A
China quer Macau como um “cordão umbilical” com os países lusófonos e a cidade
tem de aproveitar, diz o advogado Rui Cunha. O governo tem ultimamente levado
esta missão mais a sério, acrescenta o homem que esteve na génese da Fundação
Rui Cunha. A instituição, que celebra o seu terceiro aniversário, pretende
preservar e divulgar o direito local. Mas para Rui Cunha não há sinais de
perigo. A região vai integrar-se na China mas a identidade local vai sobreviver,
mesmo após 2049, o advogado diz.
O
sistema jurídico de Macau “é para manter e há de continuar,” mesmo após 2049,
diz Rui Cunha. “A China vê certamente algumas vantagens em ter o direito de
Macau,” tanto como referência para a evolução das leis do continente como ponte
para o direito dos países lusófonos, afirma.
O advogado que lançou a Fundação Rui Cunha para promover o Direito local não vê
“nem sinais de uma absorção forçada”. Pelo contrário, ele acredita que a
evolução acontecerá “nos dois sentidos,” com a lei do interior da China a
tornar-se também mais próxima da de Macau.
Na ligação à lusofonia, Macau tem até uma vantagem em relação a Portugal, diz
Filipa Guadalupe. A coordenadora do Centro de Reflexão, Estudo e Difusão do
Direito de Macau (CRED-DM), que faz parte da Fundação Rui Cunha, lembra que a
lei portuguesa tem mudado muito desde a entrada na União Europeia em 1986. Pelo
contrário, o sistema jurídico de Macau permanece bem mais próximo dos outros
países lusófonos.
“Desejar que Macau se mantenha inerte e igual ao que era ou a que é hoje, é
desejar mal a Macau,” diz Rui Cunha. A região está a integrar-se na China, numa
evolução que “terá características próprias locais,” acrescenta.
Macau não vai perder “os seus valores essenciais,” assegura o advogado. “Cada
vez mais se enraíza um sentimento próprio nos jovens de que Macau é diferente,
é como é, e é para preservar.”
Em comparação com o receio sentido antes da transição em 1999, o final do
período de transição em 2049 é uma data que irá ser passada “muito mais
suavemente,” prevê o assessor jurídico.
RECADOS
BILINGUES
Rui
Cunha acredita que também a língua portuguesa se irá manter, lembrando o
“grande esforço” que a própria China tem feito em treinar quadros bilingues.
Existem actualmente 19 universidades chinesas com cursos de língua e cultura
portuguesas, segundo a página da embaixada de Portugal na China.
O bilinguismo “faz parte do que torna Macau diferente” mas as autoridades não
têm feito tudo ao seu alcance para o promover, reconhece Rui Cunha. Isto apesar
da China continental “todos os dias mandar recados a este nível,” diz Filipa
Guadalupe.
O Instituto Politécnico de Macau, que vai em Setembro lançar uma licenciatura em Relações
Comerciais China-Países Lusófonos, “é um empreendedor,” elogia
a coordenadora do CRED-DM, e os cursos de língua portuguesa do Instituto
Português do Oriente “cada vez têm mais turmas”. Já a Universidade de Macau
“podia fazer mais com toda a estrutura que tem e os meios que tem,” ela conclui.
Os jovens locais têm interesse em aprender português “porque sabem que podem
ganhar mais dinheiro, ter melhores empregos,” diz Filipa Guadalupe. A língua é
uma mais valia para “um futuro que deixou de ser limitado aqui a Macau,” diz
Rui Cunha.
O investimento chinês criou “oportunidades de ouro” para trabalhar nos países
lusófonos mas a concorrência também deixou de “ser apenas do vizinho da frente
e do lado,” acrescenta o advogado.
APROVEITAR
A LUSOFONIA
O
direito local e o bilinguismo são as bases para “vincar a vocação que Macau tem
de ser um cordão umbilical” a ligar a China aos países de expressão portuguesa,
diz Rui Cunha.
Este é um papel que “ninguém mais, mesmo desta região toda da Ásia-Pacífico, tem
condições para cumprir,” sublinha o advogado. “Não é uma iniciativa própria de
Macau, mas integrada num projecto mais global da República Popular da China,”
acrescenta.
