CARTA
ABERTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DA AUSTRÁLIA SENHOR MALCOLM BLIGH TURNBULL
C/CONHECIMENTO
S.
E. SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, SENHOR BAN KI-MOON
TODOS OS DIGNOS ESTADOS MEMBROS DAS NAÇÕES
UNIDAS
TODA
A DIGNA COMUNIDADE INTERNACIONAL DE BOA VONTADE
Díli,
Timor-Leste, 22 de Março de 2016
Assunto:
Resolução da Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas entre TimorLeste e
a Austrália à luz do Direito Internacional e da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar
Respeitosos
cumprimentos.
A
Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN) do qual é Presidente
Honorário S. E. Kay Rala Xanana Gusmão, Negociador Principal do Estado
timorense nas negociações com o Estado australiano, para a resolução definitiva
da delimitação das fronteiras marítimas entre os dois países, vem por este meio
expor e solicitar a Vossa Excelência o seguinte:
I.
Na década de 40, durante a II Guerra Mundial, os aliados ocidentais, ao
declararem guerra ao Japão, começaram a utilizar a ilha de Timor para deter o
avanço japonês em direcção à Austrália. O exército japonês invadiu Timor a 20
de Fevereiro de 1942, atacando a força aliada estacionada na ilha (referimo-nos
a Timor Ocidental e TimorLeste), constituída por militares da Austrália, da
Holanda e do Reino Unido.
Em
Timor-Leste, naquele tempo território Português (Portugal de Salazar na altura
assumira uma postura neutral), a invasão japonesa foi violenta e, mesmo
combatendo com coragem e determinação, a maior parte das forças aliadas
renderam-se, sobrando apenas comandos australianos auxiliados por timorenses
que lutavam através de movimentos de guerrilha no território de Timor-Leste,
apoiados a partir de Darwin.
As
tropas japonesas sofreram baixas significativas mas conseguiram obter a vitória
militar e as tropas australianas restantes foram evacuadas em 10 de Fevereiro
de 1943. Contudo, mesmo depois da saída das tropas australianas muitos
timorenses continuaram a resistir, e dezenas de milhares de timorenses morreram
devido à ocupação japonesa.
O
povo de Timor-Leste pela sua participação e apoio às acções de Guerrilha da
Austrália, estratégica para reter os japoneses na ilha e impedir a entrada das
tropas japonesas na Austrália, sofreu brutalidades de toda a ordem. Milhares de
mulheres e crianças pereceram, e foram vítimas das mais bárbaras atrocidades!
Apesar
destes actos de registo, o Governo da Austrália, desde 1975 a 1999, renegou
estes factos históricos, exclusivamente devido aos seus interesses económicos,
tendo contribuído para consolidar a ocupação ilegal da Indonésia em
Timor-Leste, espezinhando os valores humanos e de dignidade humana e, acima de
tudo, violando os direitos de um povo à sua auto-determinação e independência
nacional, transgredindo de forma vergonhosa os princípios universais inscritos
na Carta das Nações Unidas, da qual é membro!
II.
O martirizado povo de Timor-Leste, sozinho, e contando apenas com a
solidariedade dos povos, incluindo a solidariedade honrosa manifestada pelo
sábio povo Australiano após décadas de uma denodada Resistência, mudou o
cenário político mundial e desvalorizou o esquema estratégico regional e global
das grandes potencias na manutenção de interesses com prejuízo para o direito
dos povos pobres e pequenos.
Felizmente,
e graças à determinação do nosso povo e da solidariedade internacional, a
situação alterou-se radicalmente e a Comunidade Internacional das Nações e
Povos viram-se na obrigação de realizar o REFERENDO de 1999.
III.
No âmbito do Referendo em Timor-Leste, o Representante Especial do
SecretárioGeral da ONU para Timor-Leste foi o responsável máximo pela
implementação de todo o processo de consulta popular. O Chefe da UNAMET foi o
britânico Ian Martin. A ONU estabeleceu a missão das Nações Unidas em
Timor-Leste para conduzir o referendo de 1999, reconhecendo a autodeterminação
de Timor-Leste.
