Começo a indagar os labirintos
das crenças políticas e democráticas neste soberano país de Lafaek, olhando
retrospectivamente com esta inquietação de pensamento: será que o panorama
atual da situação socio-política em Timor-Leste já respondeu aos sonhos dos founding
fathers em criar condições necessárias para o summum bonum e bonum commune?
Para o filósofo italiano, Norberto Bobbio, o que condicionou tais contradições
foi o que chamou de obstáculos à democracia, sob a rótula de “promessas não
cumpridas”.
O ponto de partida parte da
análise racional sobre o desenvolvimento do país, e esta deriva da contemplação
do modus vivendi dos timorenses, as tendências principais e os desafios
enfrentados pelo povo na era de Ukun Rasik-an. Trata-se de um olhar sobre a
realidade política mas, também desbruçar-se sobre a imagem da própria prática
democrática numa abordagem empírica-analítica aos valores, as aspirações e os
ideiais conflitantes dos homo politicus, que fazem parte deste universo
timorense. Quando a política não é capaz de ter o peso na nossa vida
quotidiana, quando não responde às nossas preocupações sobre o futuro dos
nossos filhos, para que precisamos dela, qual o seu valor de uso? (Bauman,
2016, 16). A partir desta questão, iniciarmos expressivamente com o epígrafe do
escritor português, José Saramago: “Há um mal económico, que é a errada
distribuição da riqueza. Há um mal político, que é o fato de a política não
estar a serviço dos pobres” (citado em Treck, 2013, 14). Ora, actualmente em
Timor-Leste verifica-se um duplo fenómeno: (1) uma desigualdade ao nível
económico: há ricos e pobres. A gravidade de tal situação está no facto de os
ricos se tornarem cada vez mais ricos à custa dos pobres; (2) uma desigualdade
ao nível social, isto é, a má distribuição da riqueza e dos bens da nação.
Nesta perspectiva, escreveu de forma excelente por Bobbio, “entre todas as
desigualdades humanas, nenhuma precisa ser mais justificada do que a
desigualdade estabelecida pelo poder” (Bobbio, 2000, 234). Resumindo
perspicazmente na famosa definição de Peter Drucker, “a política (sociedade)
não oferece mais salvação” (citado em Bauman, 2000, 62). Estes fenómenos já se
constituem como um "cancro" que é difícil de curar, por gastar muitos
milhões para nada, enquanto o povo continua a viver na miséria e pobreza,
simultaneamente, o povo continua a orar sem cessar “...neste vale de
lágrimas!”. Perde-se, assim, o eixo fundamental do que deve ser o fim
teleológico da política. Poderemos perguntar, então, qual é o fim da acção
política? Bobbio respondeu concisamente que o fim último da política é para
alcançar o summum bonum e bonum commune, retomando a filosofia política
clássica de Aristóteles, afirmando que o fim da política não é o viver, mas o viver
bem: “o fim da comunidade política, a koinonía politiké, a societas civilis na
predominante tradução latina, não é apenas o viver ou sobreviver, mas o bonum
vivere, o viver bem” (Bobbio, 2000, 120). Intrinsecamente, é uma busca
constante do bem comum de uma sociedade, como bem observa o Papa Francisco “a
política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas
da caridade, porque busca o bem comum” (Evangelii Gaudium, 205). E,
recentemente o teológo Eddy Kristiyanto não hesitou de intitular aquele célebre
livro: Sakramen Politik, para dizer francamente que o fim da política é uma
busca contínua de consensos alargados, sobre as principais questões políticas e
programáticas do desenvolvimento do país para alcançar o Bem Comum. Este teve a
ousadia de fazer uma analogia de que o Sacramento é the visible sign of the
invisible grace, assim também, politik adalah tanda dan sarana penyelamatan! (Eddy
Kristiyanto, 2008, 3) – política é o sinal e meio de salvação ao povo que vive
no limiar da pobreza e no meio de tantas injustiças sociais.
