O enredo de Rui Vitória no
Benfica parece estar a chegar ao fim e há um filme a que todos assistimos nas
últimas três épocas e meia: o bom, o mau e o vilão.
No dia 15 de junho de 2015, Luís
Filipe Vieira começa a conferência de imprensa de apresentação de Rui
Vitória com as seguintes palavras: "O tempo é sempre o melhor juiz das
nossas ações e das nossas decisões". Foram palavras quase proféticas as
que o presidente do Benfica proferiu nessa tarde. O percurso do treinador foi
marcado por momentos bons, maus e por um vilão que acabou por não
assistir in loco ao que pode ser a queda final de Vitória. Vejamos o
filme:
O bom
Os dois primeiros títulos de Rui
Vitória ao serviço do Benfica chegaram logo na primeira temporada. Depois de um
início de época tremido, a perder a Eusébio Cup para o Monterrey e a Supertaça
para o Sporting de Jorge Jesus, que trocara o Benfica pelos leões no mesmo
verão em que Vitória chegou
à Luz, Rui Vitória acaba a época como campeão nacional e como vencedor da
Taça da Liga.
A Taça da Liga também faz parte
da boa estreia de Vitória. O Benfica conquistou o troféu, cuja final ainda
se jogava em maio, ao bater o Marítimo por 6-2, em Coimbra.
A época de estreia do treinador
na Champions é, curiosamente, a melhor que teve ao comando do
Benfica. As águias chegaram aos quartos-de-final da competição, fase em
que foram eliminados pelo Bayern de Munique com um agregado de 3-2 a favor
dos alemães. Na primeira época, Vitória é campeão nacional, vence a Taça da
Liga e chega aos quartos-de-final da Champions.
Em termos de títulos, pode
dizer-se que a melhor época de Vitória foi a segunda.O treinador começou
por conquistar Supertaça frente ao SC Braga, num jogo que venceu por
3-0 frente a uma equipa que tinha Rafa Silva como principal estrela. O
jogador acabou por ingressar no Benfica alguns dias depois.
Rui Vitória levou o Benfica ao
tetracampeonato (bicampeonato para Rui Vitória), o primeiro da história do
clube, em 2016/2017.
Em janeiro, o Benfica vendia Gonçalo Guedes ao PSG por 30 milhões de euros,
mas a venda fez pouca mossa num plantel que tinha conseguido manter nomes como
o de Ederson, Lindelöf, Nelson Semedo, Mitroglou e Jiménez e ao qual ainda
se juntaram André Horta, Cervi, Zivkovic e Carrillo, numa transferência do
Sporting para o Benfica que deu "pano para mangas".
Desta feita foi o FC Porto
quem terminou no segundo lugar, comandado por Nuno Espírito Santo, a seis
pontos dos encarnados.
Na Liga dos Campeões, o Benfica
ficou-se pelos oitavos de final. Foi eliminado pelo B. Dortmund.
A época não acabou sem que
Vitória conquistasse a sua primeira Taça de Portugal ao serviço das águias e
logo frente ao seu clube anterior. O Benfica venceu o Vitória SC por 2-1 e
Rui Vitória juntava a prova rainha do futebol português ao seu palmarés.
O último título de Rui Vitória
acontece no início da época 2017/2018: o Benfica conquista a Supertaça frente
ao Vitória SC com uma vitória por 3-1. Nesta época, o FC Porto é
campeão com Sérgio Conceição ao leme e mais sete pontos que os encarnados.
Há mais de um ano que o Benfica
não vence qualquer título oficial nacional ou internacional.
O mau
Se as duas primeiras épocas de
Rui Vitória à frente do Benfica são, de um modo geral, positivas em muito
devido ao facto de ter sido campeão nacional em ambas, a terceira época
acaba por ser quase desastrosa, não fosse a Supertaça conquistada.
Os encarnados somam zero pontos
na fase de grupos da Liga dos Campeões, num grupo em que encontraram CSKA
Moscovo, Basileia e Manchester United. É nesta fase que os encarnados sofrem
uma das maiores humilhações da época, ao perder com o Basileia, na Suíça, por
5-0.