O governo de Pequim “tem dito e repetido” que quer este papel para Macau,
lembra Rui Cunha. “Não sei se vão repetir por 50 anos,” ele avisa, “mas
enquanto estão a repetir é melhor aproveitar”.
Afinal, a cidade já perdeu a oportunidade que tinha, durante a administração
portuguesa, “de usar algum privilégio que essa posição dava para ter uma porta
aberta” para o mercado chinês, recorda Rui Cunha.
As autoridades locais levam o papel de plataforma “muito a sério” e
“ultimamente estão a dar maior ênfase” a isso, diz o advogado.
No mês passado o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e
os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau) lançou o portal do centro de
distribuição de produtos lusófonos.
Rui Cunha defende que deveria ser “um depósito” de produtos, onde os
compradores chineses “pudessem chegar, ver, comprar e logo levar”. Se a falta
de espaço fosse um obstáculo, poderia aproveitar-se a ilha da Montanha ou o
Parque Industrial Transfronteiriço, acrescenta.
O advogado que vive em Macau há 35 anos diz que muitos empresários lusófonos
têm falhado ao tentar entrar directamente no mercado chinês. Criar primeiro
“uma pequena base” em Macau é o ideal, diz Rui Cunha.
O advogado lembra o caso da Idealmed, uma empresa portuguesa que, após entrar
no mercado de Macau, anunciou o mês passado planos para abrir 25 unidades de
saúde no interior da China em parceria com uma companhia chinesa.
O Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre Macau e o
interior da China (CEPA), que facilita as exportações para o continente de
empresas com actividades locais, é outra vantagem, mas que “não tem sido
utilizada convenientemente,”
Vítor
Quintã
PREPARAR
CHINESES PARA ESTUDAREM EM COIMBRA
A
celebrar o seu terceiro aniversário, a Fundação Rui Cunha quer apostar em
cursos práticos que promovam o direito não só nos países lusófonos mas também
no interior da China. Em Macau, a próxima arma para divulgar o direito é uma
série de televisão que arranca em Setembro na TV Cabo. Para ajudar na tarefa, a
fundação está a preparar uma base de dados com toda a jurisprudência dos
tribunais de Macau. A instituição vai ainda preparar os alunos chineses que vão
estudar para Coimbra.
Os
alunos chineses que vão estudar para a Universidade de Coimbra passarão a ter
um curso de preparação em Macau para os ajudar a adaptarem-se mais rapidamente
à vida em Portugal.
A Divisão de Relações Internacionais da universidade
portuguesa e a fundação vão assinar este mês um protocolo, diz Filipa
Guadalupe, coordenadora do Centro de Reflexão, Estudo e Difusão do Direito de
Macau (CRED-DM), que faz parte da fundação.
O resultado vai ser “um bocadinho um curso sócio-cultural,” que pretende
ensinar, em “dois ou três meses,” “o essencial de viver fora do país e numa
cultura completamente diferente,” explica a antiga aluna da Universidade de
Coimbra.
A instituição já tem um programa específico para apoiar os estudantes chineses
mas “está um bocadinho frustrada porque não está a conseguir interagir na
perfeição” com eles, diz Filipa Guadalupe.
Os estudantes chineses têm características “peculiares: fecham-se muito, têm
dificuldade em comunicar,” afirma Filipa Guadalupe. Os que vão para Portugal
acabam por “perder muito tempo na adaptação,” diz o advogado Rui Cunha.
“Quando finalmente estão adaptados, vêm-se embora. Já não têm tempo de se
integrarem,” lamenta o homem que esteve na génese da Fundação Rui Cunha. Para
os alunos que vão de Macau, absorver a língua e cultura portuguesas é “um
objectivo essencial,” sublinha.
O Instituto Politécnico de Macau também já demonstrou interesse neste curso,
revela Rui Cunha.
FORMAÇÃO
EM DIREITO
A
fundação não quer ser uma instituição académica nem concorrer com as
universidades, sublinha Rui Cunha, mas já pediu a autorização da Direcção dos
Serviços da Educação e Juventude para oferecer “cursos práticos”. O processo
está “em fase final de aprovação,” acrescenta.
