Vanessa
Martina Silva, São Paulo
Em
visita a Brasília, premiê chinês assinou acordos de US$ 53 bilhões; entre
projetos está a construção de uma ferrovia unindo o Rio de Janeiro ao Peru
Com
investimentos da ordem de US$ 53 bilhões no Brasil, o primeiro-ministro chinês,
Li Keqiang, em visita a Brasília nesta terça-feira (19/05), anunciou uma série
de parcerias, como a compra de aviões da Embraer e diversos acordos nas áreas
de agricultura, aeronáutica, energia, transporte, estradas, portos e
siderurgia. Entre as obras mais imponentes está o projeto de construção de uma
ferrovia ligando o Rio de Janeiro ao Peru, o que oferecerá ao Brasil uma saída
ao oceano Pacífico.
Para
discutir os efeitos da aproximação entre Brasília e Pequim, Opera Mundi conversou
com Elias Khalil Jabbour, pesquisador do padrão asiático de desenvolvimento,
autor de diversos livros sobre a China e professor-adjunto da UERJ
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Em sua avaliação, ao se aproximar e
investir na América Latina, a China tem como objetivo “enfrentar o inimigo
estratégico, que são os Estados Unidos. Há uma guerra entre o capitalismo e o
socialismo no âmbito mundial. A China consegue hoje o que a URSS (União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas) não conseguiu fazer e transfere do campo
militar para o comercial a nova guerra fria”.
De
fato, a China tem se aproximado não só de países como Venezuela, Argentina e agora o Brasil, mas também tem
buscado uma cooperação maior com toda a região, como foi observado em janeiro,
durante o fórum Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos)-China, quando o país asiático se comprometeu a destinar cerca
de US$ 250 bilhões para projetos de infraestrutura no continente nos próximos
10 anos.
Jabbour
ressalta que a China atua de forma diferente de outros atores globais, como o
“FMI ou o Banco Mundial, que condicionam os financiamentos à política
econômica, ou intromissões na política interna dos países que recebem os
investimentos”. Assim, “ao comparar, a forma de inversão da China no mundo é
mais interessante para o Brasil”, ressalta, comparando a inserção chinesa à dos
grandes credores mundiais.
Neste
sentido, o premiê afirmou em sua passagem em Brasília que “a recuperação
econômica do mundo tem muito a ver com o aumento da capacidade produtiva, e
para participar desse processo é necessário acelerar a cooperação para a
industrialização na América Latina".
A
questão, na visão do autor do livro China hoje: projeto nacional,
desenvolvimento e socialismo de mercado (Anita Garibaldi - R$ 39), passa
pelo fato de que os chineses podem ter intenção de ajudar a industrializar a
América Latina, “mas é preciso ver se existem parâmetros estratégicos nacionais
na Venezuela, ou Brasil, por exemplo, ou seja, se existe um nível de
sofisticação do pensamento estratégico para que isso ocorra”.
Commodities
e exportação
De
acordo com o premiê, a China está disposta a cooperar com tecnologia,
financiamento e execução de obras de infraestrutura, assim como a capacitação
de mão de obra especializada.
O
ponto é questionado pelo professor da UERJ, uma vez que nos acordos firmados com
o Brasil “as capacidades produtivas não serão necessariamente brasileiras. Eles
entram com o capital, mas também com mão de obra. Onde estarão os efeitos
multiplicadores desse efeito? Acho que na China”, afirma. Além disso, eles
também têm necessidade de exportar o excedente de capitais.
É
neste sentido que a construção da ferrovia transoceânica ligando o Atlântico e
o Pacífico, passando pelo interior do Brasil, Amazônia e Andes até chegar à
costa do Peru, é de interesse mútuo, afirma Jabbour. Isso porque a exportação
de commodities, como ferro e soja, terá custo reduzido, mas a China poderá
aquecer sua indústria do aço: “farão ferrovias, trilhos, vagões, tudo usando a
capacidade produtiva da China”, comenta o especialista.
Somado
a isso, analistas passaram a apontar para o risco de ocorrer uma
desnacionalização das empresas brasileiras e a consequente desindustrialização,
fruto da compra de ativos por parte dos chineses — nesta terça o BoCom (Banco
de Comunicações da China) comprou o brasileiro BBM, por exemplo. Quanto à
questão, Jabbour aponta que “a desindustrialização e desnacionalização já estão
acontecendo há muito tempo [no Brasil]. Esse processo começou há pelo menos 25
anos. Isso hoje pode ser mais um capítulo, a longo prazo”, observa.
Desenvolvimento
estratégico
Para
ele, com a liderança do Brasil deveria ocorrer uma “transferência do processo
produtivo da China para a região, ou seja, uma transferência da unidade
produtiva para a América Latina”.
A
ocidentalização do capital chinês foi, na avaliação do entrevistado,
fundamental para sustentar politicamente os governos “bolivarianos” da América
Latina, que “são cada vez mais dependentes do capital chinês. Há, assim, um
casamento entre política e economia que muitas vezes não é levado em conta e
foi uma alternativa encontrada ao mercado norte-americano e europeu”.
No
entanto, na avaliação de Jabbour, o ponto central é que “não existe, no Brasil
ou nos demais países da América Latina — à exceção de Cuba — uma estratégia
capaz de acompanhar a chinesa. O que temos no Brasil são interesses imediatos
diante de uma crise interna”, conclui.
Opera
Mundi – Foto Efe