O líder histórico da Resistência
timorense, Kay Rala Xanana Gusmão, principal negociador das fronteiras
marítimas, segundo uma carta divulgada pela ABC Radio Australia, terá
acusado o governo australiano de eventual conluio com os parceiros do gasoduto
de Darwin e com as empresas interessadas no Greater Sunrise, alegadamente
com o apoio da Comissão de Conciliação da ONU.
O problema em causa relaciona-se
com uma suposta oferta pela Austrália de um gasoduto na ordem dos 100 milhões
de dólares caso Timor-Leste aceitasse que o gasoduto fosse para Darwin e não
para a Costa Sul de Timor-Leste como é desejo dos timorenses.
Há várias empresas envolvidas
neste imbróglio onde se incluem a ConocoPhillips, a Osaka Gas, a Royal Dutch
Shell e a Woodside, que lidera o grupo, e que têm a concessão do Greater
Sunrise. Segundo a notícia divulgada pela Rádio ABC australiana, também poderá
haver um certo conluio da Comissão da ONU, na medida em que não terá sido
imparcial e terá ultrapassado o seu mandato ao apresentar “recomendações
formais sobre o desenvolvimento do Greater Sunrise”.
A divulgação desta carta pela
rádio ABC da Austrália surgiu antes do anúncio da assinatura do acordo entre a
Austrália e Timor-Leste sobre a delimitação das fronteiras marítimas, rubricado
pelo adjunto do primeiro-ministro timorense, Agio Pereira, e pela ministra dos
negócios estrangeiros australiana, Julie Bishop, com o testemunho de António
Guterres, Secretário-Geral da ONU e de Peter Jensen, Presidente da Comissão de
Conciliação da ONU.
Após a assinatura do acordo, no
dia 6 de Março de 2018, que não contou com a presença de Xanana Gusmão, a
ministra australiana considerou ser um acto histórico muito importante “ao lado
do nosso bom amigo e vizinho Timor-Leste”, tendo também a embaixadora dos EUA
em Timor-Leste manifestado a sua satisfação, contudo, o documento ainda terá
que ser ratificado pelos parlamentos de Timor-Leste e da Austrália, e outros
obstáculos se seguirão com as negociações sobre o gasoduto do Greater
Sunrise.
Soberania de Timor-Leste é
inegociável e as riquezas pertencem ao seu povo
O Estado de Timor-Leste tem como
objectivos fundamentais, diz o artigo 6º da sua Constituição, «defender e
garantir a soberania do país», «garantir o desenvolvimento da economia e o
progresso da ciência e da técnica», «proteger o meio ambiente e preservar os
recursos naturais».
Com grande determinação e
firmeza, e com o apoio do martirizado povo timorense, conquistou-se a liberdade
e independência nacional. Alcançada a liberdade e independência nacional, com a
formação da Assembleia Constituinte, e com as eleições que se lhe sucederam,
criaram-se as condições para o início do normal funcionamento de um País,
contexto favorável à produção de políticas conducentes ao desenvolvimento
social, cultural e económico do território, um desiderato a alcançar com o
capital humano existente, com a ajuda internacional (seleccionada) e com os
recursos naturais de Timor-Leste.
A questão dos recursos naturais
de Timor-Leste, onde se inclui o petróleo e o gás, remete para o problema ainda
não (totalmente) resolvido das fronteiras marítimas e da exploração das nossas
riquezas, um imperativo nacional!
Os estudos já efectuados por
vários cientistas e políticos internacionais sobre a questão da exploração do
petróleo de Timor-Leste e do envolvimento das multinacionais ajudam a explicar
e a fundamentar as razões do direito à indignação e à reivindicação.
Harterich (2013), através de um
ensaio muito interessante, esclareceu sobre o petróleo, as fronteiras e a
disputa timorense pelo mar de Timor-Leste. Através deste estudo facilmente se
compreende que as empresas multinacionais que trabalham na exploração dos
recursos do mar de Timor começaram a ver os riscos causados pela independência
de Timor-Leste, pois, uma das consequências seria Timor-Leste apresentar queixa
a um tribunal internacional (Triggs, 2000) e fazer exigências nos termos da
UNCLOS (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), como veio a
acontecer.
O futuro e o desenvolvimento de
Timor-Leste dependem em grande parte dos recursos petrolíferos, portanto, há
aspectos fundamentais que têm que ser resolvidos na sua totalidade sem colocar
em causa a soberania de Timor-Leste.
Segundo Harterich (2013), a
delimitação da fronteira entre a Austrália e Timor-Leste no mar de Timor cria
um âmbito mais claro e estável para a exploração do nosso petróleo. Anderson
(2003), outro estudioso destas matérias, citado por esta investigadora,
argumentou que o Timor Sea Treaty é vantajoso apenas para a Austrália
e não considera os interesses de Timor-Leste.
Estes e outros estudos mostram
que os governos australianos saíram vencedores nas negociações com prejuízos
para Timor-Leste, pelo que, se o governo da Austrália desejar realizar
negociações sobre os campos petrolíferos, e estas sejam sérias, será um factor
positivo porque obviamente, o Tratado do Mar de Timor e o Tratado
sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (Treaty on Certain
Maritime Arrangements in the Timor Sea – CMATS) não consagram soberania a
Timor-Leste.
A Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar foi ratificada por quase todos os países do
mundo. Incluem as convenções sobre a Plataforma Continental (porção
dos fundos marítimos), sobre o Alto Mar (zonas marítimas que não se
encontram sob jurisdição de nenhum Estado), sobre o Mar Territorial (zona
marítima contígua ao Estado costeiro e sobre o qual se estrutura a soberania),
entre outras.
Timor-Leste, membro das Nações
Unidas, tem direitos e deveres nos seus espaços marítimos, nomeadamente, em
relação ao aproveitamento dos seus recursos, mas também para garantir a soberania
e jurisdição. O exercício do poder do Estado timorense em relação ao espaço
marítimo que lhe pertence é fundamental para aproveitarmos de forma sustentável
os recursos vivos e inertes existentes.
Para todos os timorenses
(verdadeiramente) nacionalistas a soberania de Timor-Leste é inegociável e
inquestionável, pelo que, as riquezas de Timor-Leste devem pertencer em
exclusivo ao povo timorense.
Riqueza dos campos petrolíferos
de Bayu Undan e Greater Sunrise
Nos termos do Acordo do
Timor Gap (Timor Gap Treaty), os campos petrolíferos mais cobiçados eram e
continuam a ser o Bayu Undan e o Greater Sunrise. O
primeiro está situado na denominada Zona de Cooperação mas muito
perto da Área B atribuída à Austrália. O segundo campo petrolífero, o Sunrise,
2,5 vezes maior que o Bayu, está um pouco afastado da Zona de
Cooperação e situa-se mais próximo da Área C, atribuída à Indonésia.
Estes campos petrolíferos são
muito cobiçados pela enorme riqueza em gás natural e petróleo. Segundo alguns
especialistas, o campo do Greater Sunrise pode ter reservas em gás na
ordem dos 5 (cinco) triliões de pés cúbicos (um pé cúbico equivale
aproximadamente 0,02831685 metros cúbicos ou a 28,3169 litros), havendo por
isso muitas empresas internacionais interessadas na exploração de petróleo e
gás neste campo pois poderia render a Timor-Leste mais de $4.000 milhões de
dólares. Mesmo que as estimativas não estejam completamente certas e actualizadas
sobre as riquezas de Bayu Undan e do Greater Sunrise, segundo
vários especialistas, os valores são sempre muito elevados.
Segundo o estudo de Serra (2006)
intitulado, Timor-Leste: o petróleo e o futuro, de acordo com estimativas
recentes, em Bayu Undan, poderá haver cerca de 175 milhões de barris de
LPG (Liquified Petroleum Gas), 229 milhões de barris de crude e 66 milhões de
toneladas de LNG (Liquified Natural Gas), no total equivalente a 1,05 mil
milhões de barris de petróleo.
De forma análoga, de acordo com a
mesma pesquisa, no Greater Sunrise, haverá 300 milhões de barris
(condensado) e 177 milhões de toneladas de LNG, num total equivalente a cerca
de 2.05 mil milhões de barris de petróleo.
Se os valores actuais são estes
ou não, mais ou menos elevados, para o caso o que importa aqui colocar em
relevo é que o total das riquezas dos campos petrolíferos em Baydu Undan e Greater
Sunrise pertencem a Timor-Leste, portanto, por uma questão de soberania,
não podemos deixar de fazer as nossas exigências independentemente da vontade
da Austrália.
Mapa guião para a Austrália e
Indonésia explorarem o petróleo de Timor-Leste
Através do Mapa adaptado de
Mercer (2004) e Hãrterich (2013), é possível observar a marcação de três Áreas
(A, B e C), criadas a partir do Tratado do Timor Gap, e que serviram de
guião para que a Austrália e a Indonésia explorassem o petróleo do mar de Timor
com alguma harmonia entre eles. Para este efeito, o Tratado do Timor
Gap incluía a criação de duas instituições, o Conselho Ministerial e
a Autoridade Comum. Segundo Kaye (1994) & Hãrterich (2013), o Conselho
Ministerial englobava ministros dos dois Países que tinham como principal
missão administrar os assuntos ligados à exploração dos recursos petrolíferos
na Zona de Cooperação situada entre a Área B afecta à Austrália e a Área C
atribuída à Indonésia, e a Autoridade Comum estava indicada para as
decisões técnicas de rotina.
De acordo com a pesquisa
realizada por dois autores (Kaye, 1994 & Hãrterich, 2013), a Área B (parte
Sul) estava sob administração da Austrália, e por isso tinha direito a 84% dos
rendimentos da exploração dos recursos petrolíferos e a Indonésia recebia 16%.
A Área C (parte Norte) pertencia à Indonésia e por esta razão tinha direito à
maior fatia, segundo Ishizuka (2004) e Hãrterich (2013), com 90% e a Austrália
com os restantes 10%. A Área A, onde estava a chamada Zona de Cooperação supervisionada
pelo Conselho formado por Ministros da Austrália e da Indonésia, seria
explorada em comum e o rendimento distribuído pelos dois Países.
*Secretário-Geral do Partido Socialista
de Timor-Leste e PhD em Educação.