Os
mais recentes desenvolvimentos na Síria não são, creio eu, resultado de algum
plano deliberado pelos EUA para ajudar seus "terroristas moderados"
aliados em campo, mas sintoma de algo talvez pior: os EUA parecem ter perdido
completamente o controle sobre a situação na Síria e, possivelmente, também em
outros pontos.
Permitam recapitular o que acaba de acontecer:
Primeiro, depois de dias e dias de intensas negociações, o secretário Kerry dos
EUA e o ministro Lavrov de Relações Exteriores da Rússia finalmente chegaram a
um acordo sobre um cessar-fogo na Síria que teria potencial para pelo menos
"congelar" a situação em campo, até as eleições presidenciais nos EUA
e a troca de governo (esse é agora o evento mais importante no futuro próximo;
assim sendo, nenhum plano de nenhum tipo estende-se além daquela data [o golpe
no Brasil que derrubou a presidenta Dilma em golpe de 'mudança de regime'
típico e instalou na presidência um vampiro fantoche dos EUA É UM DOS
PLANOS QUE DEPENDE, PARA PROSSEGUIR, DO RESULTADO DAS ELEIÇÕES NOS EUA...
(NTs) GO TRUMP!].
Foi quando a Força Aérea dos EUA, com mais alguns 'parceiros', bombardeou uma
unidade do Exército Árabe Sírio, que não estava nem a caminho nem engajada em
operações intensas, que simplesmente cobria um setor chave do front. O ataque
norte-americano foi seguido por ofensiva massiva dos "terroristas
moderados" que acabou por ser contida, com dificuldade, por militares
sírios e as Forças Aeroespaciais Russas. Desnecessário dizer que, depois de tal
provocação, o cessar-fogo morreu.
Os russos manifestaram total desagrado e indignação contra o ataque e começaram
a dizer abertamente que os norte-americanos são "недоговороспособны".
A palavra significa literalmente "[gente, pessoa] incapaz para
acordos" ou sem as competências mínimas para firmar um acordo e, na
sequência, honrar o que assinou. É expressão polida, mas mesmo assim
extremamente forte, porque implica, mais do que fingimento deliberado, a
ausência da capacidade, dos meios morais necessários para respeitar a própria
assinatura. Por exemplo, os russos têm dito com frequência que o governo de
Kiev é "incapaz para acordos", o que faz sentido, considerando-se que
a Ucrânia ocupada pelos nazistas é, na essência, estado fracassado.
Mas dizer que uma superpotência nuclear mundial é "incapaz para
acordos" é diagnóstico extremo e terrível. Significa basicamente que os
norte-americanos enlouqueceram e perderam os meios morais mínimos necessários
para firmar acordos, qualquer tipo de acordo. Afinal, governo que descumpra o
que prometa ou tente burlar, mas o qual, pelo menos em teoria, conserve a capacidade
para respeitar a própria assinatura em acordos não seria descrito como
"incapaz para acordos". É expressão que só é usada para descrever
entidade que sequer tem condições mínimas indispensáveis para merecer a
confiança necessária para que alguém possa iniciar negociações, porque não
cumprirá o que for acordado. É diagnóstico absolutamente devastador.
Na sequência, vem a cena antiprofissional, patética, da embaixadora Samantha
Powers embaixadora dos EUA na ONU que simplesmente levantou-se e saiu de uma
reunião do Conselho de Segurança da ONU quando o representante russo estava
falando. Mais uma vez, os russos enfureceram-se, não pela tentativa
infantiloide de ofender, mas pela absoluta falta de profissionalismo que Powers
manifestou, como diplomata. Do ponto de vista dos russos, se uma superpotência
levanta-se e sai da sala quando outra superpotência está falando sobre assunto
crucialmente importante é, para começar, atitude irresponsável; mais uma vez,
sinal de falta das competências mínimas indispensáveis para ser parte de
qualquer negociação ou acordo.
Por fim, a coroação: o ataque ao comboio de ajuda humanitária na Síria, que os
EUA, claro, atribuíram à Rússia. Mais uma vez, os russos mal acreditaram nos
próprios olhos. Primeiro, porque foi flagrante (e sinceramente, de nível de
jardim de infância) tentativa para 'mostrar' que "os russos também
erram" e que "os russos mataram o cessar-fogo". Segundo,
apareceu aquela declaração cômica, dos norte-americanos, de que só duas forças
aéreas poderiam ser autoras do ataque - ou os russos ou os sírios (como os
norte-americanos supuseram que enganariam alguém, naquele espaço aéreo super
controlado pelos radares russos, é questão que ultrapassa a minha capacidade de
análise!). Sabe-se lá como, os norte-americanos "esqueceram" de
mencionar a que força aérea dos EUA também está ativa na região, além de forças
aéreas de vários aliados dos EUA. Mais importante: esqueceram de mencionar que,
naquela noite,drones Predator norte-americanos armados voavam
diretamente sobre aquele comboio.
O que aconteceu na Síria é dolorosamente óbvio: o Pentágono sabotou o acordo
firmado entre Kerry e Lavrov; e quando o Pentágono foi acusado de ser
responsável pelo ataque, rapidamente montaram (mal montado) um ataque sob falsa
bandeira, e tentaram culpar os russos.
Tudo isso mostra que o governo Obama está em estado terminal de confusa agonia.
A Casa Branca aparentemente está em tal estado de pânico ante a provável
vitória de Trump em novembro, que perdeu, basicamente, o controle de toda sua
política exterior em geral, e especialmente, na Síria. Os russos estão literalmente
cobertos de razão: o governo Obama é realmente "incapaz para
acordos".
