No
XXVI Encontro da AULP deve discutir-se a deontologia pedagógica e a mudança
educativa em Timor-Leste
O
professor é um dos maiores trunfos da escola e está presente em todos os
discursos sobre educação. Independentemente das razões, sejam elas boas ou más,
em contexto educacional fala-se sempre do professor.
Estas
constatações levam-nos à problemática da ética e da deontologia da função
docente, e arrastam-nos para o questionamento sobre os conhecimentos e as
competências destes profissionais da educação que são determinantes para o
desenvolvimento e a dignificação da profissão.
Em
ambas as situações (ética e deontologia do professor; conhecimentos,
competências e desenvolvimento profissional) estamos perante questões actuais
da maior relevância porque para além do currículo da formação de professores
ter múltiplas influências sociais, culturais, políticas e económicas, são
notórias e preocupantes as divergências e contradições entre discursos e
práticas.
O
Partido Socialista de Timor (PST), um partido político preocupado com as
pessoas e com o seu desenvolvimento, gosta de discutir e analisar questões
sobre educação. Assim, num momento em que se aproxima o XXVI Encontro da AULP –
Associação das Universidades de Língua Portuguesa a realizar em Díli no final
do corrente mês, na expectativa de estimular um pensamento crítico em torno da
prática deontológica e da formação de professores em Timor-Leste para uma
mudança educativa, decidi revisitar e adaptar um texto da minha autoria,
escrito há sete anos, publicado no Jornal de Angola, e que também integra uma
obra da minha autoria intitulada “Reflexões sobre Educação”.
Irei
partilhar alguns pensamentos mediante a inclusão de conteúdos e referências que
possam ser suficientemente esclarecedores dessa finalidade, começando em
primeiro lugar pela abordagem de aspectos específicos da ética e da deontologia
dos professores. Em seguida, referir-me-ei a estudos internacionais que tratam
a problemática inerente ao tipo de conhecimentos obrigatórios para quem deseja
exercer a docência, bem como, às competências e ao desenvolvimento profissional
desta classe profissional. Por último, em jeito de síntese, farei algumas
recomendações aos professores em início de carreira.
Para
enriquecimento da exposição considerei fundamental uma breve revisão de
literatura, tendo consultado obras de Reis Monteiro (professor da Universidade
de Lisboa), Andy Hargreaves (professor em Administração Educacional no “Centre
for Leadership Development do Ontário Institute for Studies in Education”),
Carlos Garcia (professor da Universidade de Sevilha), Christopher Day
(professor de Educação e Director-Coordenador do “Centre for Teachers and
School Development na Universidade de Nottingham”), José Pacheco e Maria Flores
(professores da Universidade do Minho) e Michael Fullan (professor da Faculdade
de Educação da Universidade de Toronto).
Como
se depreendeu das minhas palavras introdutórias entendo que em qualquer
profissão deve existir uma componente ética e deontológica. No campo da
educação, como está em causa a pessoa humana, por força de razão, o professor
tem que valorizar a dimensão axiológica (filosofia da ética e dos valores).
Esta vertente relacionada com a
ética
e a deontologia do professor foi objecto de um estudo muito interessante
realizado por Monteiro (s.d.).
Segundo
este investigador em educação, o professor tem deveres profissionais «para com
o educando», nomeadamente, «não abusar do poder e posição que lhe confere a sua
função nem desviá-los dos seus fins (designadamente pela sua comercialização),
ser incessantemente competente, respeitar a dignidade, liberdade e diferença
(cultural, social e pessoal) de cada educando, sem discriminação alguma,
tratando-o sempre como sujeito dos seus direitos e nunca como objecto a moldar
à imagem e semelhança dos adultos e da sociedade, ou seja, o professor deve
respeitar a privacidade de cada educando, e o seu direito ao silêncio, e
guardar sigilo sobre informações confidenciais obtidas na sua relação com os
educandos (numa base de confiança), excepto por razões profissionais ou
imposição legal».