Esta abordagem trata-se de uma
reflexão que visa diretamente a questionar modos tradicionais de pensar a
política, neste sentido, “as perguntas do nosso povo, as suas angústias,
batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor hermenêutico que não podemos
ignorar, se quisermos levar a sério o princípio da democracia” (Papa Francisco)
e acrescentamos ainda os valores fundamentais da política. Talvez, este é o
nosso Zeitgeist (“espírito da época”), estamos num período de interegnum, no
qual este espírito de solidariedade afundou-se no mar e “rasgando o delicado
tecido da solidariedade humana” (Bauman, 2000, 51) pelos caprichos de poder e a
política torna-se o “pomo da discórdia” entre os timorenses, pois, os partidos
políticos optam pela política clássica de “devide et impera”, principalmente,
separam as três frentes da luta, visam a ganhar mais novos aderentes aos seus
partidos. E, o povo fica alienado com as propagandas políticas, facilmente,
caem na hipótese hobbesiana do “homo homini lupus” e “ bellum omnium contra
omnes”, quebrará o espírito fraterna e solidária da resistência e o vínculo inquebrantável
que então estabeleceram entre os timorenses na época da ocupação Indonésia.
Vivemos numa situação muito
peculiar de nossa história, por isso, urge-nos a “mostrar maturidade política
para elevar o valor da democracia que está no coração de Timor” (Dom Virgílio
do Carmo). Trata-se de um ato de propaganda eleitoral, a estratégia
utilizada mascaradamente pelos políticos pertencem não apenas o não-dizer, mas
também o dizer em falso: além do silêncio, a mentira. (....) que o fosse lícita
a “mentira útil” não apenas foi dito pelo “diabólico Maquiável” (Bobbio, 2000,
389), mas também a "nobre mentira" de Platão, significa, que deve ser
colocado no centro: o interesse do Estado de Timor-Leste, porém, este termo
constitui como uma máscara por detrás das quais se esconde a cobiça de poder e
de riqueza. Para expressar com mais eficiente a definição de Max Weber, não
vivem apenas para a política mas vivem da política” (Max Weber, 2011, 64).
Ressalta-se, porém, que a política desenrola-se entorno da noção do poder como
princípio e fim da atividade política. Não é sem surpresa que Bobbio fundamenta
com veracidade que “o alfa e ómega da política é a questão do poder: como conquistá-lo,
como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo ou como dele se
defender” (Bobbio, 2000, 252), ou com a expressão análoga, Max Weber frisou que
“todo o homem, que se entrega a política, aspira ao poder – seja o considere
como instrumento ao serviço de concecução de outros fins, ideais ou
egiostas, seja porque deseje o poder ‘pelo poder’, para gozar do sentimento de
prestígio que ele confere” (Max Weber, 2011, 57). Essas premissas servem para
situar o nosso discurso. Diante desse cenário, Timor-Leste demonstra a sua
democracia, como um teatrocracia, isto é, “a transformação da vida política num
espetáculo em que o grande político se exibe, tem necessidade de se exibir,
como um ator” (Bobbio, 1986, 94). No palco das campanhas eleitorais,
antagônicamente, agitam o povo com as histórias dos Fundadores da Nação e o
Comando da Luta, assim, a vida da nação de Timor Lorosa’e torna-se um
"estado que se transforma em companhia teatral, em produtor de
espetáculo" (Bobbio, 1986, 94). No palco desta teatrocracia, observa-se
uma disputa eleitoral muito intensa entre as duas forças políticas, a AMP e a
FRETILIN, com apresentação do prestígio de personalidades políticas e figuras
históricas para “convencer” os eleitores, nomeadamente, Xanana Gusmão e
Taur Matan Ruak versus Marí Alkatiri e José Ramos Horta, que vão “vender” as
suas promessas políticas e os seus progamas eleitorais ao povo.