Claro: o fato de os norte-americanos estarem agindo como crianças malcriadas
frustradas não implica que a Rússia tenha de se rebaixar. Já vimos Lavrov
voltar sempre e sempre tentar negociar com Kerry. Não porque os russos sejam
ingênuos, mas precisamente porque, diferente dos colegas
norte-americanos, os diplomatas russos são profissionais que sabem que
negociação e linhas de comunicação mantidas abertas sempre são, e por definição,
preferíveis a dar as costas e sair da sala, sobretudo quando se negociar com
uma superpotência. Os observadores que criticam a Rússia por ser
"fraca" ou "ingênua" só fazem projetar sobre a Rússia o seu
próprio modo de ser e agir, quase todo modelado pelos norte-americanos. E nem
percebem que russos não são norte-americanos: pensam de modo diferente e agem
de modo diferente.
Para começar, os russos não se incomodam com ser vistos como "fracos"
ou "ingênuos". De fato, preferem ser vistos desse modo, se essa
percepção faz avançar seus objetivos e confundem o oponente sobre suas reais
intenções e capacidades. Os russos sabem que não construíram o maior país do
planeta por serem "fracos" ou "ingênuos" e não têm
interesse em 'lições' que lhe venham de países mais jovens que muitos dos
prédios russos.
O paradigma ocidental quase sempre é o seguinte: crise sempre leva a rompimento
de negociações; em seguida vem o conflito. O paradigma russo é completamente
diferente: crise leva a mais negociações que são mantidas até o último segundo,
tentando impedir que irrompa o conflito.
Há duas razões para isso: primeiro, insistir em negociar até o último segundo
possibilita procurar o mais possível por uma via pela qual sair do confronto;
e, segundo, negociações nas quais se insista até o último momento possibilitam
que o negociador aproxime-se o mais possível de pôr a seu favor a surpresa
estratégica, no caso de ter de atacar. Assim, exatamente, a Rússia agiu na
Crimeia e na Síria - sem absolutamente nenhum sinal ou, ainda menos, sem
exibições propagandeadas de poder como meio para intimidar alguém (intimidação
também é estratégia política ocidental, que os russos nunca usam).
Assim sendo, Lavrov continuará a negociar, não importa o quão ridículas ou
inúteis pareçam essas negociações. O próprio Lavrov provavelmente jamais
pronunciará publicamente a palavra "недоговороспособны", mas a
mensagem ao povo russo e aos aliados sírios, iranianos e chineses da Rússia
sempre será clara: os russos, hoje, já perderam qualquer esperança de obter
negociações proveitosas ou confiáveis com o atual governo dos EUA.
Obama & Co. estão assoberbados de trabalho, tentando esconder as reais
condições de saúde e os problemas de caráter de Hillary e, no momento,
provavelmente só conseguem pensar numa coisa: como sobreviver ao debate
Hillary-Trump [2ª-feira, 26/9, na Hofstra University em Hempstead, N.Y.]. O Pentágono
e o Departamento de Estado estão ocupados, sobretudo, em combater um contra o
outro por causa da Síria, Turquia, curdos e Rússia. A CIA parece
estar em guerra contra ela mesma, mas não se pode afirmar com certeza.
O mais provável é que algum tipo de acordo continuará a ser anunciado, por
Kerry e Lavrov, se não hoje, então amanhã ou depois. Mas, francamente, concordo
integralmente com os russos: norte-americanos são realmente "incapazes
para acordos", e nesse momento, os dois conflitos, na Síria e o da
Ucrânia, estão congelados. Não digo "congelados", isso sim, no
sentido de "situação em que não há grandes desdobramentos possíveis".
Ainda haverá combates, especialmente agora que os aliados wahhabistas e
nazistas dos EUA sentem que o chefe não está muito atento no comando, ocupado
com eleições e conflagração racial quase generalizada nos EUA, mas dado que não
há solução militar possível para nenhuma dessas guerras, os confrontos e ofensivas
táticos não levarão a resultado estratégico.
Com exceção de algum ataque sob falsa bandeira dentro dos EUA, como o
assassinato ou de Hillary ou de Trump por um "pistoleiro solitário",
as guerras na Ucrânia e Síria prosseguirão sem possibilidade de qualquer tipo
de negociação significativa. E com Trump ou Hillary na Casa Branca, um grande
"reset" acontecerá no início de 2017. Trump provavelmente
quererá encontrar Putin para uma grande sessão de negociações que envolva todos
os temas chaves entre EUA e Rússia. Se Hillary e seus neoconservadores chegarem
à Casa Branca, nesse caso será quase impossível impedir algum tipo de guerra
entre Rússia e EUA.
The Saker
PS: Alguns especialistas militares russos estão dizendo que o tipo de dano que
se vê nas fotos e vídeos do ataque ao comboio humanitário não é consistente com
ataque aéreo, sequer com ataque por artilharia; o que se vê parece ser
resultado da explosão de vários IEDs [Dispositivos Explosivos
Improvisados]. Se isso se confirmar, também não implica a Rússia, mas aponta
para forças de "terroristas moderados" que controlam aquela locação.
Ainda assim poderia ser ataque sob falsa bandeira ordenado pelos EUA ou, se não
for isso, será prova de que os EUA perderam o controle sobre seus aliados
wahhabistas em campo.*
The Saker, The
Vineyard of the Saker – em Pravda.ru