O
Conselho de Segurança da ONU autorizou a força internacional em Timor-Leste
(INTERFET), sob o comando de um australiano, o General Peter Cosgrove, recentemente
condecorado em Timor-Leste, para ser a força reguladora, e garantir a
estabilidade e a paz em caso de violência após a consulta popular. Em 30 de
Agosto de 1999, a maioria esmagadora dos timorenses (78,5%) rejeitou o estatuto
de autonomia especial na Indonésia, abrindo o caminho para a independência
plena, que foi proclamada, o que permitiu a Timor-Leste tornar-se a partir de
2002 membro da Nações Unidas de pleno direito.
Os
apoios, quer morais e humanitários, bem como financeiros, providenciados pelo
Governo Australiano ao povo de Timor-Leste não são e nunca poderão ser
justificação para varrer as suas barbaridades contra o povo de Timor-Leste e o
seu desrespeito pelos valores e princípios internacionais, porquanto, na nossa
perspectiva, esta regra aplica-se e tem validade para todos os povos e nações
civilizadas que subscreveram a Carta Universal dos Direitos do Homem e dizem
saber respeitar a convivência humana e o respeito mútuo entre os povos!
O
Governo da Austrália não pode e nunca deverá fundamentar-se nos seus apoios ao
Povo de Timor-Leste durante o período da administração transitória da ONU em
Timor Leste para vangloriar-se dos seus valores de dignidade e de boa
vizinhança, porquanto, de forma hipócrita, fugindo à sua responsabilidade
perante o direito internacional, ignorando o que está estipulado na Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os governos australianos,
aproveitando-se da fraqueza e da dependência conjuntural de Timor-Leste, com
total ausência de moral, a partir dos acordos de exploração petrolífera
rubricados, têm retirado do povo de Timor-Leste riquezas que pertenciam e
pertencem ao povo timorense.
Portanto,
contrariamente ao que pretenderam mostrar, nunca foram actos de filantropia e
de solidariedade, mas sim a representação de uma acção contrária aos valores
que o Povo Australiano nutre e manifesta perante os sofrimentos do Povo de
Timor-Leste!
IV.
Somos agora um Estado membro das Nações Unidas, mas, a nossa independência não
é plena, porque não temos soberania em relação ao nosso mar e seus recursos.
Mas, como decerto Vossa Excelência concordará, todos nós, Timor-Leste e
Austrália, temos direitos e deveres, e acreditamos que a Austrália pode ter um
papel importante e ser um aliado estratégico nesta zona geográfica dos países
da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Em
termos históricos e geográficos, o problema relacionado com os recursos
petrolíferos no mar de Timor, entre o Sul da ilha de Timor e o Norte da
Austrália, teve início nos anos 60 quando a Austrália começou a negociar a
delimitação das suas fronteiras marítimas com os seus países vizinhos, era
ainda Timor-Leste uma colónia portuguesa.
Em
11 de Dezembro de 1989 a Austrália e a Indonésia assinaram o Tratado do Timor
Gap (Timor Gap Treaty). O acordo rubricado ignorou totalmente os interesses
legítimos de Timor-Leste, pois havia o reconhecimento «de facto» da anexação
por parte da Indonésia como 27ª Província, e também porque Portugal preferiu
aguardar a resolução da «Questão de Timor», como já supracitado.
Desde
o referendo, em 1999, até 2002, em que Timor-Leste esteve sob administração da
UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor), as
negociações continuaram, desta vez entre a UNTAET e a Austrália, e deram lugar
ao Tratado do Mar de Timor (Timor Sea Treat), que tinha como objectivo manter
as explorações no Timor Gap, que tinham iniciado com o Timor Gap Treaty. Neste
novo tratado, praticamente não houve alterações, para além da chamada Zona de
Cooperação passar a chamar-se JPDA (Joint Petroleum Development Area).
Os
sucessivos governos da Austrália têm reivindicado a delimitação das fronteiras
para a definição da Zona Económica Exclusiva baseada na significação de
Plataforma Continental (até aos 200 metros de profundidade) e nunca abdicaram
deste ponto de vista porque a Austrália tem nesta zona do mar uma Plataforma
Continental muito larga. Contudo, e é aqui que o governo da Austrália perde
totalmente a razão, TimorLeste tem fundamento legal para recusar essa tese
porque a argumentação da Austrália basear-se na Plataforma Continental não é
aceite pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).