Esta euforia da festa democracia
nos faz imediatamente vir à mente a imagem, a nós transmitida pelos escritores
políticos de todos os tempos que se inspiraram no grande exemplo da Atenas de
Péricles, da "ágora" ou da "ecclesia", que é a palavra
grega para praça de decisões (Ribeiro, 2013, 10), isto é, a reunião de todos os
cidadãos num lugar público com o objetivo de apresentar e ouvir propostas de
uma mudança. Metaforicamente, a campanha eleitoral é o tempo previlegiado para
divulgar os programas eleitorais, as promessas políticas, com intuito de
mobilizar e conquistar o eleitorado para eleger os partidos politicos. Porém,
nos comicíos políticos observam-se claramente o termo recém-cunhado de
"teatrocracia", isto é, o poder de fazer espetáculos, do poder de
transformar o real no imaginário, de procurar adesão pela magia do espetáculo,
como "democracia em assunto de música" - interpretando-a como o
efeito da pretensão do vulgo de poder falar sobre tudo e de não reconhecer mais
nenhuma lei (Bobbio, futuro da democracia, 84). Em suma, a Eleição Antecipada é
arquitetada como um palco para encher com “os dramas cínicos” da política, em
busca insaciável do poder, aonde toda a população timorense adere a qualquer
partido político para fazer a sua “música” de afiliação. Na verdade, muitos
fiéis militantes sofrem a doença “psico-patologia” significa, em grego, sofrimento
da alma (Bauman, 2000, 40), gerada pela idolatria ao poder e radicalismo
exagerado aos partidos políticos.
A Constituição da RDTL garante
que “o exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico”
(Art. 47.2). Mais uma vez, o Presidente da República convidou o povo a voltar
às urnas para exercer o seu direito de voto, ou seja, gastamos mais na urna
alguns minutos para o “dever cívico”, a eleger os políticos, que concorerrão
para alcançar aquele “vulto demoniáco do poder” (Bobbio, 2000, 218). Assim, ao
abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 7/2018 de 7 de fevereiro,
decreta para o dia 12 de maio de 2018 a eleição dos Deputados ao Parlamento
Nacional. De facto, se examinarmos com rigor os termos expressos na
Constituição, a Eleição Antecipada é inexistente nesta Magna Charta, ou seja,
na terminologia jurídica-constitucional chamada a “subsequente eleição” (cf.
CRDTL art. 100º).
O ponto fundamental é que o povo
escolha os Deputados ao Parlamento Nacional. Este exercício é realizado pelo
sufrágio direto e universal, com intuito de contribuir, portanto, para a
formação de uma maioria parlamentar saída das urnas, onde as deliberações serão
tomadas pela maior et sanior pars, isto é, pela parte maior e mais sã, como
exercício de amadurecimento da democracia. Assim, Timor-Leste marcará uma nova
história com a “subsequente eleição”, no dia 12 de maio de 2018, que poderia
definir o nosso Estado como uma "democracia posta à prova" (Bobbio,
1999, 12). O sistema político timorense foi, desde o início, concebido como um
regime democrático, por isso, no seu estrito sentido, "a democracia é um
sistema político que pressupõe o dissenso. Ela requer o consenso apenas sobre
um único ponto: sobre as regras da competição" (Bobbio, 1986, 60), pois,
neste jogo democrático "não existe consenso mas dissenso, competição e
concorrência" (Bobbio, 1999, 46). Nesta concorrência ao Parlamento
Nacional, torna-se presente a máxima do jurista alemão Carl Schmitt ao afirmar
que na política encontra-se o conflito entre amigos e inimigos (citado em
Gianotti, 2014, 5). De forma pari passu, observa-se que na política existe uma
"relação como inimigo-irmão”, conforme bem disse Bobbio, “umas vezes mais
irmãos, outras mais inimigos, de acordo com as circunstâncias” (Bobbio, 1999, 11),
este modo de relacionamento “inimigo-irmão” repara-se na convivência política
das personalidades e figuras históricas desta nobre nação. Para alargar a
nossa perspectiva e reavivar a nossa consciência sobre a importância da
democracia, parafraseando Bobbio, a democracia timorense pode ser designada de frágil,
mas, apesar de tudo, é também viva, segundo os costumes e ritmos dos detentores
do poder político. Em suma, corre nas veias do sangue a velha máxima
romana: quod principi placuit habet vigorem legis - aquilo que agrada ao
príncipe tem força de lei - esta máxima torna-se o núcleo principal da forma
mentis deste animal politicus, isto é, aquilo que agrada aos políticos tem a
força da lei, de modo
per fas et nefas,
ou seja, de todos os meios possíveis, seja ele lícito ou ilícito, de outro
modo, no método maquiavélico de “os fins justificam os meios”. No seu stricto
sensu como costumavam dizer os monarcas europeias: L’État c’est moi – o estado
sou eu!
