Menos
de um mês depois de Pequim impedir dois deputados independentistas de Hong Kong
de tomarem posse, notam-se em Macau sinais de contágio, com medidas que
especialistas entendem ameaçadoras de liberdades.
Apesar
de não existir qualquer movimento independentista ou instabilidade em Macau – o
‘bom aluno’ de Pequim, onde as vozes pró-democracia são tímidas – os efeitos já
se fazem notar, em propostas de lei, declarações políticas e iniciativas da
sociedade civil.
Na
quinta-feira, a comissão da Assembleia Legislativa (AL) que analisa a proposta
de revisão da lei eleitoral anunciou que os candidatos a deputados terão de
declarar fidelidade ao Governo e à Lei Básica (miniconstituição de Macau) e
essa fidelidade será avaliada pela Comissão dos Assuntos Eleitorais, podendo
excluir candidatos da corrida, que só se faz, por sufrágio direto, para 14
deputados, de um total de 33.
Dias
antes, o chefe do Executivo tinha anunciado um manual de História Chinesa para
as escolas de Macau com conteúdo uniforme aos do interior da China.
No
mesmo dia, numa conferência de imprensa, antes de qualquer questão, Chui Sai On
sublinhou a legitimidade da China para interpretar a Lei Básica da região e a
eficácia das suas deliberações, numa referência ao caso de Hong Kong.
A
10 de novembro - a decisão de Pequim sobre Hong Kong foi conhecida no dia 07 -,
o deputado Dominc Sui, nomeado pelo chefe do Executivo, defendeu o reforço da
educação patriótica dos jovens para prevenir o cenário da região vizinha. No
mesmo dia, os Kai Fong – Associação dos Moradores, conservadora, com
representação na AL – organizaram o seminário para jovens “Opõe-te à secessão,
apoia a interpretação do artigo 104.º da Lei Básica de Hong Kong”.
Há
ainda medidas já anunciadas, como um acordo de entrega de alegados infratores
entre Macau e a China, em negociação, e a introdução da disciplina Educação
Cívica, apelidada de patriótica, que este ano começou no ensino primário e será
implementada noutros níveis de forma faseada.
Contactados
pela Lusa, os Kai Fong não quiseram discutir o seminário, alegando que não
foram convidados jornalistas. A associação divulgou, no Facebook, um vídeo da
sessão completa em que dois dirigentes criticam os deputados independentistas
de Hong Kong, que durante o juramento do cargo pronunciaram a palavra China de
forma considerada ofensiva e acrescentaram palavras suas, comprometendo-se a
servir a “nação de Hong Kong”.
Os
representantes dos Kai Fong afirmam que a apologia da independência constitui
uma ameaça à integridade nacional e Macau deve opor-se, até porque, devido à
ligação entre as duas cidades – ambas funcionam sob o princípio ‘Um país, dois
sistemas' –, os problemas em Hong Kong terão eventualmente impacto em Macau.
O
jurista António Katchi olha para estas movimentações com preocupação, em
particular para o aditamento à lei eleitoral: “Será mais fácil excluírem
candidatos por razões político-ideológicas. A partir daí podem excluir
candidatos que defendam simplesmente a transformação do regime político num
regime democrático ou podem excluir os candidatos que defendam os interesses
dos trabalhadores”.
Para
Katchi, os acontecimentos recentes devem ser vistos “à luz do que se passa na
própria China”, onde decorre um “reforço do poder a nível interno”: “As regiões
administrativas especiais não podem tornar-se um foco de destabilização”,
comenta.
“Talvez
se lembrem que Macau teve a sua utilidade no derrube da monarquia chinesa, já
que Sun Yat Sen e outros republicanos viveram em Macau e utilizaram Macau para
encontros e difusão de ideias. O facto de haver estas duas regiões
administrativas especiais, com maior liberdade política e maior liberdade de
expressão, e até maior proteção dos trabalhadores, de certo modo, é uma ameaça
ao regime chinês”, sublinhou.
O
jurista admite que Macau “é bem comportado” mas lembra que a sua abertura ao
exterior também tem efeitos, já que grande parte dos cerca de 31 milhões de
turistas que Macau recebe anualmente vêm da China e assistem a manifestações,
bem como os muitos universitários.
“Vamos
ver se no futuro o Governo não começa a cortar os subsídios aos jornais de
língua portuguesa que se mostrem mais críticos (…), imaginemos que continue a
perseguição a académicos (…) Pode ser que haja medidas para reforçar o controlo
ideológico nas escolas, instruções para os professores não abordarem certas
questões”, diz Katchi.
Para
Leung Kai Yin, professor do Instituto Politécnico de Macau, nas últimas
semanas, "o Governo e as organizações pró-Governo quiseram mostrar a sua
lealdade a Pequim”.
“Em
Macau não há ninguém a pedir independência. Todas as pessoas compreendem
totalmente que em nenhuma circunstância Macau pode ser independente”, defende.
O
comentador político reconhece que “o Governo quer educar a nova geração a amar
a mãe-pátria”, mas considera que esse esforço “não é necessário”, já que “cerca
de metade das escolas secundárias e primárias são pró-Pequim”.
“A
situação social de Macau é muito diferente [da de Hong Kong]. O que querem os jovens?
Ser funcionários públicos. E se querem ser funcionários públicos não podem
apoiar um movimento independentista”, conclui.