Acordos
firmados por Li Keqiang e Dilma revelam: BRICS avançam e querem ser alternativa
ao eixo EUA-UE. Mas também indicam que governo brasileiro resigna-se à condição
de exportador primário
Mario
Osava, da Agência IPS – Carta Maior
Foram
35 os acordos e contratos assinados durante a visita do primeiro-ministro da
China, Li Keqiang, ao Brasil, mas somente um projeto chama a atenção, na ampla
aproximação entre os dois países. Trata-se da Ferrovia Transcontinental,
com previsão de mais de cinco mil quilômetros entre o porto de Açu, 300
quilômetros a nordeste do Rio de Janeiro, e um porto peruano, não mencionado, e
que será objeto de estudos de viabilidade, segundo o memorando de entendimento
assinado entre Brasil, China e Peru.
“É
uma loucura”, afirmou Newton Rabello de Castro, professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro especializado em transporte. “A barreira andina de
quatro mil metros” e os altos custos tornam inviável de antemão o projeto,
afirmou à IPS. “As ferrovias não gostam de topografia muito acidentada, todos
as que foram construídas nos Andes foram desativadas e também não prosperou o
trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo por causa de seus custos absurdos”,
explicou o engenheiro doutorado pelo Instituto Tecnológico de
Massachusetts. Pelas mesmas razões tampouco se concretizaram outros
traçados propostos para unir os oceanos Atlântico e Pacífico, incluindo os que
cruzam áreas de maior densidade econômica como as do Cone Sul americano, onde
bastaria completar a ferrovias já existentes, disse Rabello.
Outros
acordos assinados pela presidente Dilma Rousseff e Li, ou alguns dos 120
empresários que acompanharam o primeiro-ministro chinês, são mais concretos e
oportunos para o governo brasileiro, que enfrenta um ajuste fiscal e carece de
recursos para impulsionar obras necessárias de infraestrutura e reativar a
paralisada economia. A soma de investimentos chineses nos projetos
acordados chega a US$ 53 bilhões, uma cifra propagada por Brasília sem
confirmação chinesa nem contas detalhadas, ao compreender iniciativas em
diferentes etapas, algumas ainda em fase de proposta, como a ferrovia
interoceânica, e outras sujeitas a licitações.
Mas
a participação de empresas e capitais chineses permitirá destravar muitas obras
de infraestrutura atrasadas ou mesmo paralisadas, como estradas de ferro para a
exportação da soja produzida nas regiões centro-oeste e nordeste do Brasil.
Para isso haverá um fundo de US$ 50 bilhões, que será criado pelo Banco
Industrial e Comercial da China (ICBC) e a Caixa Econômica Federal (CEF).
A
indústria será prioritária em outro fundo, o Fundo Bilateral de Cooperação
Produtiva, de caráter governamental. A China aportará entre US$ 20 bilhões e
US$ 30 bilhões e o Brasil decidirá posteriormente sua cota. A industrialização
da América Latina é um objetivo da cooperação chinesa, afirmou Li em Brasília,
em resposta às queixas contra o intercâmbio assimétrico, com as exportações
latino-americanas limitadas quase exclusivamente a matérias-primas.
A
visita ao Brasil foi a primeira parte de uma viagem que é a estreia
latino-americana do primeiro-ministro chinês e prosseguirá até o próximo dia 26
por Colômbia, Peru e Chile.
Os
acordos assinados em Brasília para a cooperação financeira acentuam a criticada
assimetria. Bancos chineses concederam novos créditos, no valor de US$ 7
bilhões, à Petrobras, que se somam a empréstimos anteriores que garantem o
fornecimento de petróleo para a China. Outra beneficiada é a mineradora
Vale, incluída em uma linha de crédito de US$ 4 bilhões para compra de navios
destinados ao transporte de 400 mil toneladas de minério de
ferro. Petróleo e ferro concentram cerca de 80% das exportações
brasileiras para a China. Por isso o interesse de Pequim em melhorar a
infraestrutura de transporte brasileira: dessa forma reduzirá os custos das
exportações, além de ocupar a capacidade ociosa das construtoras chinesas,
agora que diminuiu a demanda em seu mercado interno.
Outro
aspecto abre o mercado chinês para a carne bovina em pé do Brasil. Uma exceção
industrial nas exportações brasileiras é da aeronáutica. A venda de 22 aviões
da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) para uma companhia da China foi
concretizada durante essa visita. Um acordo prévio estabelece a venda de 60
unidades no total.
O
comércio bilateral alcançou US$ 77,916 bilhões em 2014, com superávit
brasileiro — embora em queda pela redução dos preços dos preços dos produtos
básicos. A meta é elevar rapidamente o intercâmbio a US$ 100 bilhões, segundo o
primeiro-ministro chinês. Esse aumento das relações, especialmente dos
investimentos chineses, “pode ser positivo para o Brasil, mas é preciso
controlar o entusiasmo com essa aproximação”, afirmou Luis Afonso Lima,
presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e
Globalização Econômica (SBEET). “Os chineses têm mais a ganhar do que nós nesse
processo. Buscam fornecedores de matérias-primas em toda a América Latina. Mas
sem urgência — porque sua economia desacelerou –, podem pensar estrategicamente
a longo prazo”, afirmou o economista à IPS.
“Com
mais experiência acumulada em sua cultura milenar, eles sabem o que querem,
buscam mais poder global e as alianças com países emergentes de outras regiões,
como o Brasil, ampliam sua influência”, acrescentou Lima. Com quase US$ 4
trilhões em reservas internacionais, podem financiar o desenvolvimento de
qualquer país.
Segundo
Lima, uma frustração já ocorreu quando o Brasil reconheceu a China como uma
economia de mercado em 2004, oferecendo-lhe, assim, melhores condições
comerciais. A contrapartida não cumprida deveria ser de investimentos
industriais de US$ 10 bilhões. O momento atual, porém, permite maior
complementaridade econômica entre os dois países, favorecendo um melhor
equilíbrio no intercâmbio bilateral. “A China deixou de priorizar as
exportações e estimula seu consumo interno, enquanto o Brasil vive um momento
oposto, com redução da demanda doméstica e maior esforço exportador, abrindo a
possibilidade de sinergia entre ambos países”, afirmou Lima.
Porém,
acrescentou o economista, aproveitar a oportunidade exige que se tenha
objetivos claros, “planejamento de longo prazo, com prioridades definidas e as
reformas adequadas, com investimentos produtivos em manufaturas, mas o governo
brasileiro parece perdido”. A Ferrovia Transcontinental é projeto para
“priorizar exportações de soja e minérios” para a Ásia, principalmente a China,
concluiu Lima. Para Rabello de Castro, “historicamente a ferrovia produziu
uma grande redução de custos no transporte terrestre, substituindo animais e
carroças. Caiu de seis para um, inclusive mais em alguns casos, e isso ficou no
imaginário das pessoas que ainda acreditam no trem como a solução, ignorando
seus custos atuais”.
Em
consequência, no Brasil constroem-se várias ferrovias paralelas dirigidas ao
centro do país, com uma produção agrícola em alta, especialmente da soja. Onde
havia uma só via precária para a exportação agora se quer oferecer três ou
quatro alternativas e acrescentar outras ao excesso, como a bi-oceânica, disse Lima.