Macau,
China, 21 abr (Lusa) - A comunidade portuguesa e macaense está hoje muito
afastada da política, ao contrário do que se passava antes da transferência de
Macau para a China, ainda que domine fortemente a área do Direito, indica um
estudo.
As
conclusões, publicadas este mês por Hao Zhidong, sociólogo e investigador da
Universidade de Macau, estão expressas em "Estratificação Social e
Política Étnica e de Classe em Macau antes e depois da Transferência em
1999", um estudo que compara o papel das comunidades portuguesa, macaense
e chinesa.
Hao
Zhidong salienta que, revertendo o padrão anterior à transferência de
Administração, Macau é hoje caracterizada "pelo domínio político dos
chineses e a marginalização dos portugueses e macaenses".
Segundo
o investigador, tal pode afirmar-se mesmo tendo em conta a presença de
deputados macaenses como José Pereira Coutinho e Leonel Alves e diretores de
serviço como Manuel Joaquim das Neves e Maria Helena de Senna Fernandes.
Fazendo
uma retrospetiva, Hao Zhidong recorda que entre 1997 e 2011, o número de
portugueses em Macau caiu 56% e de macaenses 60%. Da mesma forma, a percentagem
de portugueses ou macaenses a ocupar cargos de secretário no Governo
(equivalente a ministro) caiu de 83% para 11%.
Os
números indicam "uma mudança do poder político dos portugueses para os
chineses", diz.
Esta
mudança gradual veio acabar com um cenário de desigualdade: apesar de, em 1997,
96% dos residentes de Macau serem chineses, eram os portugueses e macaenses que
"constituíam a maioria dos dirigentes do Governo e dos funcionários
públicos, incluindo da polícia, e que gozavam não só do privilégio de salários
mais elevados como do poder de tratar os chineses como pessoas
inferiores", escreve o académico.
Hao
Zhidong traça um cenário de discriminação em cadeia - dos portugueses para com
os macaenses e dos macaenses para com os chineses -, em várias áreas, incluindo
disparidades salariais e violência policial.
Há
no entanto uma ilha de poder ainda dominada pela comunidade portuguesa e
macaense: o Direito.
Tendo
em conta que a lei de Macau foi escrita originalmente em português "e a
versão traduzida em chinês é difícil de perceber devido a má tradução", o
português permanece a língua dominante "e os portugueses e macaenses
continuam a ser os principais intervenientes no domínio legal".
Dos
46 juízes de Macau, 24% são portugueses e 11% macaenses. Entre os 272 advogados
registados, 76,4% são portugueses ou macaenses.
Hao
Zhidong lembra que, de acordo com a lei, todos os documentos legais têm de ser
traduzidos para português, mesmo que todos os intervenientes no processo sejam
chineses. "Além de protegerem o mercado de trabalho dos advogados, os
portugueses e os macaenses também protegem a sua cultura ao efetivamente
forçarem mais pessoas a estudarem português e a usarem português, em detrimento
dos chineses envolvidos no processo", descreve.
Assim,
"o domínio legal dos portugueses e macaenses numa sociedade predominantemente
chinesa, que não compreende português, criou conveniências para os dois
primeiros grupos, mas inconveniências para o último".
Para
o sociólogo, a política de língua no campo do Direito acabou por criar um
"monolinguismo de facto" e é "equivalente à continuação do
colonialismo".
Assim,
e apesar de considerar a democratização de Macau inevitável a longo prazo, Hao
Zhidong considera que a atual posição da comunidade portuguesa e macaense acaba
por se "adequar aos interesses do Governo", contrário a essa mudança
política.
O
sociólogo parte do pressuposto que os portugueses são favoráveis à introdução
de um regime democrático em Macau: "Maior incorporação de portugueses e
macaenses na política pode unir os apoiantes portugueses e macaenses da
democracia aos seus homólogos chineses e atrair mais críticas ao Governo. [Ao
mesmo tempo,] uma reforma legal podia gerar grande controvérsia, servindo
melhor os seus interesses se o 'status quo' for mantido".
ISG
// PJA