Os objectivos na formação em Direito são ambiciosos. A fundação vai seleccionar
os formadores para os módulos “curtos e intensivos” de direito que fazem parte
dos cursos de gestão de negócios oferecidos pelo ISCTE – Instituto
Universitário de Lisboa em quatro cidades chinesas, incluindo Cantão, revela
Filipa Albuquerque.
O governo da Guiné-Bissau também está interessado em formar quadros técnicos
superiores e da função pública através da plataforma de e-learning já criada na
página da fundação, acrescenta a coordenadora do CRED-DM.
O primeiro curso de formação para juízes de Timor-Leste organizado pela
fundação, através de um protocolo com o Ministério da Justiça timorense, já
teve lugar em Macau e “estão previstos mais no futuro,” diz Filipa Albuquerque.
A fundação tem enviado professores para dar formação em Cabo Verde e no dia 11
de Junho vai apresentar um livro sobre o direito civil do país, acrescenta
Filipa Albuquerque. “Queremos colaborar nesta ligação com os países lusófonos,”
incluindo Angola e Moçambique, diz Rui Cunha.
LEIS
NA TELEVISÃO
Como
parte da plataforma de e-learning, a fundação está a preparar uma base de dados
jurídico-documental, com a jurisprudência de Macau em português e “a que houver
em chinês,” explica Filipa Guadalupe.
“Estamos a começar do mais recente para o mais antigo, sendo que já temos o ano
de 2014 todo tratado,” diz a coordenadora do CRED-DM.
Filipa Guadalupe conta ter o programa para consulta da base de dados pronto até
ao início do próximo ano judicial, em Outubro. A base estará aberta a qualquer
utilizador de forma gratuita.
O direito vai também aparecer na TV Cabo em Setembro, com 12 episódios em que
jovens advogados vão falar de forma informal sobre o direito em situações
práticas, desde um acidente de viação até arrendar uma casa. A série será
gravada em cantonês mas é um objectivo futuro disponibilizar uma versão
portuguesa, diz Filipa Guadalupe.
O programa da fundação para este ano contempla uma maior ligação com o sistema
legal da China continental, acrescenta Rui Cunha. Além de cursos para ajudar a
comunidade forense chinesa a melhor entender o direito de Macau, “queremos
também trazer um pouco do direito da China aqui,” diz o advogado.
NOVOS
TALENTOS E METAS
A
fundação tem procurado novos talentos em Macau, nomeadamente oferecendo a
galeria de forma gratuita para exposições, concertos e outros eventos. O próximo
passo é “dar um certo impulso a que artistas de Macau tenham a possibilidade de
ter acesso a um mercado muito maior,” no interior da China, diz Rui Cunha.
O advogado dá como exemplo a eventual participação de uma banda de Macau no
Festival de Músicas do Mundo de Beishan, em Zhuhai. É preciso dar os artistas
locais “a oportunidade de se mostrar e se internacionalizar,” sublinha.
“Vamos abrir uma nova frente no apoio social,” acrescenta Rui Cunha. Em
parceria com a organização de beneficiência católica Cáritas, a fundação vai
organizar um grupo de voluntariado para apoiar “idosos e pessoas necessitadas,”
explica.
Ajudar associações que formam técnicos para lidar com pessoas que têm o vício
do jogo é outra meta. “Esse foi um aspecto que de propósito eu fiz questão de
incluir na missão da fundação, sendo eu uma pessoa que sempre estive ligada ao
jogo,” diz o director da operadora de casinos SJM Holdings.
A fundação tem actualmente um capital no valor de 40 milhões de patacas (4.6
milhões de euros), com mais 10 milhões a serem transferidos no próximo ano.
“Ainda não tiveram de ser utilizados nem dois por cento,” diz Rui Cunha.
Recusando subsídios públicos, a instituição vive sobretudo das rendas pagas
pela C&C Advogados, que em 2013 chegaram a 1.8 milhões de patacas, de
acordo com o relatório da fundação. “Não chega para pagar os encargos com os
diversos eventos e com o pessoal,” admite Rui Cunha.
Já os custos ficaram muito perto dos 4 milhões de patacas em 2013. “Tem havido
muito de Dom Quixote nisto tudo,” acrescenta o advogado.
Plataforma
(Macau)