Fernando
Eloy – Hoje Macau, opinião
Alguém
nalguma altura, quiçá farto da falta de notícias na época balnear resolveu
criar a expressão “Silly Season” para aplicar à quadra veraneante, mas eu
interrogo-me se não seria melhor aplicada na época que atravessamos. Senão
vejamos, que dizer de uma quadra onde as pessoas enfiam barretes da Coca-Cola
cabeça abaixo, onde outras emplastram almofadas na barriga e aplicam longas
barbas brancas repetindo até à exaustão uma gargalhada gutural inventada pela
bebida xarope nos anos 50 num mimetismo quase incompreensível, que dizer d e
uma época onde as pessoas se atafulham em centros comerciais a comprar tudo e
um par de botas só porque faz parte, onde se vêem decorações nevadas em países
tropicais, porque o tal do velho gordo vem do frio quando, afinal, quem supostamente
trouxe as prendas foram uns reis, deserto afora, para um menino nascido na
Galileia, terra famosa pelas suas montanhas nevadas e estâncias de esqui,
naturalmente. Quadra onde nos atafulhamos de comida até mais para celebrar ou a
vinda do velhote ou o nascimento do menino, (ainda não percebi bem) porque
depois vem a outra data onde se fazem as promessas que nos vão livrar dos males
e dos quilos acumulados… É a quadra da família, dirão, porque no resto do ano a
família que se lixe; a avó pode continuar a apodrecer no lar e os ranhosos dos
sobrinhos que se mantenham à distância pois só servem para dar dores de cabeça.
É o tempo da dádiva, sim, porque o resto do ano é passado a acumular para a
dádiva. É o tempo de atafulhar as crianças com mais uns jogos de vídeo para não
nos moerem a paciência nos próximos 364 dias, é tempo de ser bom porque no
resto do ano não é possível pois o mundo é uma selva, habitada por nós, claro,
esses animais. De facto.
A
propósito de dádivas, segundo dados da Gallup e da Estatista, nesta época de
“fazer bem aos outros”, gastaram-se em média 815 dólares por pessoa nos Estados
Unidos, 430 euros no Reino Unido, 250 na França e, espante-se, 300 euros por
pessoa em Portugal, o país da crise. Se fizermos as contas, só com estes quatro
países, temos um montante global de 312 biliões de dólares, ou seja, o total do
ouro em reserva no Banco de Inglaterra, o valor estimado de toda a cidade do
Vaticano ou, pasme-se, um pouco mais do PIB de Singapura (307 biliões) ou de
Hong Kong (290), três vezes o PIB de Marrocos (110), vinte vezes o PIB de
Moçambique (15), seis vezes o de Macau (55) e cerca de metade do PIB da Árabia
Saudita (746)!… Que poderia ser do mundo se apenas 10% desse valor fosse
aplicado em desenvolvimento e apoio aos necessitados? Mas nada disto interessa
porque estamos numa época da boa vontade.
Mas há mais cenas patetas nesta quadra como a chegada a Lisboa dos treinadores
da escolas Luís Figo na China*. Um espectáculo absolutamente degradante.
Queixas, muitas: a comida, a língua, a cultura, até as crianças que ensinam por
não serem tão desenvolvidas como as portuguesas e o futebol, claro está, a anos
luz. A arrogância típica do labrego lusitano que nada positivo vê nos outros
ficando no ar que voltar para cá será um sacrifício superior as dos marinheiros
do Gama que nem sabiam para onde iam. Mas como, ao contrário daqueles, serão
regiamente pagos pelos cofres chineses, lá voltarão, de trombas mas com
espírito de “missão”. Imagino a prenda de Natal que terá sido para a embaixada
chinesa ver as declarações deste energúmenos, imagino o que as crianças
chinesas por eles ensinadas pensariam se lhes traduzissem as peças. O espírito
do Natal no seu melhor onde as saudades pelo bacalhau são maiores que o
respeito porque quem os acolhe e de quem deles precisa para evoluir. Belos
embaixadores mandou o Luís para o Império do Meio, pedantes da bola sem nome
nem percurso. Ou então a culpa foi do repórter que só apanhou o pior, o que não
seria nada de anormal.
Mas agora vem aí o Ano Novo onde tudo promete ser melhor. Porque este ano que
agora enterramos vai ficar conhecido por aquele em que a desigualdade social
atingiu um valor recorde nos países mais desenvolvidos. Segundo a secretária-geral
da OCDE Angela Gurria, “A desigualdade nos países da organização é a mais alta
desde que se começaram a registar dados.” No relatório, publicado na semana
passada, é dito que a “A diferença entre ricos e pobres continua a aumentar. O
crescimento, se algum, tem vindo a beneficiar os grupos de maior rendimento ao
passo que o rendimento dos agregados de menor rendimento têm vindo a ser
deixados para trás. (…) As pessoas com menor rendimento têm sido impedidas de
realizar o seu potencial de capital humano, o que é mau para a economia no seu
geral.”
Ah, e por cá o Chefe do Executivo trouxe de Pequim no sapatinho ordens para
diversificar a economia. Pela centésima, quadragésima vez. Vai fazer um plano,
disse.
Se uma “season” destas não é “silly”, não sei o que é “silly”.