Da
crise grega à proibição do fumo em Macau, um denominador comum: o dinheiro.
O vil papel, que de ouro já nada tem e muito menos de metal, nem de papel, pois é mais números, serve de justificação para tudo, até para nos proibir de fumar.
Na Grécia depois de negociações mais difíceis que um divórcio litigioso daqueles bravos e depois de um referendo que serviu apenas para vender notícias, foi tudo reduzido ao que já se esperava à partida: ao poder do dinheiro, ou dos detentores dele, que assim ignoraram olimpicamente referendos ainda que atenienses e passaram por cima de toda a folha, que nem carro de assalto. Como dizia um deputado do Parlamento Europeu há uns dias, “vivemos os tempos do totalitarismo do capital”. Nem mais. Já nem sequer é capitalismo. Está muito para além disso. A culpa é de quem? De seres sombrios invisíveis acantonados em vilas remotas? Dos extraterrestres? De poderes ocultos emanados por sociedades ainda mais dissimuladas? Não, o problema é nosso. Da grande maioria de todos nós. Podemos barafustar contra a alienação motivada pelo lucro, contra os potentados económicos que nos disciplinam em favor dos seus desejos de controle global, contra os governos, esses corruptos danados que só estorvam, contra os carros e as indústrias que arruínam o nosso planeta… Podemos até protestar contra os que já morreram ou contra as dinastias passadas que nos deixaram nesta situação lastimável, mas esquecemo-nos de uma coisa fundamental: de olhar para o espelho. Nem os governos eram corruptos, nem as empresas perigosas máquinas imperialistas, nem os carros poluiriam tanto se nós, esses que protestam, não andássemos de carro por tudo e por nada, se nós não fossemos todos loucos por dinheiro, se nós não fossemos consumistas empedernidos e corruptos quando a ocasião propicia, se nós não poluíssemos os rios e as praias e as florestas que frequentamos com a famelga, se nós não fossemos uns anormais que passamos a vida a colocar a culpa “neles”. Eles! Esses sim, os verdadeiros bandidos que nos atormentam. Caso contrário, a nossa vida poderia ser um maná.
É por isso que os Serviços de Saúde, ou SS, pela facilidade e pela sigla muito a propósito, podem ter a lata para dizer que “fumar não é uma necessidade de vida”. Eles podem dizer este tipo de coisas porque vêm escudados no dinheiro. No caso vertente na “astronómica” quantia de 6 milhões de patacas, já com as adendas e as migalhinhas possíveis e imaginárias adicionadas (mas não especificam quanto desse dinheiro vai para as Nicorets oferecidas pelos SS) e partindo do princípio que os SS sabem fazer contas, porque de saúde… Mas dando de barato que até sabem, que são mestres em contas públicas, gostava agora que continuassem na sala da contabilidade e aproveitassem para fazer as contas aos prejuízos causados PELO FUMO DOS CARROS! E, já que estão a com a mão na massa, aproveitem e telefonem às Obras Públicas e ao IACM e eles que vos enviem os números dos impactos da poluição dos veículos motorizados no património edificado e na fauna e flora locais. Deve dar um número giro. Bem melhor que os vossos miseráveis 6 milhões. Porque ao fumo do tabaco normalmente consigamos escapar, mas o dos carros é penetrante além de ser muito mais e mais nocivo, atinge todos sem excepção (não apenas os croupiers) pois nem em casa se está a salvo. Não interessa, isto não interessa?…
Pois…
A culpa é deles, eu sei.
Os SS apenas podem vir para a praça pública defender a sua dama sem fumo porque surgem com o discurso politicamente correcto do dinheiro. Ao ouvirmos o tilintar mágico dos cifrões amochamos prontamente, damos umas palmadas nas costas aos SS e ainda agradecemos efusivamente aos benditos por nos pouparem o nosso rico dinheirinho, na esperança de que, talvez assim, consigam aforrar para construírem o tal do novo hospital e comprem as máquinas em falta no único hospital existente apesar de, no fundo, todos sentirmos que será mais fácil encontrarmos um melão fresquinho no meio do Saará.
Este tipo de mentalidade dinheiro-motivada provoca uma insensibilidade brutal para as diferenças, obriga-nos como sociedade a tornar-nos maniqueístas (onde tudo é branco ou preto) nuns freaks que passam por cima de tudo e mais alguma coisa se o belo do dinheiro estiver em causa, em sociedades amorfas alinhadas por um mesmo diapasão seja ele qual for. Por isso surgem insensibilidades práticas como a proferida pelos tais dos SS de Macau quando afirmam, no auge da sua prelecção aos peixes, que “fumar não é uma necessidade vida”. Mas quem são estes SS para dizerem uma coisa destas? Estão assim tão apaixonados pela sigla ao ponto de se porem a fazer propaganda barata? Só quem nunca fumou pode dizer uma coisa dessas, ou então um ex-fumador, duas das espécies mais tenebrosas ao cimo do planeta: os abstinentes e os ex. Uns fundamentalistas porque nunca experimentaram e têm medo de o fazer pois podem gostar, os outros porque experimentaram tanto e exageraram mais ao ponto de terem medo de voltar pois não têm um pingo de confiança neles próprios – para simplificar, burros, fanáticos e esquizofrénicos. Pois, caros amigos dos SS: estão completamente enganados! Fumar é uma necessidade de vida para milhões de pessoas desde há milénios e até muito antes de se inventar a saúde! Caso contrário, comer fast food também não é uma necessidade de vida, beber chá ou um café muito menos e então ingerir álcool nem se fala! Ainda por cima martelado como ele é em Macau… e vendido ao pé de paragens de autocarros e tudo!… Ou estão também a pensar aumentar os impostos sobre este tipo de produtos? Ou proibir cadeias de fast food junto das escolas e hospitais para evitar a tentação? Ou aumentar os impostos ao café e ao chá de tal ordem nos obrigue a pensar várias vezes no assunto antes de enfiarmos a cafeína pela goela abaixo? E o açúcar?!… E as carnes que congelam e descongelam nos nossos supermercados?… Enfim, esta página tem o tamanho que tem.
Que sabem vocês da vida SS?
Ah.. e já que gostam tanto de citar a OMS não se esqueçam que Macau é o 3º território no mundo com a maior esperança de vida e desde há muitos anos. Sim, nos tempos em que se fumava e tudo. Mas vou até mais longe e pergunto-vos: que é a vida para vós? Qual o sentido? Picar o cartão de segunda à sexta e aturar a família ao fim de semana? Dormir cedo, acordar cedo e respirar o ar puro dos lótus em flor pelos boulevards de Macau? Levar uma vida direitinha e controladinha para morrermos todos direitinhos e controladinhos e, de preferência, de uma doença aceitável para os vossos serviços? Pois bem caros amigos, eu pouco sei da vida mas pelo que fui vendo, é muito mais que um cigarro como também é muito mais do que um café ou até do que uma volta ao mundo. A vida é muito mais do que conceitos estreitos de moralidade e de comportamento como pretendem fazer crer. A vida faz-se de grandes e pequenos prazeres, de amores e de desamores. Por isso, caros SS, afirmações dessas soam a paternalismo, a fundamentalismo e são em tudo contrárias daquilo que, de facto, a vida deve ser: uma celebração de infinitas possibilidades. Talvez devessem especializar-se na morte, pois parecem perceber mais desse assunto.
Mas pronto, porque estou eu a encarniçar-me contra vocês? Eu sei… a culpa não é vossa. É deles. Pois… eu sei. Desculpem.
FERNANDO ELOY -
Hoje Macau, opinião