"Diálogo
informal" com candidato português a secretário-geral da ONU marcado pela
crise migratória, o terrorismo e o próprio funcionamento da ONU
Leonor Riso – Revista Sábado
No
final deste "diálogo informal" com António Guterres, representantes
de vários países formularam as suas questões – entre eles, o de Angola. O
candidato a secretário-geral da ONU referiu que a crise mais importante por que
passou foi a de Timor-Leste. Quanto a crises operacionais, destacou a crise
humanitária na Líbia, devido à necessidade de lidar com um fluxo grande de
pessoas a fugir da guerra.
António
Guterres foi entrevistado perante os 195 países que integram a Organização
das Nações Unidas, enquanto candidato ao cargo de secretário-geral da
ONU. Durante a audição, uma iniciativa inédita quanto à nomeação para o
cargo, Guterres afirmou ser um "homem muito privilegiado".
Os temas fortes deste diálogo foram a crise migratória, o terrorismo e o
próprio funcionamento da ONU. Guterres defendeu ainda a importância dos temas
da juventude e emprego jovem na agenda dos países-membros para evitar que os
jovens enveredem pelo extremismo. Recordou várias vezes a sua experiência
enquanto primeiro-ministro de Portugal, entre 1995 e 2002.
A introdução de Guterres e as primeiras questões
"O choque que senti nos bairros de lata de Lisboa, senti-o novamente com
os refugiados", referiu, recordando as suas funções enquanto
Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Contudo, classificou esse
trabalho como "uma terrível frustração porque não há solução
humanitária".
Sobre
o radicalismo, Guterres considerou que "vivemos em tempos perigosos e
precisamos combinar todos os nossos esforços para exercer a nossa
responsabilidade para erradicar o terrorismo".
O antigo primeiro-ministro foi logo questionado por representantes dos
vários países. Entre eles, está João Vale de Almeida, que se exprimiu em
francês mas proferiu um desejo em português a Guterres: "Boa sorte, senhor
engenheiro."
Sobre
a migração, António Guterres defende que é necessário criar oportunidades para
que esta seja legal e uma opção, "não um acto de desespero". Apelou
ainda à "responsabilidade entre todos os Estados" e pediu melhores
programas de realojamento de refugiados. "É precisa mais responsabilidade
e partilha de fardos" quanto a este assunto, afirmou. Guterres acredita
que agora, "estamos a atravessar guerras que ninguém está a ganhar".
No
final desta primeira intervenção, desculpou-se por ser tão telegráfico, mas
disse estar "a seguir instruções" do presidente Mogens
Lykketoft.
Promover
o diálogo "é uma virtude" na ONU
Durante
a segunda ronda de respostas, António Guterres considera que é "essencial
promover o diálogo entre os órgãos da ONU". "Uma das coisas pelas que
fui criticado quanto era primeiro-ministro em Portugal é que apostava muito no
diálogo. Na ONU é uma vantagem", afirmou.
Sobre
a migração, reforçou ser preciso lutar contra a capacidade dos traficantes de
pessoas e implementar políticas para responder aos que fogem dos seus países.
Guterres entende que a luta contra o terrorismo deve ser "com toda a
determinação", resolvendo ainda os problemas das pessoas que possam ser
mobilizadas para esta atitude.
Acerca
da igualdade de género, Guterres acredita se ter comprometido com este assunto
e com a paridade toda a vida, lembrando uma quota introduzida quanto era primeiro-ministro
de Portugal. "Precisamos de fazer um grande esforço", reconheceu.
"Eu estou comprometido a fazer esse longo caminho."
O
antigo primeiro-ministro afirmou não ter medo de crises. "Toda a minha
vida fiz gestão de crises. Fui líder de um partido durante dez anos, não há
nada pior que liderar um partido e ter de lidar com crises."
Para
Guterres, a qualidade mais importante que um secretário-geral da ONU deve ter é
a humildade. "Se tentarmos ensinar lições a toda a gente, não iremos a
lado nenhum." Reforçou ainda a importância de avaliações independentes aos
governos, para lutar contra a tendência de "se algo está mal, culpar outra
pessoa".
