Timor-Leste,
como é sabido, foi a primeira nação a despontar no século XXI, libertando-se de
um passado colonial e de ocupações que marcaram profundamente o seu povo. O
rádio esteve presente nos momentos decisivos dessa história, quer no relato da
violência a que o povo era sujeito quer como veículo de comunicação da
resistência ao invasor.
Ainda
recentemente Mari Alkatiri, líder da Fretilin, ofereceu ao Arquivo e Museu da
Resistência Timorense (AMRT) o equipamento de rádio usado pela Rádio Maubere
para comunicar com a Austrália nos primeiros anos da invasão de Timor-Leste,
entre 1975 e 1978. Na ocasião Mari Alkatiri, actual Presidente da ZEESM
Oecussi, lembrou que era o único meio de comunicação entre Timor-Leste e o
exterior depois da invasão indonésia, a 7 de dezembro e até dezembro de 1978, a
Rádio Maubere esteve, muitas vezes, em movimento pelas montanhas do país.
Com
emissões em português, inglês e tétum, a rádio permitiu à Fretilin enviar
mensagens codificadas para o exterior que, nos primeiros anos, permitiram
perceber a dimensão de algumas das primeiras grandes operações das forças
invasoras da Indonésia. O rádio era então o meio de comunicação mais popular e
foi por ele que os timorenses ouviram as notícias do 25 de Abril de 1974. No
ano seguinte, o país foi invadido pelos indonésios, que, durante 25 anos,
controlaram a mídia oficial e perseguiram os meios que serviam o movimento de
resistência em particular a rádio clandestina das Forças Armadas de Libertação
Nacional de Timor-Leste (FALINTIL).
De
1999 a 2002, período de transição pós-referendum, quando o país esteve sob o
comando da Administração Transitória das Nações Unidas para Timor-Leste
(UNTAET), e antes de haver definição das línguas oficiais a Rádio UNTAET FM
realizava transmissões em quatro idiomas, a saber: inglês, indonésio, português
e tétum.
Ao
que julgo saber, hoje, o rádio encontra-se presente em vários pontos do
território e tem audiência em localidades distantes e de difícil acesso havendo
pelo menos 14 emissoras comunitárias, que emitem em FM cobrindo quase todo o
país com as transmissões a serem feitas principalmente, em língua tétum e em
dialectos locais mas algumas delas já introduziram o português em parte da
programação. Há também rádios em inglês, emissoras de ondas médias, uma
emissora evangélica, serviços internacionais da RDP portuguesa, da BBC inglesa
e a emissora oficial, a Rádio Timor Leste, da Rede de Rádio e Televisão Timor
Leste (RTTL). Pode-se, igualmente, captar emissoras estrangeiras em FM da
Austrália, Indonésia e de Portugal.
Em
Timor-Leste, ainda subsiste a escuta colectiva e é através do rádio que as
informações se divulgam mais rapidamente, sendo a classe popular, privada do
acesso a outras mídias, que mais utiliza o rádio como meio de informação.
O
novo Governo liderado por Rui Maria Araújo por certo que não ignora esse facto
dado que no seu programa pode ler-se no item 1.10.4 Encorajamento da
diversidade dos meios de comunicação social que o “Governo promoverá a
consolidação do papel da Rádio e Televisão de Timor-Leste, enquanto empresa
pública, e providenciará a capacitação e os materiais necessários para a
profissionalização da organização. O Governo continuará a apostar no reforço da
capacidade das Rádios Comunitárias, enquanto instrumento de informação e coesão
junto das comunidades locais. De igual modo, o Governo procurará incentivar o
investimento do sector privado nos meios de comunicação social, a fim de
fomentar um ambiente competitivo e de conseguir um sector de comunicação social
diversificado, responsável e dinâmico.
Portanto,
a par da aposta que o actual executivo já realiza nas redes sociais também
nesta área percebe da importância deste meio na formação de uma sociedade
timorense mais informada, culta, inclusiva e participativa além de se poder
constituir também como um veículo de difusão de uma maior alfabetização no
domínio das línguas oficiais, Tétum e Português.
A
este propósito vem-me à memória que em 2001 o Batalhão Português a solicitação
de várias personalidades timorenses, com o apoio de alguns jornalistas
portugueses presentes no território em particular Antonio
Sampaio da Lusa e António Valadas da RDP, aproveitando do
facto de para a cobertura das transmissões do sector à sua responsabilidade ter
instalado dois repetidores de rádio, um localizado no Remexio e outro já perto
de Manufahi, juntou a estes meios um emissor da RDP. Esse emissor recebia o
sinal de Díli e depois retransmitia-o para aumentar a cobertura dessa emissão,
para toda a região envolvente. O sinal da RDP era recebido através da emissão
de satélite e replicado a partir dos repetidores para toda a região de Díli,
Aileu, Liquicá e Same.
