Pequim, 21 dez (Lusa) - A
crescente rivalidade com os Estados Unidos marcou a China, em 2018, num momento
em que o líder chinês, Xi Jinping, legitima o seu novo estatuto como presidente
vitalício com a projeção do país além-fronteiras, consideram analistas.
No ano em que Xi anunciou o início de
uma "nova era" e reforçou o poder interno ao abolir o limite de
mandatos para o seu cargo, com o objetivo final de firmar a posição da China
como grande potência, até meados deste século, Washington definiu o país como a
sua "principal ameaça", apostando numa estratégia de contenção das
ambições chinesas que ameaça bipolarizar o cenário internacional.
"Nas últimas décadas, a
liderança chinesa trabalhou com base nas suposições de que os EUA nunca
romperiam com o sistema global baseado em regras e tratados, que construíram
desde a II Guerra Mundial, e que os desafios internos da China seriam sempre a
sua prioridade", descreve Kerry Brown, professor de Estudos Chineses no
Kings' College de Londres.
"No entanto, ambas as
certezas foram abaladas em 2018", afirma.
Uma guerra comercial espoletou já
entre as duas maiores economias mundiais, com Washington a aumentar as taxas
alfandegárias sobre 250 mil milhões de dólares de bens chineses, visando conter
as ambições tecnológicas e geopolíticas de Pequim.
Este mês, Meng Wanzhou, a
diretora financeira da gigante chinesa das telecomunicações Huawei, foi detida
pelas autoridades canadianas, a pedido dos EUA, por suspeita de ter mentido
sobre uma filial da empresa, para poder aceder ao mercado iraniano, violando
sanções norte-americanas.
A marinha norte-americana
reforçou ainda as patrulhas no Mar do Sul da China, reclamado quase na
totalidade por Pequim, apesar dos protestos dos países vizinhos, enquanto
Washington tem reforçado os laços com Taiwan, que se assume como uma entidade
política soberana, contra a vontade de Pequim, que ameaça "usar a
força" caso a ilha declare independência.
Referências a uma nova Guerra
Fria são agora comuns entre funcionários chineses e norte-americanos.
"Podemos certamente pensar
em várias frentes de batalha: no comércio, informática, defesa (Mar do Sul da
China) ou tecnologia (5G). Mas isto é uma guerra entre uma superpotência
mundial em declínio (os EUA) e uma em ascensão (a China)", considera
Timothy Ash, estrategista na BlueBay, empresa gestora de ativos.
A crescente animosidade de
Washington face à China surge numa altura em que Xi assume o desejo de aproximar o país do
centro da governação dos assuntos globais, abdicando do "perfil
discreto" na política externa chinesa, que vigorou durante décadas.
A nova vocação internacionalista
do país materializa-se no gigantesco plano de infraestruturas 'uma faixa, uma
rota', que visa conectar o sudeste Asiático, Ásia Central, África e Europa, e é
vista como uma versão chinesa do 'Plano Marshall', lançado pelos Estados Unidos
após a Segunda Guerra Mundial, e que permitiu a Washington criar a fundação de
alianças que perduram até hoje.
"Devemos reconhecer que a
base fundamental para a relação entre os EUA e a China mudou", considera
Ash.
"Antes de Donald Trump, a relação
era inclusiva ou até simbiótica. A ideia era que a China podia tornar-se 'um de
nós', à imagem do Ocidente. Mas existe agora o reconhecimento de que a postura
das administrações anteriores falhou. Talvez tenha facilitado o crescimento
global, através da globalização, mas a China tem sido o vencedor
desproporcional e esmagador", acrescentou.
No mais simbólico discurso sobre
a China da atual administração norte-americana, o vice-presidente Mike Pence
acusou o país de "agressão económica", "crescente militarismo",
e de recorrer à armadilha do endividamento para fazer avançar os seus
interesses nos países em desenvolvimento, "contestando as vantagens
geopolíticas dos Estados Unidos e tentando mudar a ordem internacional a seu
favor".
"As administrações anteriores
ignoraram as ações da China - e, em muitos casos, ajudaram [Pequim]",
afirmou. "Mas esses dias chegaram ao fim".
JPI // PJA