Efectivamente,
como ressalta Almeida Costa (2006), um conceituado especialista do Instituto
Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, «esta pretensão vai
contra as normas da versão mais moderna da Lei Internacional do Mar a qual
determina que cada País tem direito a delimitar como zona económica exclusiva
188 milhas náuticas a partir do limite exterior do seu mar territorial (12
milhas da costa) independentemente da Plataforma», ou seja, estas normas
implicam que a Zona Económica Exclusiva pode ir até às 200 milhas da linha de
costa tomada como base para a definição do Mar Territorial.
Ora,
de acordo com a (mais) recente Lei Internacional do Mar, quando não houver 400
milhas a separar dois Países, a fronteira deve ser definida com base na linha
equidistante de ambos os Países. Este é precisamente o caso entre a Austrália e
TimorLeste, pois, a distância entre os dois Países é inferior a 400 milhas,
pelo que, com base neste raciocínio, a reivindicação da ACBN é a de que a
delimitação da fronteira marítima seja baseada, não na Plataforma Continental,
como sempre defenderam os governos australianos, mas através da linha
equidistante (median line) entre os dois Países, em conformidade com a
legalidade internacional.
V.
Timor-Leste é membro das Nações Unidas, tal como é a Austrália, e todos temos
direitos e deveres nos nossos espaços marítimos, nomeadamente, em relação ao
aproveitamento dos seus recursos, mas também para garantir a soberania e
jurisdição, uma dimensão que para o povo timorense é inegociável e
inquestionável.
Se
em 2004 o Governo australiano respeitou a UNCLOS para negociar a delimitação
das fronteiras marítimas com a Nova Zelândia, na nossa humilde opinião, por uma
questão de coerência, ética e boa fé, deve manter os mesmos princípios em
relação a Timor-Leste.
Nestes
termos, por tudo o que a Associação dos Combatentes da Brigada Negra expôs
nesta Carta Aberta, vimos por este meio apelar ao bom senso do Governo
australiano, por razões de ordem ética, para que possa granjear a consideração
regional e internacional em respeito pelos princípios fundamentais da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos Pactos e Protocolos
internacionais que a Austrália subscreveu e, em conformidade com os princípios
estipulados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sentar-se à mesa
das negociações com Timor-Leste para a delimitação definitiva das fronteiras
marítimas.
A
Associação dos Combatentes da Brigada Negra quer de uma forma aberta, sem
rodeios, afirmar que todas as acções em curso e a desenvolver não significam
actos de desvalorização das nossas relações saudáveis até hoje desenvolvidas
com o povo australiano.
O
que nós pretendemos, isso sim, é fazer uso dos nossos modestos recursos, ao
nosso dispor, para sensibilizar o Governo de Camberra a aceitar sentar-se à
mesa das conversações com Timor-Leste, representado pelo Negociador Principal,
a fim de se abordarem os diferendos e litígios existentes para encontrarmos uma
solução sábia e duradoura que garanta e valorize as nossas relações
diplomáticas, povo para povo, neste universo do chamado mundo globalizado!
Timor-Leste
e Austrália, os seus dois povos, os seus dois governos, extraindo tudo o que os
separa, são povos de longo relacionamento, de irmandade e de amizade humana!
Assim,
a ACBN apela ao Governo de Camberra para que nos sentemos à mesa das
NEGOCIAÇÕES para avaliarmos as nossas diferenças e encontrarmos soluções que
nos satisfaçam, mutuamente, à luz do Direito Internacional e da Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar!
Certos
de que Vossa Excelência prestará a melhor atenção a esta missiva e responderá
afirmativamente a esta nossa justa pretensão, aguardando a Vossa prezada
resposta, aproveitamos o ensejo para apresentar os protestos da nossa mais
elevada consideração,
O
Presidente (Interino) - Nuno Corvelo / Laloran
O
Vice-Presidente (Interino) - Aquita Tama Laka
*O
texto desta Carta Aberta da ACBN está em conformidade com o mesmo que será lido
e assinado pelos signatários durante as acções de protesto de 22 e 23 de Março
planeadas há meses e organizadas pela Associação dos Combatentes da Brigada
Negra.
M.
Azancot de Menezes - Vice-Presidente (Interino) da ACBN