Num Estado de direito
democrático, os partidos políticos servem como locus privilegiado para a
construção do país, sustentando pelo Bobbio, que “as forças políticas são os
partidos” (Bobbio, 1986, 134) e o Estado de Timor-Leste adoptou o sistema de
multipartidarismo como conditio sine qua non da democracia, cuja a “força
de um partido é medida pelo número de votos” (Bobbio, 1986, 139) dos eleitores
nas eleições cíclicas estipuladas dentro da lei. E, nesta batalha
eleitoral, “o voto é uma mercadoria que se cede ao melhor ofertante” (Bobbio,
1986, 11), isto é, aos partidos políticos. Por isso, o voto é uma forma de
promover o amadurecimento político do povo em escolher os melhores para
governar o país.
O papel primordial do Estado deve
assegurar que todos os eleitores possam exercer o seu direito de voto. A
participação eleitoral efetiva é a forma de exercício da prática democrática, é
um dos aparatos dos quais por sua vez extrai, através das eleições, a própria
legitimação para governar. O "regime democrático" é o regime no qual
o poder supremo é exercido em nome e por conta do povo através do procedimento
das eleições por sufrágio universal repetidas a prazo fixo” (Bobbio, 1986,
101), exatamente, se não tomarem elas as decisões que lhes dizem
respeito, ao menos de exercerem os seus direitos de escolherem os indivíduos
que periodicamente considerem os mais aptos para cuidar de seus próprios
interesses (Bobbio, 1986, 121). De sui generis expressou nítidamente pelo
Jesuita Frans Magnis-Suseno: “pemilu bukan untuk memilih yang terbaik tetapi
mencegah untuk yang terburuk berkuasa”. Nesta perspectiva, há uma espécie de Círculos
Viciosos: “não se pode conseguir mais participação democrática sem haver uma
prévia mudança da desigualdade social e sua consciência, mas também não se
consegue mudar ambas as condições sem um aumento da participação democrática”
(Treck, 2013, 86), isto é, orientada para os output do sistema (para os
benefícios que o eleitor espera extrair do sistema político), e cultura participante,
isto é, orientada para os input, própria dos eleitores que se consideram
potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das
decisões (Bobbio, 1986, 31) políticas para a transformação da polis.
Merece ainda ser enfatizada a
ênfase que nesta disputa democrática tem como “a regra fundamental da
democracia é a regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são
consideradas decisões coletivas” (Bobbio, 1986, 18), por conseguinte,
reconhecemos o facto de que na “arena política existam os vencedores e os
perdedores” (Bobbio, 1986, 122), como consequência prática do jogo democrático.
Este antagonismo entre o vencer e o perder dá-se, no facto, de que nas eleições
anteriores entre o eleitor e o eleito não estabelecem uma perfeita relação de do
ut des: um através do consenso confere poder, o outro através do poder recebido
distribui vantagens ou elimina desvantagens (Bobbio, 1986, 122). Porém, o
panorama atual de Timor-Leste mostra que o interesse dos eleitores, muitas das
vezes, não é acumulado na tomada de decisões políticas, por fim, gera o
“conflito entre aquilo que foi prometido” pelas correntes do pensamento
político e “aquilo que não foi realizado”, – para tal, Bobbio afirma que “não
se pode falar propriamente de ‘degeneração’ da democracia mas se deve falar
contudo, antes, da natural adaptação dos princípios abstratos à realidade, ou
da inevitável contaminação da teoria quando é obrigada a submeter-se às
exigências da prática” (Bobbio, 2000, 49-50). Esta irrealizável “promessas não
cumpridas” gera as frustrações sociais e desgastes para o próprio modelo
seguido pelo povo, por isso, Bobbio constata que na democracia real existe uma
apatia política, um verdadeiro desinteresse sobre a vida política. Assim,
nasceu e cresceu uma certa desconfiança em relação à «classe política», a
crescente consciência dos custos da apatia política. Todos nós esperamos que os
perdedores da EA saibam reconhecer a sua derrota e os vencedores sejam capazes
de implementar aquilo que foi prometido ao povo nas campanhas, para o
desenvolvimento de Timor Lorosa’e ida buras liu, em uníssono, hamutuk hametin
nasaun!
