Será
a segunda vez que o CNRT, na qualidade de segundo partido mais votado, priva a
FRETILIN, o partido vencedor das eleições legislativas, de exercer o poder
executivo.
Paulo
Gorjão | jornal i | opinião
Está
em curso em Timor-Leste mais uma crise política cujo desfecho é imprevisível. A
situação arrasta-se desde as eleições legislativas de julho deste ano, em que a
FRETILIN de Mari Alkatiri foi o partido mais votado (23 deputados), mas pela
margem mínima, elegendo apenas mais um deputado do que o Congresso Nacional da
Reconstrução Timorense (CNRT, 22 deputados) de José Alexandre “Xanana” Gusmão.
Indigitado
primeiro-ministro pelo presidente Francisco Guterres (“Lu Olo”), igualmente da
FRETILIN, Alkatiri formou em setembro um governo de coligação de natureza
minoritária (30 deputados num total de 65 com assento no Parlamento timorense),
juntamente com o Partido Democrático (PD, 7 deputados). Porém, contrariamente
ao que inicialmente se previa, Alkatiri viu o seu programa de governo ser
rejeitado em bloco pela oposição: CNRT, Partido da Libertação Popular (PLP, 8
deputados) do ex-presidente Taur Matan Ruak e Kmanek Haburas Unidade Nacional
Timor Oan (KHUNTO, 5 deputados).
Com
a crise política instalada e com o governo a rever nesta altura o seu programa,
o presidente convocou uma reunião que terá lugar na próxima semana com os
líderes da FRETILIN, CNRT e PLP. Na prática, se houver uma segunda rejeição do
seu programa, o governo de Alkatiri chega ao fim, sem honra nem glória, numa
altura em que Xanana Gusmão promete avançar com uma alternativa maioritária.
Ora,
a acontecer, será a segunda vez que o CNRT, na qualidade de segundo partido
mais votado, priva a FRETILIN, o partido vencedor das eleições legislativas, de
exercer o poder executivo. De certa forma, estamos a assistir a uma repetição
do que aconteceu após o ato eleitoral de junho de 2007.
Naturalmente,
a Constituição timorense permite esta possibilidade, aliás como a portuguesa,
ignorando em parte a vontade popular. Dito de outra maneira, se assim
entenderem, CNRT, PLP e KHUNTO têm legitimidade constitucional para impedir a
FRETILIN (e o PD) de governar, mas politicamente tal pode vir a ser um grande
sarilho.
Em
2007, a “golpada” constitucional do CNRT foi muito mal recebida pelos
simpatizantes e militantes da FRETILIN. Em reação, ocorreram graves distúrbios
da ordem pública, tendo sido queimadas e saqueadas centenas de casas. Apesar
dos apelos à calma em curso, não é de todo impossível, ou mesmo improvável, que
possa ocorrer uma reedição dos graves acontecimentos de 2007, porventura até
numa escala maior.
Fruto
da sua ambição, da sua má relação pessoal e da sua aparente incapacidade de
aceitar uma nova derrota política aos pés de Alkatiri e da FRETILIN, Xanana
Gusmão parece ter uma enorme vontade de brincar com fogo num cenário de alto
risco. Ora, não deixa de ser irónico que um dos principais responsáveis pela
independência de Timor-Leste e da afirmação do regime democrático esteja agora
(e uma vez mais) no papel indesejável de ser parte do problema e não da
solução.
Longe
vão os tempos, em 2001 por exemplo, em que Xanana Gusmão, modesto e humilde,
dizia que não era “a melhor pessoa para o cargo” de presidente, e que estava
“cansado por causa [dos] 25 anos de grande responsabilidade” na luta pela
autodeterminação e independência de Timor-Leste. Xanana Gusmão, omnipresente no
panorama político timorense nos últimos 15 anos (presidente entre 2002 e 2007,
primeiro-ministro entre 2007 e 2015), dizia que sempre sonhara em “plantar abóboras e
criar animais depois da independência” de Timor--Leste. Em nome do interesse
nacional timorense, e independentemente de pressões circunstanciais, talvez
tenha chegado o momento de realizar o seu velho e desejado sonho.
PAULO GORJÃO - Investigador,
Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS)