Díli,
16 jun (Lusa) - Tiago Guerra, cidadão português libertado hoje após oito meses
em prisão preventiva em Díli, disse à Lusa que a alteração da medida de coação
é um primeiro "respirar de alívio" e sinal de que a justiça começa a
funcionar.
"Um
grande respirar de alívio. Um primeiro passo. Mas parece que desta vez as
coisas começam a funcionar, a justiça timorense começa a funcionar. Espero que
a partir de agora consigamos esclarecer as coisas todas", afirmou.
"O
que acho é que houve injustiça. Parte dela foi hoje corrigida. Esperamos que em
breve seja finalmente tudo corrigido e que eu tenha liberdade. Ainda estou aqui
em Díli, ainda tenho que me apresentar regularmente", explicou.
Tiago
Guerra falava à Lusa na sua primeira entrevista desde que foi preso a 18 de
outubro de 2014 e horas depois do Tribunal de Recurso de Timor-Leste alterar a
sua medida de coação, de prisão preventiva para Termo de Identidade e
Residência (TIR) e apresentações semanais.
"Eu
sou inocente. Não tenho a mínima dúvida. Digo isto a toda a gente. Felizmente
agora já há bastantes pessoas a dizer o mesmo que eu. No início não foi bem
assim. Agora, felizmente, a grande maioria já está com essa opinião. O que é
ótimo", confessa.
A
dois dias de cumprir oito meses de prisão preventiva - período em que teve que
ser hospitalizado duas vezes devido às condições da cadeia de Becora - Tiago
Guerra mostra-se compreensivo com os desafios do setor da justiça timorense.
"Às
vezes, nós que estamos fora, esquecemo-nos que o país é muito recente, que está
tudo a ser reconstruído. Eu quando cheguei a cidade estava queimada, foi tudo
reconstruído do zero. O mesmo com as instituições e o mesmo com a justiça
também", afirmou.
"Há
pessoas que têm que ser capacitadas, prazos que precisam de ser mais longos do
que os que estamos habituados noutras geografias. Mas penso que dado o exemplo
de hoje, a justiça vai funcionar", considerou.
Uma
das primeiras coisas que fez assim que chegou à casa de amigos onde conversou
com a Lusa, foi falar com os filhos, que estão em Lisboa, ao telefone. Com a
emoção, ainda é cedo para falar do mais difícil de todo o processo, a família.
"Foi.
Está a ser. Talvez daqui a mais uns dias possa falar. É ainda muito difícil
falar na família agora. Preferia falar depois", explica.
Mas
quer destacar o apoio que teve de famílias e amigos, dentro e fora de Timor,
importante tanto por demonstrar a "confiança" na sua ética de
trabalho, como pelo "carinho e empenho".
"Houve
pessoas que vieram de propósito a Díli. Chegaram numa sexta, viram-me no sábado
e partiram no domingo. Vários. Colegas de trabalho, clientes, ex-clientes. E
isso tudo foi um grande apoio moral para mim e ajudou-me estes meses. E depois
bastantes personalidades e a parte política também. Tudo isso ajudou",
disse.
Sem
se referir ao processo em si, até porque continua em segredo de justiça, Tiago
Guerra diz querer "ajudar a justiça o máximo possível", posição que
sempre manteve desde o início.
Ainda
que reconheça as dificuldades que viveu nos últimos oito meses.
"Estive
em duas prisões diferentes. Os primeiros dias na prisão de Caicoli, que não tem
condições nenhumas. Zero. Estamos a falar de um local em que a cela não tem uma
sanita, nem sequer um buraco. Nem uma torneira. Estamos fechados lá dentro com
centenas de mosquitos, sem acesso a nada", recordou.
"Foi
muito difícil. Depois as coisas foram evoluindo. Fiquei doente várias vezes,
tive que ser internado. Perdi muitos, muitos quilos. E cabelo. Penso que houve
uma adaptação minha ao sistema, mas também o sistema foi melhorando",
recorda.
"Inicialmente
dormia-se no cimento, depois veio uma esteira e depois um colchão. As coisas
estão a melhorar. Oito meses lá dentro, as coisas melhoraram", disse.
Sobre
os próximos passos, Tiago Guerra diz que só hoje ao final da tarde recebeu a documentação
com a decisão do Tribunal de Recurso, que alterou a sua medida de coação, e que
a prioridade é "regressar à família o quanto antes".
Nos
próximos dias, explica, sorrindo, quer "tomar banhos, vários".
"São
coisas difíceis de fazer. Correr, ver o mar, ver o céu. Coisas que não fazemos
quando são 19 horas por dia fechados dentro de um cubículo. Com duas ou três
pessoas", salientou.
ASP
// EL