sábado, 4 de maio de 2024

Timor-Leste cai dez posições no ranking da liberdade de imprensa e fica em 20º lugar

Relatório é divulgado anualmente pela Organização Não Governamental Repórteres Sem Fronteiras. Estudo cita violência policial, difamação dos média por políticos, processos judiciais, intimidação e influência da Igreja Católica como obstáculos ao trabalho dos jornalistas no país.

Timor-Leste caiu dez posições no ranking mundial que avalia a liberdade de imprensa e agora ocupa o 20º lugar (78,92 pontos) entre 180 países. Divulgado esta sexta-feira (3.05), data em que se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o relatório é elaborado pela Organização Não Governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que publica o documento anualmente.

A pontuação de Timor-Leste está entre o que pode ser considerada uma “situação relativamente boa”, que varia entre os 70 e 85 pontos, indica o documento. A metodologia consiste num levantamento de abusos cometidos contra jornalistas nos diferentes países e avalia cinco critérios (político, jurídico, económico, sociocultural e segurança), através de questionários dirigidos a profissionais ou académicos: quanto mais próximo de 100, melhor é a condição.

Entre os países lusófonos, Timor-Leste é o segundo mais bem colocado, atrás apenas de Portugal, que aparece em sétimo lugar (85,9 pontos).

“A liberdade de imprensa é a possibilidade efetiva dos jornalistas, como indivíduos e como coletivos, selecionarem, produzirem e divulgarem informações de interesse geral, independentemente de interferências políticas, económicas, jurídicas e sociais, e sem ameaça à sua segurança física e mental”, considera os RSF no relatório.

Segundo os RSF, uma cultura de deferência e respeito pela hierarquia continua a permear o jornalismo em Timor-Leste, a ponto de alguns editores se contentarem em reproduzir as atas das conferências de imprensa.

“Há casos em que os jornalistas são pagos para participar nessas conferências. O peso da Igreja Católica, seguida por mais de 95% da população, pode desencorajar os jornalistas a cobrir certos assuntos delicados, como a emancipação da mulher, o direito ao aborto ou a pedofilia no clero”, consta no documento.

Timor-Leste tem "enormes desafios" de direitos humanos e é preciso mudar mentalidades

Provedor dos Direitos Humanos exemplifica com casos relacionados com a violência doméstica, que considera estarem diretamente ligados com a "ausência de direitos económicos, sociais e culturais".

O provedor dos Direitos Humanos e da Justiça de Timor-Leste, Virgílio Guterres, afirmou à Lusa que o país continua a enfrentar “enormes desafios” ao nível dos direitos humanos, defendendo que para os ultrapassar é preciso “mudar mentalidades”.

“Temos um índice muito bom na região quando se fala de democracia e liberdade, de direitos civis e políticos, mas quando se entra num outro nível e falamos de direto económico, social e cultural começamos a enfrentar desafios enormes”, disse Virgílio Guterres.

Um dos exemplos dados pelo provedor dos Direitos Humanos timorense são os casos relacionados com a violência doméstica, que considera estarem diretamente ligados com a “ausência de direitos económicos, sociais e culturais na família”.

“Nas queixas que recebemos anualmente temos um número muito elevado de violência doméstica. A violência doméstica envolve elementos de todas as franjas da sociedade. Surge por causa das condições de vida da família”, salientou Virgílio Guterres.

Mas, disse, por outro lado, há também o fator educação.

“Já instaurámos a independência há 22 anos e podemos dizer que falhámos em investir com seriedade na educação. Não só nas escolas, mas também a informal, que também forma o caráter das pessoas”, disse, salientando que só vê avanços nas escolas privadas.

Segundo o Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, mais de metade das mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos já sofreu violência.

Para Virgílio Guterres, os timorenses ainda estão na fase de transição para uma “nova mentalidade”.

Questionado sobre se a “nova mentalidade” já se começa a sentir nas mulheres mais jovens, o provedor dos Direitos Humanos afirmou que em Díli as “coisas já começaram a mudar” e que “já têm coragem” para questionar e discutir assuntos como o “barlaque” (dote dados pelas famílias das mulheres às famílias dos homens com quem vão casar).

Outro assunto que contribui para essa abertura, segundo o provedor dos Direitos Humanos, foi a questão do abuso sexual por parte de um elemento da igreja.

Segundo Virgílio Guterres foi “uma campanha aberta”, com muitas ameaças, principalmente a jornalistas, mas um “passo importante para a abertura”, com os jovens a questionarem coisas do passado que eram tabu, tradições e costumes e práticas religiosas.

Salientando que também recebe críticas dos “colegas da igreja”, que o consideram um “liberal”, Virgílio Guterres defende que a atual sociedade não é a “1945 ou 1975”.

“Antigamente o que Roma falava só chegava aqui ao fim de 10 anos. Agora não, os jovens acompanham melhor o que o Papa está a fazer em Roma, do que os padres aqui. Penso que a Igreja Católica tem de continuar a envolver-se na formação e educação dos jovens, mas deve ajustar-se às novas mentalidades e valores e princípios do mundo novo”, defendeu o provedor.

Para Virgílio Guterres um dos exemplos da “nova mentalidade” passar pela alteração da lei do planeamento familiar, que só dá direitos às mulheres casadas e não às mulheres solteiras.

“E as casadas têm de ter autorização do marido para usar contracetivos e isto é uma violação dos direitos humanos. A mulher é que tem o direito de defender o seu corpo. Não é freira, nem o padre. A igreja tem de estar aberta à discussão”, salientou.

Observador | Lusa