Mas,
também, permitir e estimular o exercício dos direitos do educando para
«promover o desenvolvimento da sua autonomia e responsabilidade, respeitar o
direito do educando ao erro (no seu aprender a ser, a conhecer e a fazer),
confiar no educando e nas suas possibilidades de ser mais e melhor, ser
imparcial, objectivo e aberto à diversidade e ao possível, não impor convicções
e opiniões, antes reservar as suas posições mais pessoais, sempre que
recomendável, e não ostentar emblemas de qualquer filiação ideológica ou
crença, excepto quando for óbvio, notório ou público» (Monteiro, s.d.).
Na
mesma linha de raciocínio, defende o mesmo autor, o professor «deve ser justo,
compreensivo e bondoso nos seus juízos e decisões, nomeadamente na avaliação do
trabalho dos educandos e no julgamento e sanção das suas infracções
disciplinares, não deve aceitar presentes individuais ou colectivos que possam
ter como intenção tácita ou como efeito a obtenção de favorecimentos ou ser
assim publicamente interpretados, e deve estar “sempre” do lado do educando, designadamente
em situações de conflito de deveres e defender a escola pública como
instituição democrática para satisfação do direito à educação».
Os
deveres profissionais do professor não se devem restringir aos educandos,
devendo ser estendidos aos colegas. O autor já citado tem um pensamento,
segundo o qual, qualquer professor deve respeitar as competências, opiniões e
trabalho dos colegas e manifestar solidariedade com colegas vítimas de
injustiça ou em caso de dificuldades.
Por
outro lado, em relação à profissão, como também preconiza Monteiro, o professor
deve cultivar uma elevada concepção da profissão, dignificando a profissão
durante e fora do seu exercício, e protegendo a profissão do seu exercício
incompetente ou indigno para com a entidade profissional, mostrando
competência, dedicação e cooperação crítica, sendo certo que esta postura
desejável do professor deve fazer-se sentir também em relação aos pais e
encarregados de educação, através da prestação de informações de vária índole,
promovendo o diálogo e nunca ter um comportamento em relação às famílias de
desautorização pública.
No
que diz respeito à formação de professores, e em concreto para reflectir sobre
os tipos de conhecimento praticamente obrigatórios para que o professor cumpra
as suas funções educativas com sucesso, decidi “inspirar-me” nas opiniões do
autor espanhol (Garcia, 1999) e de dois portugueses (Pacheco e Flores, 1999)
que, por sua vez, se basearam em outros autores, nomeadamente, nos estudos
de Carlsen (1987), Shulman (1987), Ball (1989), Sockett (1989), Grossman (1990)
e Reynolds (1991).
Segundo
estes investigadores, referências obrigatórias em contexto de educação, os
tipos de conhecimento a destacar no âmbito da formação de professores devem
incluir o «conhecimento psico-pedagógico», o «conhecimento do conteúdo», o
«conhecimento didáctico do conteúdo» e o «conhecimento do contexto».
O
«conhecimento psico-pedagógico» relaciona-se com o processo de
ensinoaprendizagem (técnicas didácticas, avaliação, etc.), com as teorias do
desenvolvimento humano, com a história, sociologia e filosofia da educação, com
normativos, etc.
O
«conhecimento do conteúdo», como a própria expressão indica, é relativo aos
conhecimentos, conceitos, definições, etc., mas também aos paradigmas de
investigação em cada unidade curricular. O «conhecimento didáctico do conteúdo»
faz a combinação entre o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento
pedagógico e didáctico de como a ensinar.
Repare-se
que este tipo de conhecimento (didáctico do conteúdo), principalmente para a
investigação em educação assume importância crescente porque conduz-nos à
análise e à reflexão em torno de questões como as crenças, atitudes, etc.,
muito valorizadas no nosso País, e que de certa forma pode ajudar a melhor
compreender a tese de que os professores têm temas preferidos e outros de que
não gostam de ensinar, uma problemática muito interessante que nos
transportaria para o domínio do “currículo oculto” ou “currículo nulo” (aquilo
que não se ensina) temáticas muito trabalhadas pelo pedagogo brasileiro Tadeu
da Silva.