Como ouvimos, muitas vezes, nos
discursos políticos que o poder soberano está no povo. Este poder será exercido
pelo povo de forma a “premiar” ou “punir”, conforme bem argumentado por Bobbio,
“ter poder significa, em poucas palavras, ter a capacidade de premiar ou
punir”, isto é, estar em condições de dar recompensas ou estar em condições de
infligir, punições” (Bobbio, 1986, 140) dos partidos politicos que não
representam o interesse dos eleitores na roda de governação. Entretanto,
observa-se que neste mercado político “é feito de tantos acordos, ou seja, a
prestação da parte dos eleitores é o voto, a contraprestação da parte do eleito
é uma vantagem (sob a forma de um bem ou de um serviço) ou a isenção de uma
desvantagem” (Bobbio, 1986, 140), para satisfazer os anseios dos eleitores,
pelo contrário, a não realização das “promessas eleitorais” contribui para um
crescente número maior de abstenção e não participação na Eleição, à medida em
que os eleitores tornam-se mais maliciosos e os partidos ficam mais débeis. Por
isso, exige a “capacidade dos partidos de controlar os seus deputados e de
deles obter o cumprimento das promessas feitas aos eleitores” (Bobbio, 1986,
138), com intuito de mobilizar os eleitores para aderirem ao partido,
pois, “a habilidade do político consiste, exatamente como no mercado, em
compreender os gostos do público e talvez orientá-los” (Bobbio, 1986, 122), com
respeito à marcha triunfal rumo à conquista do eleitorado. Em sentido análogo,
enfatiza por Max Weber — posteriormente, retomada, desenvolvida e divulgada por
Schumpeter — de que o líder político pode ser comparado a um empresário cujo
rendimento é o poder, cujo poder se mede por votos, cujos votos dependem da sua
capacidade de satisfazer os interesses de eleitores (Bobbio, 1986, 122), caso
não o seja, esta situação vai gerar “o ponto de ruptura com o alargamento do
fosso entre eleitores e eleitos – isto é, com a crise evidente de
representação” (Bauman, 2016, 11), porque os eleitos não tem o sentimento do
povo/eleitor.
Todos nós esperamos, que a
subsequente eleição ou Eleição Antecipada possa acontecer num ambiente mais
democrático e, que os políticos não podem fazer o monopólio da política: por um
lado, pelo uso da força, onde “as pessoas são obrigadas a fazer algo de que
prefeririam abster-se”. E, por outro lado, pelo uso do dinheiro (money
politics), pelo que “as pessoas podem ser induzidas a fazer o que não fariam
por iniciativa própria”. Porém, que se privilegiam pelo uso da sedução, isto é,
“as pessoas podem ser tentadas a fazer coisas pela pura felicidade de fazê-lo”
(Bauman, 2016, 49), sem nenhuma intervenção política.
Tendo em conta que a Campanha
Eleitoral é realizada num ambiente muito intenso, uma disputa encarniçadamente
entre as personalidades e figuras históricas, é preciso salientar que devemos
valorizar a nossa democracia. Para tal efeito, “onde não há eleições
livres não há democracia” (Bobbio, 1999, 129), por isso, para realizar a
eleição num clima de paz e promover a participação pacífica e sem medo de voto
nas urnas, devemo-nos ser guiados pelo fundamento ideal da democracia: (1) o
ideal da tolerância – é um apelo aos espíritos mais dominados pelo fanatismo ou
pela ignorância que se acreditam cegamente na própria verdade e na força capaz
de impô-la, até exercer violência para obrigar outros a segui-la e punir quem
não está disposto a abraçá-la. (2) o ideal da não-violência - é um apelo
destinado aos líderes para resolver os conflitos políticos e sociais sem o
recurso à violência. Tendo em consideração de que o adversário político não é
mais que um inimigo que deve ser destruído. (3) o ideal do livre debate das
idéias e programas eleitorais: é um apelo ao diálogo como força vital sine qua
non da democracia (Bobbio, 1986, 38). Se formos capazes de implementar esses
ideiais, poderemos exaltar o valor da democracia que está no coração de
Timor-Leste e, diremos “a democracia em Timor-Leste (no mundo) não está a gozar
óptima saúde mas, também não está à beira do túmulo" (Bobbio, 1986,
5). Finalmente, concluindo de forma excelente por Bauman: “democracia sem
tolerância e respeito pelo Outro é um oximoro, enquanto democracia com
tolerância e respeito à diferença é um pleonasmo” (Bauman, Globo News, 1 de
janeiro de 2016).