Capacetes
azuis criminosos devem ser banidos
Foram
falados vários assuntos durante a terceira ronda de respostas. Guterres abordou
um assunto que embaraça as Nações Unidas: os casos de abusos sexuais
perpetrados por capacetes azuis. "Temos de ser duros com os oficiais da
ONU ligados a abusos sexuais: devem ser banidos e as vítimas apoiadas."
Quer ser um secretário-geral activo. "Na ONU, temos demasiadas
reuniões e demasiado poucas decisões. Temos de produzir mais resultados. Farei
o meu melhor nas áreas de competência de um secretário-geral", prometeu
Guterres.
A
resposta à migração deve passar por um esforço internacional. "Até agora,
a migração foi vista como um assunto de soberania nacional. (…) Percebo que os
Estados sejam sensíveis e lutarei para que cooperem mais."
Os
crimes praticados contra as mulheres também mereceram uma palavra de Guterres.
"Os piores momentos que tive enquanto Alto-comissário das Nações Unidas
para os Refugiados foram quando tive uma entrevista com mulheres vítimas de
violação em condições horríveis", recordou. "Precisamos de nos unir
para assegurar que não há mais impunidade acerca da exploração sexual, abuso e
violação."
As
perguntas da sociedade civil
A
quarta ronda de questões foi proferidas por representantes da sociedade civil.
A primeira foi sobre os direitos das comunidades indígenas. "Penso que é
essencial que ninguém seja deixado para trás, quanto aos povos indígenas. Nos
planos nacionais, isto deve ser tomado em conta e os objectivos devem ser
implementados", respondeu Guterres.
Os
jovens foram o segundo tema. "Sobre a juventude, não se deve marginalizar
mas dar-lhe uma voz nos diferentes processos. Acredito que todos os projectos
de implementação da agenda para 2030 devem ter a juventude e o emprego como os
tópicos principais." Porquê? Para evitar que a falta de ocupação dos
jovens os leve para caminhos perigosos como o terrorismo, como já foi citado
por Guterres.
"Sonho
com um mundo livre de armas nucleares"
No
final deste "diálogo informal" com António Guterres, representantes
de vários países formularam as suas questões – entre eles, o de Angola. O
candidato a secretário-geral da ONU referiu que a crise mais importante por que
passou foi a de Timor-Leste. Quanto a crises operacionais, destacou a crise
humanitária na Líbia, devido à necessidade de lidar com um fluxo grande de
pessoas a fugir da guerra.
A
Angola, Guterres respondeu que entre o secretário-geral da ONU, o Conselho de
Segurança e a Assembleia-Geral "deve haver um diálogo aberto".
Para
ele, a prova de que é possível "fazer mais com maior
descentralização" é que o ACNUR triplicou a sua actividade em dez anos,
aumentando o staff a nível global, mas reduzindo-o em Genebra.
"Não
sobrevivemos sem migração", detalhou Guterres, citando o índice de
fertilidade baixo em Portugal, e o caso da sua mãe: tem 93 anos, está a cargo
de uma pessoa que trata dela, e Guterres nunca viu "um português" a
tomar conta dela.
Defendeu
ainda que a ONU está a gastar dinheiro para manter a paz onde esta não existe,
e que por isso, se deve apostar na prevenção e mediação de conflitos.
Sobre
a Palestina, Guterres defende o seu reconhecimento enquanto Estado.
"Sonho
com um mundo livre de armas nucleares", confessou o candidato português. Voltando ao tema do terrorismo, constante neste diálogo, Guterres assinala a
necessidade de enfrentar a radicalização e extremismo e de "apostar na
inclusão das nossas sociedades", por cada vez mais conjugarem mais etnias
e religiões. "É preciso investir na coesão social."
Processo
inédito de selecção do secretário-geral da ONU
Este
processo de selecção para o cargo é inédito: os candidatos apresentam as suas
propostas à Assembleia-geral e submetem-se ao escrutínio dos Estados-membros. Para
além dos representantes dos países, estão ainda presentes várias organizações
não-governamentais e entidades da sociedade civil para colocar questões e
entrevistar os candidatos.
A
audição de Guterres ocorreu entre as 20 e as 22 horas em Lisboa. É o
antigo primeiro-ministro português quem encerra o primeiro dia de audições.