Por
último, e não menos importante, temos o «conhecimento do contexto» que nos
remete para os aspectos ligados às características sociais e culturais da
escola e do meio envolvente, nomeadamente conhecimentos sobre os alunos e
respectivas famílias, uma preocupação que deve merecer a melhor atenção dos
profissionais da educação timorenses devido ao facto de existirem muitas
tradições seculares que devem ser mantidas e estudadas.
Ora
bem, os quatro tipos de conhecimento descritos são fundamentais para a
competência profissional do professor, mas, até pela dinâmica de tudo o que nos
rodeia, é bom não esquecer, há sempre que considerar outras dimensões
importantes para que o nosso professor obtenha e desenvolva competências
necessárias, à gestão de conflitos, à concepção, execução e avaliação do
projecto educativo de escola, e ao diálogo com os chefes de suco / aldeias,
pais e encarregados de educação, etc.
Sobre
a identificação de competências consideradas imprescindíveis ao exercício da
actividade docente, Garcia (1999), baseado em estudos de Lynch (1989), autor
que deve ser sempre citado no âmbito do debate sobre formação de professores,
destaca algumas competências fundamentais para os professores que não resisto
em compartilhar. Por um lado, defende a tese de que o professor «deve
desenvolver a integridade intelectual na recolha, utilização e avaliação de uma
variedade de evidências como base para o desenvolvimento de juízos». Por outra
parte, destaca a importância do professor «desenvolver a competência visual,
linguística, estética e imaginativa como base para o diálogo e o discurso em
contexto de diversidade intercultural».
Os
resultados dos estudos de Lynch são de importância extraordinária porque
sugerem que o professor deve desenvolver a sua capacidade de análise política
global e de competências práticas tais como a comunicação, resolução de
problemas e solução de conflitos, como opina Garcia, para reforçar «o
desenvolvimento de valores e atitudes clarificados e reflexivos e suas
aplicações como critério para tomar decisões equilibradas e sensíveis».
Nesta
mesma linha de raciocínio do autor, um aspecto muito importante, corolário e
exemplificativo do que já referi, passa pela necessidade do professor
desenvolver a reflexividade crítica «em relação às imagens dos países
considerados subdesenvolvidos e mostradas pelos meios de comunicação social,
desenvolvendo competências de tomada de decisões colaborativas e
participativas», e acrescento eu, em todas as questões análogas onde se
justifica a análise e o pensamento crítico, com intervenção política e social.
A
discussão educacional que proponho nesta reflexão, estrategicamente, dá
relevância à deontologia pedagógica e aos tipos de conhecimentos e competências
a ter em conta na formação de professores, porquanto, para além de serem
assuntos obviamente importantes para o bom exercício da função docente, na
minha opinião, também é uma forma eficaz dos professores se “defenderem” das
críticas das famílias e da sociedade em geral.
É
minha convicção, se atribuirmos relevância à deontologia pedagógica, as
famílias e a sociedade em geral passarão a olhar para o professor como um
profissional competente que valoriza a ética e a deontologia pedagógica, e que
ao longo de toda a carreira tudo fazem para apostar na renovação e mudança dos
seus conhecimentos, no desenvolvimento de competências, na inovação no âmbito
do processo de ensinoaprendizagem, portanto, na prática da «reflexão na acção,
pela e sobre a acção» (Fullan e Hargreaves, 2001).
Todas
estas considerações parecem-me pacíficas e aceitáveis, contudo, apesar de
sabermos que em grande parte «o êxito do desenvolvimento da escola depende do
êxito do desenvolvimento do professor» (Day, 2001), é bom que todos nós, em
particular o Ministério da Educação timorense, tenha consciência de que só
haverá uma mudança educativa num quadro de responsabilidade partilhada, onde se
incluem professores, família, escola, sociedade em geral e governo.
Na
opinião do Partido Socialista de Timor, estas e outras questões afins, devem
ser abordadas com seriedade e determinação pelos governantes do nosso País e
pelos académicos timorenses que irão estar presentes no XXVI Encontro da
Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), a ter lugar no Centro
de Convenções, no próximo dia 29 de Junho, em Díli.
Díli,
25 de Junho de 2016.
M. Azancot de Menezes (Secretário-Geral do PST)