Macau,
China, 12 mar (Lusa) -- O escritor norte-americano Adam Johnson, vencedor do
Pulitzer em 2013 pelo livro "The Orphan Master's Son" ("Vida
Roubada" em português), continua "fascinado e obcecado" pela
Coreia do Norte, que considera "um ponto extremo do que é ser
humano".
"Tornei-me
fascinado e obcecado com a Coreia do Norte porque é [a realidade] que leva mais
longe o campo da possibilidade. Psicologicamente, em relação ao que é controlar
a ambição humana, identidade, personalidade, aspiração, não há nada igual no
mundo. Quando, na nossa imaginação, vamos a este ponto tão extremo do que é ser
humano, é um lugar muito interessante desde onde olhar para nós próprios",
disse o escritor, em entrevista à Lusa em Macau, onde participa na 5.ª edição
do Festival Literário Rota das Letras.
Depois
de anos de investigação e uma viagem à Coreia do Norte, Johnson optou por um
género pouco comum entre as narrativas sobre o país: um romance ("Vida
roubada", publicado em Portugal pela editora Saída de Emergência).
Ficcionar
sobre um país onde se conhecem mais dos mitos do que da realidade, não foi
difícil: "É muito fácil encontrar pormenores, apesar de não os conseguimos
necessariamente confirmar. Mas sou um autor de ficção, rumor, mitos, lendas,
são coisas que posso usar", afirmou.
Muitos
detalhes vieram de histórias reais, como a de um soldado norte-americano que,
embriagado, atravessou a DMZ (a zona desmilitarizada entre as duas coreias) e
foi apanhado por norte-coreanos que lhe cortaram as tatuagens.
"Tenho
histórias para quase todos os detalhes, dos barcos pesqueiros aos túneis.
Entrevistei o 'chef' de Kim Jong-il seis vezes sobre como era o Querido Líder.
Mas o difícil é a verdade psicológica, como é crescer num local onde não
podemos determinar a nossa identidade, viver num local onde não temos
opções?", questiona.
Quando,
em 2004, se começou a interessar pela Coreia Norte, "as histórias humanas
eram difíceis de encontrar".
Depois
de ler sobre a história, política e economia da Coreia do Norte, Johnson
virou-se para os depoimentos de desertores que encontrou na Internet, através
de organizações não-governamentais (ONG) chinesas ou do centro Hanawon, onde os
norte-coreanos vivem quando chegam à Coreia do Sul.
"Li
imensas histórias dessas, transportava-as comigo como uma pedra pesada, estava
obcecado. Deixei de ser então um leitor e passei a ser um escritor",
conta.
Conseguiu
finalmente viajar até à Coreia do Norte em 2007.
"Conheci
uma pessoa que tinha boas relações com o Norte e ele levou-me pessoalmente,
arriscando todos os seus contactos. Tinha duas ONG no Norte, geria um orfanato.
Apresentou-me ao embaixador norte-coreano na ONU", recorda.
Ainda
que todas as visitas à Coreia do Norte sejam muito controladas -- os locais não
podem, por exemplo falar, com estrangeiros -- Johnson teve margem para
surpresas.
"As
únicas pessoas que falam contigo são os teus guias. A minha guia principal era
maravilhosa, muito inteligente, simpática. Admitiu que tinha tirado um curso
para ser guia de americanos, tinha dedicado a vida a 'gerir' pessoas como eu.
Tinha muito jeito, era desarmante, calorosa, engraçada. Mas claro, tudo isso
fazia parte do seu trabalho", recorda.
Apesar
do inglês perfeito, a informação que a guia tinha sobre o mundo exterior vinha
apenas de factos. "Quanto do que sabemos sobre Londres vem de viagens,
música, cinema, comida, literatura? Eram tudo coisas a que ela não tinha
acesso", explica.
Um
dia, Johnson testou-a: "Disse-lhe 'Vou fazer outra viagem a seguir a esta.
Achas que deva ir a Paris ou a Mogadíscio?'. Qualquer pessoa perguntaria 'Sabes
usar uma metralhadora ou gostas de queijo?'. Ela não fazia essas associações.
Sabia que eram ambas capitais mundiais. Olhou para mim e respondeu apenas
'Depende dos seus planos de viagem'".
Os
norte-coreanos "são muito bons a promover uma ideia deles próprios"
mas "estão tão isolados que não sabem o que lhes fica mal".
Durante
a sua viagem, por exemplo, era época das colheitas e "estavam a mover
camiões cheios de pessoas que eram recolhidas nas ruas de Pyongyang para serem
levadas para o campo".
"Um
autocarro passava e diziam 'Toda a gente fora, para os camiões, apanhar arroz é
a nossa prioridade número um'. Para ela isso era totalmente natural. Acho que
assumiu que isso acontecia em todo o lado", recorda.
ISG
// MP