Os zero pontos na fase de grupos
figuram um novo recorde negativo na competição. Além da ausência de pontos, o
Benfica soma também um número baixíssimo de golos marcados: apenas um em seis
jogos.
No campeonato, o cenário não é
melhor. A entrada de Sérgio Conceição ao comando do FC Porto marca o que
aparenta ser um novo ciclo para os dragões: a ideia de jogo muda, a prata da
casa ganha outra dimensão e a expressão "jogar à Porto" volta ao
léxico do futebol português. Conceição encontra em Marega um autêntico
todo-o-terreno que decide jogos a favor dos portistas e os dragões conquistam
mesmo o campeonato. Ainda assim, o Benfica conseguiu ter o melhor marcador
da época em que os dragões vencem o campeonato: Jonas marcou 34 golos.
Na Taça de Portugal, a equipa de
Rui Vitória é eliminada pelo Rio Ave nos oitavos de final.
Na Taça da Liga, conquistada pelo
Sporting, o Benfica fica-se pela fase de grupos. Na época anterior tinha sido
eliminado pelo Moreirense, que viria a conquistar a prova.
Depois de uma época em que não
ganha qualquer título, Rui Vitória parte para a época 2018/2019 com o FC
Porto como campeão, o Desportivo das Aves como detentor da Taça de Portugal e o
Sporting como detentor da Taça da Liga. Afastado da possibilidade de vencer a
Supertaça, tenta concentrar esforços na Liga Portuguesa.
A aventura até começou bem, com
os encarnados a manterem-se invencíveis até outubro deste ano, recebendo o
Sporting (1-1) e o FC Porto, vencendo por 1-0. A primeira derrota
aconteceu frente ao Belenenses, por 2-0, à qual se segue uma outra derrota
frente ao Moreirense, em
plena Luz, por 3-1. Houve lenços brancos.
Por esta altura, já tinha
começado a (des)aventura do Benfica na Liga dos Campeões. Apesar de ter
conseguido chegar à fase de grupos, a equipa comandada por Rui Vitória
começa a sua participação com uma derrota na Luz, frente ao Bayern, por 2-0. De
seguida, vai a Atenas vencer o AEK, com alguma dificuldade, por 3-2 e conquista
os primeiros pontos. Segue-se uma dupla jornada com o Ajax da qual só resulta
um ponto: derrota por 1-0 em Amesterdão e empate a uma bola na Luz.
Por fim, a gota de água: a
precisar de vencer para se manter na Liga dos Campeões, e depois de uma
campanha em que somou quatro pontos na competição, o Benfica visita o
Bayern. A equipa é goleada por 5-1 e cai para a Liga Europa. No
campeonato, os encarnados estão no 4.º lugar, a quatro pontos do líder FC
Porto. Dias antes, o Benfica vence com muita dificuldade o Arouca, da
Segunda Liga, por 2-1 para a Taça de Portugal, na Luz. Na Taça da Liga, o
Benfica venceu o único jogo que fez até ao momento.
O cenário não agrada aos adeptos, que contestam o treinador. Luís Filipe Vieira
reiterou a confiança no treinador a 30 de outubro, ou seja, há menos de um mês,
com as seguintes palavras: "O Rui tem feito trabalho extraordinário,
consegue ter equipas competitivas, nunca abdicando da formação. Um homem que
lança 10 jogadores da formação é o homem certo para o projeto que o Benfica
quer! Só se ele não quiser ficar".
A reunião que decide o futuro de Rui Vitória está marcada para
esta quinta-feira mas, ao que a TSF apurou, o treinador encarnado já não deve
orientar a equipa no jogo deste sábado, frente ao Feirense, na Luz.
