Macau,
China, 04 mar (Lusa) -- O presidente da Associação dos Advogados de Macau
afirmou hoje que o caso do ex-procurador da região Ho Chio Meng, em prisão
preventiva desde sábado por suspeita de corrupção, "abala a confiança no
sistema".
"Não
conheço os indícios, não sei qual vai ser o futuro. Noto que ontem
[quinta-feira] mesmo o chefe do executivo chamou a atenção para que até ao
trânsito em julgado de eventual sentença condenatória o suspeito ou arguido
deve ser considerado inocente. E é por aí que devemos estar. Mas que isto abala
a confiança no sistema, abala", disse Jorge Neto Valente.
"Estou
a ver, infelizmente, que há situações que roçam o sinistro, (...) que afetam
gravemente a imagem do sistema jurídico de Macau e a máquina judiciária",
observou, em declarações aos jornalistas.
O
ex-procurador - que foi o chefe máximo do Ministério Público de Macau entre
1999 e 2014 - está preso preventivamente por decisão do Tribunal de Instância
(TUI), que também recusou um pedido de libertação imediata da defesa de Ho Chio
Meng, considerando que para contestar a detenção deve ser usada a figura do
recurso e não o 'habeas corpus'. No entanto, as decisões do TUI (a única
instância que pode tomar decisões em relação a magistrados e altos cargos em
Macau) são irrecorríveis.
A
defesa de Ho Chio Meng argumentou também, quando pediu o 'habeas corpus', com o
Estatuto dos Magistrados, que determina que não podem ser detidos "antes
de pronunciados ou de designado dia para a audiência, exceto em flagrante
delito".
O
tribunal considerou que apesar de Ho Chio Meng "salvaguardar" a
qualidade de magistrado, não estava a exercer efetivamente funções de
magistratura desde fevereiro de 2015, quando foi nomeado, em comissão de
serviço, para coordenar a Comissão de Estudos do Sistema Jurídico-Criminal.
Neto
Valente considerou que o problema é que "o sistema tem sido analisado à
luz de casos pontuais", pelo que "era bom que houvesse alguém com uma
visão mais abrangente, [que] pudesse reformular a lei".
"Houve
[...] a preocupação do legislador de criar um regime muito especial para os
titulares de altos cargos que já se viu [...] que não funciona bem: as pessoas
querem ter direito a recurso, mas também querem ser julgados por um tribunal da
mais alta instância (...), e não é possível meter tudo no mesmo saco", afirmou.
Para
Neto Valente, o "mais preocupante" e que tem de ser visto é o
estatuto de Ho Chio Meng como magistrado.
"Se
uma pessoa é magistrado, nunca deixa de o ser. (...) Não é agora esta
interpretação ou esta estipulação que conduz a resultados absurdos. (...) Numa
semana é-se magistrado, na semana a seguir já não", observou.
"De
repente, afinal, procurador-adjunto não é magistrado porque estava em comissão
de serviço, não estava a acusar ninguém, não estava no Ministério Público. Para
mim isso não faz muito sentido. Mas a questão é que este caso agora veio a pôr
a nu as fragilidades do sistema", acrescentou, sublinhando ainda a
"falta de transparência", "de quem fiscaliza o fiscal".
O
advogado referiu que "devia haver um equilíbrio em que, seja quem for o
titular de um cargo, pode ser fiscalizado (...). E não é vir agora -- ao fim de
dez anos -- dizer que o senhor andava mais preocupado com 2.000 obras. Isso
tudo parece-me muito ridículo", numa referência às suspeitas de corrupção
que recaem sobre o ex-procurador, que envolvem a adjudicação de obras e
serviços do Ministério Público.
"Estou
mais preocupado com o tráfico de influências (...) Precisamente porque ninguém
fiscaliza", afirmou, referindo-se ao facto de, em Macau, ser o procurador
da região que preside ao Conselho dos Magistrados do Ministério Público, tal
como sucede no caso do dos Magistrados Judiciais, que é liderado pelo
presidente do TUI.
Neto
Valente defendeu que o sistema deve ser alterado "para que possa funcionar
sem ser em regime de corporação fechada, em que se tapam todos uns aos
outros".
DM/FV
// MP