António
Sampaio, da agência Lusa
Díli,
26 dez (Lusa) - A intensidade do momento apontava a que Vitor, polícia,
beijasse Rosa, advogada de direitos humanos, mas o medo ou a inexperiência não
deixaram o jovem ator timorense José ir além de um beijo na testa à sua
coprotagonista Irim.
E
depois um riso envergonhado, que se contagia aos vários timorenses que ajudam
com a sonoplastia, a claquete e as luzes na filmagem que decorria na sede da
Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) em Díli.
"Corta",
disse Luigi Acquisto, produtor e diretor da série "Amor e Justiça",
que está a ser produzida para a televisão nacional timorense, a TVTL, e que
está na reta final de filmagens.
"Beija-a,
mas se não a beijas, não dês beijo na testa. Fica só a olhar para ela",
explicou ao jovem José Sarmento Piedade, ator há poucos meses e que á sua
frente tinha uma das maiores estrelas do jovem cinema timorense, Irim
Tolentino, protagonista da primeira longa-metragem do país, A Guerra de
Beatriz.
Os
dois protagonistas de "Amor e Justiça" - série produzida pela Dili
Film Works e filmada ao longo das últimas 10 semanas em vários pontos de
Timor-Leste - são um dos fios condutores de uma série sem precedentes no país.
Mais
de 100 atores, contratados pelo facebook e de boca em boca, alguns dos quais
integram a equipa de filmagem de quase 40 elementos que prepararam uma série de
20 episódios que, em blocos de dois - e com histórias que servem de fio
condutor a todos eles - analisarão aspetos importantes da vida em Timor-Leste.
"No
início pensávamos que encontrar os atores seria mais difícil do que acabou por
ser. As coisas mudaram e conseguimos contar com muitos jovens com alguma
experiência em teatro, mas conseguimos encontrar muitas pessoas, de todas as
idades, sem experiência, mas que fizeram um ótimo trabalho", disse Luigi
Acquisto, em declarações à Lusa.
"Um
dos maiores desafios de um processo como este é a logística que em Timor-Leste
pode ser complicada, especialmente se estás a filmar em muitos locais, com um
calendário e orçamento apertados", explicou.
Para
Irim Tolentino, esta é uma série especialmente importante por tratar de
assuntos como direitos humanos que são cruciais para a situação em Timor-Leste
e que, como o filme Guerra da Beatriz, marcam momentos destacados do país.
"A
Guerra da Beatriz foi um filme muito importante para Timor-Leste porque foi a
primeira vez que contamos a história de Timor-Leste e de massacres como o de
Kraras", disse.
"Esta
série também é muito importante porque falamos de muitos temas importantes para
a sociedade timorense. E o meu papel é de uma mulher forte, que defende muitos
dos casos que aparecem na história. Adoro", afirmou.
José
Piedade mal consegue acreditar na oportunidade que teve: ser ator de repente,
quando estava no desemprego, depois de algum tempo a trabalhar como geólogo,
área em que as oportunidades são poucas.
"Eu
participei para conseguir ter uma nova experiência. É a primeira vez que
participo num filme. No início custou muito, mas agora já é mais fácil",
disse, explicando que gostava de repetir.
"Amor
e Justiça" envolve 20 episódios e a história aborda áreas tão diversas
como o sistema judicial, violência doméstica e de género, assuntos ambientais,
corrupção e outros.
Acquisto
destacou que este é dos poucos projetos de produção feitos em tétum, com atores
e técnicos timorenses - apoiados por uma equipa australiana e com financiamento
da União Europeia e que, considera, devem ser replicados.
"Este
tipo de programas são muito importantes para ajudar a desenvolver uma
identidade e de nação", disse.
Como
muito em Timor-Leste, onde ainda há bastantes projetos pioneiros, a realização
da série acaba também por ser um espaço de formação, com jovens timorenses a
serem atores e elementos da produção.
É
o caso de Doroteia Castela que na série interpreta Paula - "uma jovem que
vem da montanha para estudar na universidade, tem que viver em casa da tia que
todos os dias, em vez de ir estudar, a obriga a ir vender pão".
A
jovem, que foi uma criança figurante na Guerra de Beatriz - também produzido
pela Dili Film Works - ajuda noutros elementos da série e, neste caso, é
responsável pela claquete improvisada num quadro branco em que, com a mão, vai
apagando os números que se sucedem.
A
sua história é, tristemente, demasiado comum em Timor-Leste, onde muitos jovens
viajam ou são aliciados dos distritos para a capital com a promessa de emprego
ou estudo e acabam a ser quase empregados domésticos ou vendedores ambulantes
para familiares com menos escrúpulos.
A
série passa por vários locais simbólicos dentro e fora da capital, incluindo o
Cemitério de Santa Cruz, zonas montanhosas e um posto do chefe de suco
(freguesia).
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