O filósofo alemão, Karl Marx
advertia que “a religião é o suspiro da criatura esmagada pela desgraça, a alma
de um mundo sem coração, assim como o espírito de uma época sem espírito. É o
ópio do povo” (citado em Aron, 2016, 9). De forma análoga, o povo anseio por
uma libertação total desta desgraça da pobreza e miséria. E, a política é
o caminho para esta libertação no seu sentido arcaico da metapolítica e a
democracia como veículo para chegar a realização dos sonhos dos founding fathers
em criar condições para alcançar o summum bonum e bonum commune do povo. Por
isso, durante o periódo de campanha eleitoral, os partidos políticos tornam-se
"o ópio do povo", um "magnetismo"; que atrai toda a atenção
do povo, com intuito de chegar o momento de libertação, porém, embebidos nesta
atração, todo o povo se esqueceu a feliz “promessas não cumpridas" que
soam nos ouvidos do povo durante as campanhas: libertar o povo da pobreza e
miséria!
Oxalá, que este povo resistente e
sofredor não acredita cegamente nestes “profetas desonestos e falsos
salvadores” (Bauman, 2016, 22) da Nação, que venham divulgar os programas
eleitorais, as promessas políticas, com intuito de mobilizar e conquistar o
eleitorado para eleger os partidos políticos. Mas, que o povo saiba votar com
mais consciência, refletindo sobre os candidatos, seus programas eleitorais e,
que não fazem da urna como uma loteria. Que o povo não sejam ingenuamente
maravilhados com as palavras de “insultos” entre
Xanana-Taur-Alkatiri-Horta-Abílio que não são verdadeiras, apenas uma pura
emissão fonética - "flatus vocis" - enfatizá-las para cativar a
simpatia e adesão dos "semper fidelis" (sempre fiéis) militantes e
simpatizantes, visa a ganhar a confiança do povo através do seu voto nas urnas.
Na verdade, esta “guerra de palavras” foi lançada num ambiente muito tenso nas
campanhas eleitorais, fazem-nos lembrar o sábio dito popular português: “quando
as comadres se zangam, todas as verdades vêm ao de cima”. Assim, a política é
reduzida ao espetáculo; os cidadãos tornam-se espectadores; o discurso político
serve como oportunidades para desabafar histórias de luta; e a batalha de
ideias, à competição entre os “marketings” (Bauman, 2016, 22), para criar o
valor e satisfação aos militantes na adesão aos partidos políticos.
Faremos, agora, uma previsão de
que os resultados eleitorais da EA manter-se-ão dentro da tendência histórica,
como Max Weber demonstrou “hero worship” ou “absolute trust in the leader” de
Comando da Luta continuam a votar em Xanana e Taur Matan Ruak. E, os radicais
militantes do Partido Fretilin manter-se-ão como semper fidelis a votar neste
partido. Como comentou o Pe. Martinho Gusmão: “o voto ideológico” continua na
mesma com os votos dos "semper fidelis" (sempre fiéis)
militantes e simpatizantes. O que vai mudar é “o voto estratégico”, mas, o
nosso povo ainda não tem a “capacidade de analisar, da inteligência para
discernir” (Bauman, 2016, 57) os programas eleitorais. Ainda vale a palavra de
Robert Ezra Park: (1) marcado pelo discurso racional; (2) unida por uma
experiência emocional. Explicando de forma explícita por Bauman: o primeiro
deve ter “capacidade de pensar e argumentar com os outros”, ao passo que a
última só precisa ter “capacidade de sentir e se identificar” (citado em
Bauman, 2016, 26) com os militantes e simpatizantes. Assim, a “luta política”
da EA mostra claramente que já não é mais uma competição de programas
eleitorais, mas, sim, de figuras históricas e partidos históricos, mais uma
vez, Bauman sintetiza: a “luta política já não é mais uma competição de ideias,
mas de personalidades: o maior número de pontos é amealhado pelas figuras...”,
porque a “cognição política é moldada emocionalmente” (Bauman, 2016, 78)
para cativar o coração e a simpatia dos "semper fidelis" militantes.
