Global Voices – 25 março 2015
Nas
últimas semanas, Timor-Leste tem vivido um clima de alguma apreensão social
depois de a Polícia Nacional (PNTL) ter iniciado operações de busca e captura
de membros de dois grupos liderados por ex-veteranos acusados de criar
instabilidade política e de porem em causa as instituições do Estado.
O
Estado timorense aprovou unanimemente, no passado dia 3 de Março, umaresolução que
visa pôr fim às actividades destes grupos – o Konsello Revolusionariu Maubere
(KRM) e o Conselho Popular Democrático da República Democrática de Timor-Leste
(CPD-RDTL) - e incumbiu a PNTL de fazer cumprir a resolução.
Mauk
Moruk (nome de guerra de Paulino Gama), ex-guerrilheiro e primeiro comandante
da brigadas vermelhas das FALINTIL (movimento armado da resistência à ocupação
indonésia), é o líder do recém-criado KRM que regressou a Timor-Leste em
Outubro de 2013 depois de um longo período a viver na Holanda. Em declarações
aos meios de comunicaçãoafirmou que
voltou a Timor-Leste com o objectivo de fazer uma revolução para retirar a
população da pobreza, pedindo a demissão do governo e a dissolução do
parlamento e o restabelecimento da Constituição aprovada em 1975 (primeira
declaração, unilateral, da independência).
No
dia 14 de Março, os líderes do KRM Mauk Moruk e Labarik Maia, acompanhados por
L7 (nome de guerra de Cornélio Gama, irmão de Mauk Moruk), negociaram a sua
entrega à Polícia durante várias horas no quartel geral do movimento em Fatuhada. No fim das
negociações, L7 declarou aos media que
iria cooperar com o Estado para garantir a paz e o bem-estar da população,
deixando o aviso que se ele pretendesse “Díli inteiro estaria a arder”.
Os
dois primeiros foram presos
preventivamente [tet], enquanto que L7 está sujeito a termo de
identidade e residência. Por outro lado, António Ai-Tahan Matak, ex-veterano e
líder da CPD-RDTL, entregou-se voluntariamente às autoridades, tendo o tribunal
decretado igualmente termo de identidade e residência.
Dias
antes, a operação policial em Lalulai, uma povoação no distrito de Baucau onde
membros do KRM estavam a viver, resultou num tiroteio entre a polícia e os
revolucionários e num polícia ferido por um cocktail molotov. A divulgação de
umvideo publicado
pelo jornal Tempo Semanal, que mostra cenas da actuação policial nesta
povoação, provocou [tet]
a consternação de parte do público timorense. O vídeo mostra cenas de casas
incendiadas pela polícia, bem como de um polícia a disparar para o interior da
casa de onde se vê sair, segundos depois, uma mulher com o filho ao colo.
A
sucessão de acontecimentos que levou à operação policial começou em Novembro de
2013, quando membros do KRM foram vistos [en]
a marchar com fardas e insígnias militares num campo de futebol em Laga, no
distrito de Baucau,suscitando [tet]
uma onda de preocupação entre a população e a classe política. Mauk Moruk
desafiou então Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro e ministro da defesa e
segurança timorense, para um debate sobre a história da luta armada na qual os
dois foram protagonistas de divergências sobre o comando da luta. O debate
decorreu no dia 11 de Novembro de 2013 no Centro de Convenções de Dili, ao qual
Mauk Moruk não compareceu. Xanana e outros antigos membros da resistência
timorense discutiram [tet]
os eventos e divisões durante a guerrilha nos anos 80, que a população pode
assistir em directo na
televisão pública (RTTL).
O
CPD-RDTL, por outro lado, é uma organização constituída em 1999 por uma facção
dissidente da FRETILIN. Ao longo dos anos esta organização tem sido acusada [en]
de utilizar fardas militares e da ocupação ilegal de terras para cultivação
comunal contra a vontade das populações locais. Ambas as organizações estão
ligadas ao grupo Sagrada Família, um grupo de resistência clandestina de
carácter animista criado nos anos 90 por L7. Cornélio Gama ou L7, conhecido
ex-guerrilheiro, beneficia de uma base de apoio popular considerável, tendo
sido eleito para deputado no mandato parlamentar anterior pelo seu partido
UNDERTIM. Apesar de Mauk Moruk não ser uma figura popular no país, alguns analistas [en]
vêem nesta relação familiar um factor potencial de angariação de uma base de
apoio mais forte.
O
historiador Matheos Messakh explica a origem do conflito entre Xanana Gusmão e
Mauk Moruk num artigo no blog de Satutimor [id].
Em 1985, Mauk Moruk desceu das montanhas e rendeu-se [pdf]
às forças indonésias depois de ter sido expulso [en]
por Xanana Gusmão das FALINTIL por liderar um grupo que se opunha à liderança
de Gusmão. Na sua análise considera ainda que as acções do KRM são uma
tentativa de capitalizar o crescente descontentamento da população com a falta
de desenvolvimento económico, especialmente entre os jovens:
“É
muito provável que a estratégia de Mauk Moruk seja cativar os jovens que se
sentem cada vez mais marginalizados e que poderão ser facilmente explorados.
Moruk está a tentar preencher o vazio deixado pela proibição dos grupos de
artes marciais, que foram criados no tempo da resistência clandestina e que
estiveram envolvidos na violência em 2006.”
No
entanto, os timorenses têm expressado [en]
nas redes sociais uma falta de simpatia pelo carácter ilegal das acções do KRM
e do CPD-RDTL, defendendo a via da democracia e o respeito pela Lei e
instituições do Estado. Apesar disso, estes acontecimentos têm servido de
pretexto para criticar o governo e a classe política em Díli pela corrupção
existente e pelo desequilíbrio crescente entre as elites e o resto da
população. Um membro do grupo “Emerging Leadership
in Democracy” (Liderança Emergente em Democracia) do Facebook, Gani
Uruwatu, questionou publicamente no dia 19 de Março:
“Vamos
requerer ao parlamento que passe uma resolução também contra os corruptores!
Fazem resoluções prontamente por causa de fardas [ao estilo militar] mas para
aqueles que roubam milhões e milhões não existe uma resolução?”
A
propósito deste mal-estar social, a conhecida antropóloga Elizabeth Traube fala
de“unpaid wages” (contas
por pagar, em inglês) no seu trabalho etnográfico sobre Timor-Leste para se
referir às exigências da população civil e dos ex-veteranos do grupo étnico
Mambai em relação ao Estado timorense. De acordo com Traube, nesta região do
país, o povo relembra os seus líderes que a “nação foi comprada com o seu
sangue” e por esse motivo existe a expectativa que o novo Estado timorense
recompense o seu sacrifício.
O
regresso de Mauk Moruk ao país passados quase 30 anos da sua rendição aos
indonésios está, de acordo com algumas opiniões [en], relacionado
com a tentativa de reconhecimento do seu papel histórico na resistência
timorense e com a expectativa de que se traduza numa posição de poder no
contexto político actual.
Os
acontecimentos recentes demonstram ainda que as alianças constituídas no
período da resistência continuam a pôr à prova a legitimidade do Estado moderno
constituído a partir de 2002 e que a história que envolve os actores da geração
da resistência continua a dominar o jogo político contemporâneo em Timor-Leste.
Foto
- Mauk Moruk e L7 escoltados pela PNTL depois de julgamento em Díli, a 14 de
Março de 2014. Foto de António Dasiparu partilhada no website sapo.tl com
licença de reutilização
Marisa Gonçalves – Global Voices