...e o vilão
É impossível acompanhar o
percurso de Rui Vitória na Luz sem olhar para o outro lado da 2.ª
Circular. No mesmo verão em que Vitória chega à Luz, o na altura
bicampeão Jorge Jesus chega a Alvalade. Em outubro de 2015, o Sporting
visita a Luz, no regresso de Jorge Jesus a casa dos encarnados. Os leões vencem
por esclarecedores 3-0 e Jesus não perdeu a oportunidade de colocar em causa o
trabalho de Vitória. "É tudo igual, é o software que eu deixei
cá", disse o treinador dos leões sobre o trabalho de Rui Vitória.
Numa afirmação que colocava
claramente pressão sobre Vitória e as suas ideias de jogo, Jorge Jesus
apresentava-se como o principal adversário do Benfica na luta pelo título. A
luta foi feroz e houve mesmo momentos de tensão entre os treinadores.
Em janeiro de 2016, Rui Vitória
acusa Jesus de estar obcecado com os rivais Benfica e FC Porto e acusa-o de ser
mau colega. A resposta de Jesus?
"Sou mau colega? Treinador? Como não o qualifico como treinador, logo não sou mau colega. Para
ser treinador ele tem de ser muito mais. Fi-lo sair da toca, que era o que eu
queria. Ele tem de se assumir. Para treinar o Benfica tem de se assumir. Para
conduzir um Ferrari é preciso ter andamento para ele. Vamos ver se aquele
Ferrari continua a andar."
Nascia o argumento do Ferrari
vermelho e de quem tinha mãos para o conduzir. Rui Vitória não se deixou
ficar.
"Os treinadores em Portugal,
em concreto o treinador do Sporting, antes de chegar ao Benfica teve 20 anos de
carreira onde andou a ganhar algumas vezes e a perder outras, a ser despedido
umas vezes e contratado outras. Com a idade que eu tenho, ele se calhar andava
a lutar pela subida de divisão na 2ª Liga. Isto faz parte da vida. A opinião
fica para quem a proferiu, não estou nada preocupado".
A luta era tão quente dentro como
fora de campo e a temporada acabou com ambas as equipas a bater o recorde
de pontos na Liga Portuguesa, sendo que o título sorriu ao Benfica. Do FC
Porto de Lopetegui, não se viu o suficiente para que os dragões se intrometessem
na troca de argumentos entre Benfica e Sporting.
Nas duas épocas seguintes, o
sucesso dos clubes teve diferentes dimensões. Em 2016/2017 o Benfica é
campeão nacional e o Sporting, sem qualquer título, acaba no terceiro lugar do
campeonato, garantindo um lugar de acesso ao play-off da Liga dos
Campeões.
É precisamente a Liga dos
Campeões que marca um ponto de viragem na conquista de títulos dos
clubes. Em 2017/2018, com zero pontos somados na fase de grupos, o Benfica
acaba a época sem ganhar qualquer título. Já o Sporting vence a Taça da Liga e
chega à final da Taça de Portugal, na qual é batido pelo Desportivo das Aves.
No campeonato, o Benfica acaba à frente do Sporting, relegando os leões para a
Liga Europa, numa altura em que Portugal já só tem dois lugares de
acesso à Liga dos Campeões.
Agora, e sem Jesus no
horizonte, Rui Vitória vê-se na posição mais delicada em que já esteve
enquanto treinador do Benfica. Em quarto lugar no campeonato e fora da
Liga dos Campeões, a equipa de Rui Vitória não tem convencido os
adeptos. Jorge Jesus está na Arábia Saudita, a treinar o Al-Hilal e é um
dos nomes falados para suceder a Rui Vitória no Benfica, caso se confirme a
saída do treinador.
Com o treinador que o colocou em
causa desde o primeiro momento no Benfica fora do país, Rui Vitória pode
estar prestes a terminar a sua aventura nos encarnados, com uma das principais
contestações que lhe é feita a ser precisamente a mesma que Jesus lhe fazia: a
ideia de jogo de Vitória parece não ser suficiente.
Gonçalo Teles | TSF |
Foto Gustavo Bom / Global Imagens | em Página Global