Olhando retrospectivamente para a
construção do país, poderemos dizer que os founding fathers, pelas suas
capacidades e valentias, já “edificaram as nossas instituições democráticas e
traçaram aquilo que é a essência dos valores democráticos de Timor-Leste: a
paz, a reconciliação, a solidariedade, o pluralismo, a tolerância e o
diálogo” (Dr. Rui Maria de Araújo, Díli, 16 de Fevereiro de 2015) e continuam a
empenharem-se nesta segunda batalha de libertar o povo da pobreza e miséria.
Temos de ter a inteligência para reconhecer e dizer sine ira et studio
(sem ressentimentos nem preconceitos) que há sinais positivos de mudança nesta
década de “Ukun Rasik-an”. Mas, poderemos constatar também que este povo
sente-se ferido com a injustiça social praticada pelas elites políticas. O slogan
de libertar o povo da pobreza e miséria que fora prometido pelos founding
fathers, não foi cumprido plenamente ao longo destes 16 anos da independência,
apesar de eles se tornarem protagonistas neste jogo democrático, que o Bobbio
chamou de “promessas não cumpridas”. Lembrando, ainda, o artigo A utopia
invertida, Bobbio inicia-se com a palavra “catástrofe”: a catástrofe de um
grande ideal, “da maior utopia política da história”. Escreve ainda Bobbio,
“Nenhuma das cidades ideiais descritas pelos filósofos jamais foi proposta como
um modelo a ser realizado. Platão sabia que aquela república ideal, sobre a
qual falara com seus amigos, não estava destinada a existir em nenhum lugar da
Terra, mas era verdadeira apenas, como diz Glaucon a Sócrates: nos nossos
discursos” (Bobbio, 2000, 50). É verdade, que os sonhos dos founding fathers
existem apenas nos discursos políticos, ainda não se incarnarem no coração do
povo, por isso, realizamos tantas vezes as eleições tanto presidenciais como
parlamentares, os discursos da retórica política pautam-se pela libertação
total do povo deste maligno da pobreza e miséria, após as eleições, tais
premissas demonstram apenas uma “utopia política da história”. Em síntese,
lembremo-nos a conclusão do pai da democracia moderna, Jean-Jacques Rousseau:
"se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Mas, um
governo, assim, perfeito não é feito para os homens" (Bobbio, 1986, 40).
No meio de situações
verdadeiramente dramáticas, “o que nos mantém vivos e atuantes perante esta
situação de incerteza é a imortalidade da esperança” (Bauman, 2016, 35), como
frisou de forma concisa por Bauman. Temos a “confiança” de que o VIII Governo
liderado ainda pelos founding fathers possa trilhar a estrada que conduz ao
rumo de um futuro promissor para restaurar o sentimento de segurança perdido,
reconstruir a confiança desaparecida e edificar a garantia de mercado para
todos os timorenses. E, que tinha como característica primordial a certeza de
edificar uma sociedade justa, livre, solidária, pacífica e, consequentemente,
que partilham equitativamente a honra e o ónus desta nobre nação de Timor
Lorosa’e.
Em suma, lembrando a trágica
memória de 2006, podemos desafiar os founding fathers, parafraseando Goethe:
“por que o teatro político tem de ser um anfiteatro gladiatório (de matar
ou morrer) em busca de poder, honra e riqueza, em vez de, digamos, uma
colmeia ou um formigueiro cooperativos e movimentados” (citado em Bauman, 2016,
29) em busca de Summum Bonum e Bonum Commune de todos os povos nesta Magna
Domus Fraternitas: Timor-Leste? Pois, uma decisão política tem sempre o seu
próprio custo – concluindo Bauman - o preço é pago na moeda em que é pago
geralmente o preço da má política — o do sofrimento humano.
Bibliografia
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Sua Excelência o Primeiro-Ministro Dr. Rui Maria de Araújo por ocasião da
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* Opinião pessoal do cidadão
da Aldeia Cassamou, Suco Seloi Craic, Município Aileu