Os
tribunais timorenses tratam indevidamente muitos casos de violência sexual, com
práticas que não protegem as vítimas e que ignoram ou interpretam mal a lei,
segundo um relatório.
A
análise é feita num relatório de análise a sentenças em casos de violência
sexual entre 2012 e 2015, do Programa de Monitorização do Sistema Judicial
(JSMP), uma organização timorense que cumpre este mês 15 anos.
Destes
casos, 36% (a maior fatia) corresponderam a abuso sexual de menores, 26,2% a
violações, 11,6% a coerção sexual e 9% a violação agravada.
O
relatório nota "progressos importantes em alguns aspetos da
condenação", com "maior esforço" do Ministério Público,
defensores públicos e juízes "para priorizar casos caracterizados como
violência sexual".
"No
entanto, o JSMP também observou que muitos casos de violência sexual ainda não
estão a ser tratados devidamente pelos tribunais, especialmente em relação à
acusação de réus, à condenação, que nem sempre é consistente e, muitas vezes,
não reflete a gravidade do crime", refere o estudo.
"O
nosso sistema legal também adotou práticas que não conseguem proteger
adequadamente os direitos das vítimas, incluindo o direito à confidencialidade
e segurança", sublinha.
O
JSMP recorda que a violência sexual é um problema "extremamente
crítico" para as mulheres e crianças em Timor-Leste, com muitos casos a
nem sequer serem comunicados às autoridades.
Um
estudo de 2015 da Asia Foundation, parceira do JSMP neste estudo, refere que
pelo menos 34% das mulheres timorenses entre os 15 e os 49 anos são alvo de
violência sexual, com 41% delas a serem vítimas de um parceiro íntimo.
"Apesar
destas estatísticas, casos envolvendo violência sexual representam apenas 09%
de todos os casos criminais nos tribunais. Os tribunais só estão por isso a
ouvir um pequeno número do total de crimes de violência sexual", refere o
estudo.
O
uso de sistemas informais de justiça, pressões familiares, medo de estigma
social ou desconhecimento do sistema judicial e a perceção de que a violência
em casa é uma questão privada são alguns dos motivos apontados para as poucas
denúncias.
"Quando
o sistema judicial falha em atuar com diligência, punindo os responsáveis e
garantindo justiça às vítimas, afasta ainda mais as tentativas das vítimas
procurarem recorrer ao sistema formal de justiça", considera o estudo.
"A
violência sexual contra mulheres e crianças tem seu próprio conjunto de
características especiais e complexas e é um problema extremamente crítico em
Timor-Leste. Portanto, é importante para todos, especialmente o sistema
judicial, priorizar esse problema para que as mulheres e crianças não continuem
a ser vítimas de violência sexual", refere Luís de Oliveira Sampaio,
diretor executivo do JSMP.
O
JSMP recomenda a aplicação de sentenças mais adequadas e proporcionais à
gravidade dos delitos, defendendo a criação de orientações que tragam mais
coerência às penas.
Mas
o estudo deteta problemas nas várias fases do processo - acusação, julgamento e
decisões -, notando, por exemplo, a aplicação inadequada da lei pelos
procuradores, o que resulta muitas vezes em penas leves ou na absolvição do
autor dos crimes.
No
caso de violação de menores, por exemplo, os procuradores acusam muitas vezes o
arguido de violação e não de abuso de crianças, e aplicam incorretamente
fatores agravantes. Noutras situações, "o arguido é acusado de tentativa
de violação quando a violação ocorreu mesmo".
Na
fase do julgamento, o JSMP detetou casos onde provas não relevantes são
consideradas e há uma análise desproporcional da prova face ao seu peso.
"Consideram,
por exemplo, que a falta de resistência física da vítima ou o facto de não ter
gritado é prova de consentimento. Os tribunais consideram também a falta de um
relatório médico como prova para absolvição ou penas mais leves", lê-se no
relatório.
Durante
o julgamento, as vítimas têm muitas vezes de ter contacto com o alegado autor
dos crimes, viajando para o tribunal no mesmo carro. Há também crianças
"que prestam testemunho na mesma sala", com o público, no caso de
tribunais móveis, a "poder ver e tirar fotos", o que causa
"humilhação e sérios riscos para as vítimas", segundo o documento.
Já
na fase da sentença, o tribunal ignora muitas vezes fatores agravantes ou
mitigantes, não justificando, por exemplo, penas suspensas. E reduz penas
"tendo em conta a profissão do autor, a sua posição social ou se é ou não
respeitado na comunidade", refere o relatório.
Desde
2012, nota ainda, só foi deliberado o pagamento de compensação em 17 casos,
devendo esta prática "ser ampliada".
ASP
// MP - Lusa