O mundo e a vida dá cada volta!.
Há alguns meses atrás os problemas dos estudantes timorenses em Cabo Verde foram causa
de preocupação dos seus familiares em Timor-Leste, da Universidade e do próprio governo
timorense devido ao alarme de falta de segurança que alguns diziam sentir no
Mindelo, atualmente a ideia é inversa e o Mindelo, em São Vicente, é lindo, seguro e festeiro. Agrada.
Podemos perceber esse agrado através da entrevista ao Mindel Insite da estudante timorense
Aurélia Soares. Já adaptados ao país e às cidades caboverdianas onde estudam
nas universidades e fazem a sua vida de jovens estudantes podemos regozijar-nos
pelo seu bem-estar constatado, pese embora encontrarem-se longe das suas famílias,
amigos e do seu país. Os estudantes timorenses em Cabo Verde estão
bem e recomendam-se.
A seguir, a entrevista
descontraída e maravilhada de Aurélia Soares. (TA)
Aurélia Soares, universitária
timorense: Mindelo é uma cidade linda, habitada por um povo festeiro
Mindel Insite
Durante a recente luta de
libertação de Timor-Leste do jugo indonésio, Aurélia Soares presenciou a pior
cena da sua vida: o assassinato violento da própria tia mesmo à sua frente.
Chocada com a cena, a adolescente ficou uma semana sem poder falar, bloqueada
pelo medo de ter o mesmo fim.
“Fiquei aterrorizada, foi um
momento complicado para mim e toda a minha família”, recorda a jovem de 21
anos, cuja família ficou dividida literalmente ao meio, entre Timor (terra do
pai) e Indonésia (berço natal da mãe). Devido a sua nacionalidade, a mãe de
Aurélia Soares escapou por pouco de ser linchada pelos vizinhos timorenses.
Ciente do perigo, o pai da jovem escondeu a esposa nas montanhas, à espera que
o ambiente sociopolítico serenasse entre as duas nações, cujo conflito começou
em 1975, ano em que a Indonésia tomou conta do território dessa ex-colónia
portuguesa.
Por conta dessa situação, a mãe
de Aurélia teve de fugir para Indonésia, vindo a regressar a Timor-Leste
quase dois anos depois, já com a tensão social calma. “Hoje vivemos em paz, a
situação é tranquila, há timorenses a viver sem problemas na Indonésia e vice-versa”,
realça a jovem, que reside agora na cidade do Mindelo
Aurélia Soares é um dos 23
universitários timorenses a estudar actualmente na ilha de S. Vicente, com base
num protocolo de cooperação na área do ensino, estabelecido entre Cabo Verde e
o país de Xanana Gusmão, símbolo vivo da resistência timorense. Há um ano
e meio que essa jovem faz o curso de gestão em Hotelaria e Turismo na
Universidade do Mindelo, uma experiência que está a ditar um novo rumo à sua
vida. Além de obter conhecimentos técnicos, Aurélia está a conhecer uma
realidade nova, completamente diferente do quotidiano no seu distrito
em Timor. Suas duas realidades diferentes, mas essa diferença é mais
marcante a nível da cultura. “A cultura mindelense é viva e dinâmica, enquanto
que a nossa é mais fechada. Tive a oportunidade de ver isso no vosso Carnaval,
que é muito mais intenso que o nosso. Além disso trajamos alguns tipos de
roupas, enquanto que aqui o pessoal quase que desfila nu”, diz a timorense, que
verificou ainda que os jovens praticamente não frequentam as missas. Já em
Timor-Leste, frisa a nossa entrevistada, crianças, jovens e idosos vão
religiosamente às igrejas católicas todos os Domingos.
Mesmo assim, a timorense
confessa-se apaixonada pela beleza da cidade do Mindelo e a cordialidade dos
mindelenses. “Mindelo é uma cidade linda, habitada por um povo festeiro”, constata Aurélia
Soares, que se mostra impressionada com o estilo de vida reinante na nova
urbe. “Aqui as paródias são constantes. Quase todos os dias os meus
colegas têm uma festa”, comenta a moça, que já se sente enquadrada no ambiente
académico, tendo já arranjado vários amigos
Cabo Verde era um país totalmente
desconhecido para a universitária timorense. Quando soube que vinha para este
lado do Atlântico imaginou um país verdejante. Porém, apanhou um choque assim
que aterrou no aeroporto internacional da Praia. “Quem escuta o nome do
país tem a tendência de pensar que se deriva da cor do seu meio ambiente. Mas
não foi isso que encontrei”, confessa a jovem, que ficou dois dias na ilha de
Santiago e depois pegou o avião para S. Vicente
Na terra do Monte Cara iniciou a
sua integração social. No entanto, a principal barreira que lhe surgiu pela frente
foi a língua, não o português mas sim o crioulo cabo-verdiano, o instrumento de
comunicação mais usado na rua. “Confesso que fiquei um bocado desanimada
porque não compreendia nada. E nem o meu português é assim tão bom”,
salienta. Aos poucos, Aurélia Soares começou a ver que, afinal, a variante de
S. Vicente utiliza várias expressões portuguesas de uma forma muito clara.
Feita essa descoberta, passou a ser mais fácil para ela compreender algumas frases.
“Se falarem comigo consigo perceber algumas coisas, mas ainda não me
sinto capaz de expressar-me em crioulo. A primeira coisa que aprendi a dizer
foi manera, tude drete”, revela a estudante, que é uma das 43 timorenses
residentes em Cabo Verde, mais precisamente em Santiago e S. Vicente
Desse grupo, diz Aurélia, 23
escolheram S. Vicente para viver. “Quando cheguei éramos apenas doze,
depois vieram onze da Praia porque acham que há mais segurança na cidade do
Mindelo”, conta a moça, que já vai no segundo ano do curso superior e se
mostra satisfeita com o nível da formação ministrada na sua universidade. Daqui
a três anos espera terminar a licenciatura e regressar a Timor-Leste preparada
para trabalhar e ajudar no desenvolvimento da hotelaria e turismo, sector que,
como diz, mostra-se bastante promissor nessa ex-colónia de Portugal na Ásia.
Fotos: 1 - Panorâmica da cidade do Mindelo; 2 - Aurélia Soares, "apaixonada pela beleza da cidade do Mindelo e a cordialidade dos mindelenses".