudança geracional foram apresentados aos
eleitores com meses ou até mais de um ano de antecedência.
Seis
candidatos pró-independência foram excluídos destas eleições, o que leva
analistas a preverem mais protestos.
"Estes
ativistas vão querer fazer ouvir as suas vozes nos próximos anos e, pelo facto
de terem sido barrados, apenas o podem fazer fora do LegCo, e isto torna a
situação política em Hong Kong relativamente instável e incerta", observou
Sonny Lo.
A
eventual perda do poder de veto por parte dos pró-democracia nas eleições de 04
de setembro é também apontada por Chung Kim Wah, como um fator de
desestabilização.
"Se
for este o caso, mesmo que o governo possa controlar melhor o LegCo, a situação
política geral em Hong Kong vai ser de maior confrontação, e muitos destas
ações serão fora do LegCo, o que é mais difícil para o governo gerir",
explicou.
A
distribuição de poderes deverá, no entanto, manter-se inalterada, segundo Sonny
Lo, estimando que o campo pró-democracia, que em 2012 elegeu 27 deputados,
mantenha o poder de veto, com pelo menos um terço dos deputados, conseguindo
entre 24 a 28 lugares.
Os
grupos 'localists' (localistas) que ameaçam ganhar terreno no campo
pró-democracia tradicional não têm, todavia, sucesso garantido no domingo.
"Eles
não têm potencial para ganhar mais do que um ou dois lugares nestas
eleições", estimou Chung Kim Wah.
Sonny
Lo adiantou algumas explicações: "Os jovens estudantes que participaram no
'Occupy' em 2014 podem não ter boas hipóteses, porque em política, dois anos já
é um grande período de tempo".
"Realisticamente,
penso que os jovens candidatos com uma máquina partidária (estabelecida) têm
mais hipóteses de serem eleitos", disse, sublinhando que "os
'localists' também estão a competir entre si".
"De
qualquer forma, a situação na nova legislatura vai ser muito interessante
porque estes jovens vão ter de aprender a negociar com os pró-democracia
'mainstream'", concluiu.
FV
// JMR
Debate
sobre independência de Hong Kong está para durar -- analistas
Hong
Kong, China, 01 set (Lusa) -- O debate sobre a independência de Hong Kong
reflete a frustração política local e, 19 anos após a transição para a China,
vai continuar após as eleições de domingo, apesar das tentativas do governo
para erradicar o assunto, consideram académicos.
Seis
aspirantes a lugares de deputado ao Conselho Legislativo da Região
Administrativa Especial chinesa foram impedidos de concorrer às eleições de
domingo pelas suas posições pró-independência.
A
ideia da independência é considerada ilegal pelas autoridades locais e pelo
governo central em Pequim e permanecia um tabu até à recente emergência de
novos grupos políticos, designados 'localists' (localistas), que apelam para
uma rutura.
Estas
formações foram criadas por iniciativa de jovens desiludidos com a
"revolta dos guarda-chuvas", uma mobilização pela democracia que
agitou Hong Kong em 2014, mas fracassou na tentativa de obter concessões
políticas da China.
"A
independência nunca foi seriamente debatida nos anos 1980 ou 1990 [quando se
estava a preparar a transferência da soberania da Grã-Bretanha para a
China]", disse à agência Lusa Chung Kim Wah, professor da Hong Kong
Polytechnic University.
O
académico, então estudante universitário, recorda que apesar de a opção ter
sido brevemente mencionada, nessa altura, "até os jovens acreditavam que
era chegada a hora de apagar o passado colonial e voltar para a
mãe-pátria".
"Desta
vez é diferente porque os jovens têm vindo a perder a paciência com a reforma
política de Hong Kong e muitos acreditam que os princípios 'Hong Kong governado
pelas suas gentes' e 'Hong Kong, um país, dois sistemas' falharam totalmente
por causa da intervenção de Pequim, por isso querem uma alternativa",
afirmou.
Desde
a transferência da soberania em 1997 que Hong Kong beneficia de um regime de
"ampla autonomia" e teoricamente usufrui até 2047 de liberdades que
não são aplicáveis no restante território da China, mas nos últimos anos tem
aumentado a preocupação com a interferência de Pequim nos assuntos da região administrativa
especial.
Em
julho, uma sondagem da Chinese University of Hong Kong indicou que 17% dos
cerca de mil inquiridos apoiam a independência.
Observadores
como Sonny Lo, da Education University, são, no entanto, cautelosos na análise
dos dados, porque o conceito de independência "continua ambíguo" e
"apenas uma minoria parece falar da independência territorial, que viola a
Lei Básica [miniconstituição] e foi a justificação usada para excluir
candidatos às atuais eleições".
"Não
sabemos o significado de independência, porque alguns dos 17% dos inquiridos
identificam-na com um elevado grau de autonomia, não sendo uma separação
territorial da China, mas mais a autonomia institucional da cidade, ou seja,
querem um sistema político relativamente livre da intervenção de Pequim",
observou.
No
início de agosto, Hong Kong registou a primeira manifestação a favor da
independência, com pelo menos mil pessoas concentradas num parque junto ao
Conselho Legislativo, na presença de candidatos desqualificados, como Edward
Leung, do grupo Hong Kong Indigenous.
"O
facto de o governo ter feito uso de funcionários públicos [da Comissão
Eleitoral] para desqualificar candidaturas tornou o tema ainda mais quente nos
fóruns eleitorais. (...) É uma reação por causa da reação tonta do
governo", disse Chung Kim Wah.
"Mas
enquanto os que defendem a independência não tiverem capacidade real para fazer
alguma ação concreta, não constituem uma ameaça à soberania e futuro de Hong
Kong", acrescentou.
Nas
últimas semanas, estudantes do ensino secundário, incentivados por um novo
grupo designado 'Studentlocalism', formaram mais de duas dezenas de grupos para
discutir a independência, levando as autoridades locais a condenar os debates
nas escolas.
Para
Phil C. W. Chan, do Institute for Security and Development Policy, a
"reação alarmista" dos governos local e central pode ser justificada
pelo facto de o movimento pró-democracia desencadeado nos últimos anos ser
liderado por jovens.
Mas
mesmo se estes ativistas viessem a ser eleitos, o Conselho Legislativo
"continuaria a ser dominado por deputados pró-negócios, pró-governo e
pró-Pequim", sublinhou o analista, observando ainda que "não há maior
poder instalado em Hong Kong do que o do governo central da China".
"Hong
Kong enquanto Estado independente não vai acontecer", argumentou Phil C.
W. Chan.
"A
autodeterminação, como vimos nos debates sobre a Escócia, Catalunha e Kosovo, é
uma ideia atrativa, enquanto princípio, para as pessoas em Hong Kong. (...) Mas
Hong Kong não é o Kosovo", afirmou.
"Hong
Kong é um centro financeiro internacional rico, enquanto o Kosovo faz-nos
lembrar a pobreza e a limpeza étnica", concluiu.
FV
(PCR) // JMR