Em
simultâneo foram distribuídos pelos habitantes dos sucos destes distritos 5000
rádios a pilhas graciosamente fornecidos pela Phillips Portugal numa actividade
de cooperação civil-militar com o objectivo de conquistar a confiança dos
timorenses e difundir a língua portuguesa. Esta actividade teve um efeito que
em tudo ultrapassou as expectativas. A procura junto do Batalhão por um rádio a
pilhas obrigou a solicitar mais equipamentos à empresa e foi muito curioso
passar a ouvir-se por todo o território abrangido os relatos dos jogos do
Benfica, Porto ou Sporting com os gritos de golo e a euforia provocada pelo
resultado a quebrar a altas horas da madrugada o silêncio da noite timorense
dada a diferença horária a que aconteciam os desafios.
Os
timorenses acolheram a rádio falada em português como sua e se por algum motivo
de natureza operacional o Batalhão se via forçado a desligar temporariamente o
emissor as queixas sucediam-se de imediato. Para ilustrar este interesse do
povo neste meio, aquando da distribuição dos rádios num suco junto a Maubara,
um dos timorenses a quem já tinha sido distribuído o rádio não querendo esperar
pelas indicações de funcionamento do aparelho resolveu ligá-lo com o botão de
volume no máximo o que junto com a falta de sintonia prévia originou um tal
zumbido que o homem largou o rádio e desatou a fugir. Um dia depois voltou ao
Batalhão a reclamar do seu rádio porque o sobrinho já lhe tinha mostrado como
funcionava e portanto não dispensava o “brinquedo” bem como queria que lá
voltasse para dar um rádio a cada um dos membros da sua família.
Acrescente-se
a bem da verdade que na ocasião apenas a boa vontade de alguns portugueses
entusiasmados com a ideia, o espirito de missão dos militares do Batalhão
(PORBATT/UNTAET) associada à genialidade técnica da equipa de transmissões
permitiu tornar realidade este cenário.
Mais
recentemente, numa das minhas viagens a Timor-Leste, percebi do desagrado de
muitos timorenses e também da comunidade portuguesa sobre as frequentes falhas
de serviço da RDP a somar às justificadas queixas sobre a inadequada
programação da RTPi. Registei inclusivé o voluntariado de alguns portugueses
ali residentes em trabalho que se quotizavam para a compra do combustível
necessário a manter o funcionamento do gerador que garante a energia do emissor
RDP. Embaixada Portuguesa e Governantes portugueses com responsabilidades na
política externa parecem ficar alheados a este facto e ignoram as críticas
surgidas nas redes sociais lhe são dirigidas, o que prova que há coisas que
raramente mudam. Chegam-me entretanto notícias que através de um protocolo com
a RTTL o problema se terá solucionado não obstante a programação continue a ser
no entender de muitos dos ouvintes totalmente desadequada. A distância mata é
certo mas a vontade política quando existe aproxima com facilidade as nações e
as comunidades.
Hoje,
numa sociedade em que o analfabeto paradoxalmente já não é apenas aquele que
não sabe ler nem escrever mas sim o que não tem um endereço de e-mail ou não
sabe usar um computador, o rádio além de continuar a ser um meio de comunicação
de massa ele pode também em sociedades com menor acesso a recursos
tecnológicos, ser usado para fins educativos e culturais, procurando atingir a
pessoa onde ela estiver para desenvolver suas potencialidades. Se a sua
programação apostar na divulgação e orientação educacional, pedagógica e
profissional, a que junta informação crítica e de qualidade com uma programação
cultural de interesse das audiências o rádio não elimina o papel do professor
mas antes o ajudam a desenvolver sua tarefa principal que é a de educar para
uma visão mais crítica da sociedade e portanto para uma cidadania mais activa.
No
caso de Timor-Leste, um país com um grande índice de analfabetismo mas hoje já
com grande cobertura da rede de comunicações e energia eléctrica, a rádio
continua a poder combater o isolamento da população. A televisão, a internet
estão mais reservadas às áreas urbanas e a oralidade, a transmissão verbal de
conhecimento assume uma importância capital na passagem de informação e
conhecimento de geração em
geração. A rádio continuará por mais uns tempos a ser um meio
de comunicação alternativo e dinâmico, assumindo um papel preponderante,
contribuindo para resgatar o cidadão timorense do anonimato permitindo-lhe ser
um interveniente activo na discussão dos problemas locais (saúde, educação,
agricultura, gestão ambiental e dos recursos naturais, posse da terra, etc),
dando-lhe mais liberdade de acção e de pensamento na sua afirmação enquanto
actor com propriedade do seu espaço e cultura afirmando-a no seio de uma
comunidade que tem no português a sua língua comum.
Porta
351 - Foto Sapo TL