Em
pouco mais de duas palavras: os familiares dos inocentes de Manchester,
Londres, Paris e Nice deveriam antes pedir responsabilidades aos governos dos
seus países por fomentarem o terrorismo que os vitimou.
Segundo
informações oficiais norte-americanas, corroboradas pelo governo Macron em
França, divulgadas perante o silêncio abespinhado de Londres, o principal
suspeito do atentado terrorista de Manchester é um indivíduo filho de
refugiados líbios, residente nos subúrbios da cidade, que se terá convertido ao
terrorismo islâmico numa viagem à Líbia. Em torno destes dados adensam-se
especulações, contra informações, silêncios oficiais e enxurradas de relatos
sensacionalistas vomitados pelos tablóides e outros meios de comunicação que
também o são, embora se considerem «respeitáveis».
O
retrato sumário do suposto autor do atentado é paralelo ao de outros
terroristas europeus dos anos mais recentes: nascidos nos países onde cometem
os crimes, inseridos nos contingentes de excluídos e marginalizados das
sociedades desses países, transformados em agentes de violência no convívio com
os cenários de guerras alimentadas pelos governos desses países.
O
caso particular do bombista de Manchester parece ser ainda mais explícito:
dizem-no filho de «fugitivos» ao regime líbio de Muammar Khaddaffi, agora
cidadão britânico que se terá «licenciado» em terrorismo islâmico
junto dos grupos de assassinos que a NATO usou para derrubar o mesmo Khaddaffi
e a seguir transformaram o território líbio numa anarquia produtora de
terroristas. O terrorista de Manchester é, pois, um fruto da «libertação da
Líbia» pela Aliança Atlântica, desencadeada com especial envolvimento do
governo de Londres.
Em
pouco mais de duas palavras: os familiares dos inocentes de Manchester,
Londres, Paris e Nice deveriam antes pedir responsabilidades aos governos dos
seus países por fomentarem o terrorismo que os vitimou.
Outros
atentados se seguirão – falta saber quando, como e onde – e então ouviremos
palavas indignadas e definitivas dos mesmos ou de outros dirigentes políticos
geminados, seremos inundados pela repetitiva verborreia de uma comunidade
mediática vampiresca, ficaremos reféns de mais sentenciamentos de medidas
arbitrárias que nos confiscarão e militarizarão direitos cidadãos – para que
seja possível eliminar o terrorismo.
Porque
em pleno rescaldo do atentado de Manchester…
A
primeira-ministra britânica, Theresa May, decidiu tomar as medidas de excepção
a que ainda resistira na sequência do atentado em Whitehall, junto ao
Parlamento, e decretou a militarização da segurança através da atribuição de
funções policiais aos militares, isto é, à NATO…
…
E o recém-empossado presidente francês, Emmanuel Macron, aproveitou a
oportunidade para prolongar o estado de excepção no seu país, que vigora há
quase dois anos, pelo menos até 1 de Novembro. Em cinco meses, por certo e para
fatalidade dos cidadãos que tais governantes têm, não faltarão ocasiões para
novas prorrogações porque nesta Europa há governos que são, ao mesmo tempo,
expoentes do terrorismo e da «guerra contra o terrorismo». Uma Europa onde o
terrorismo e a abolição gradual de direitos dos cidadãos se tornaram tão certos
como a morte.
Sem
qualquer margem de erro, permitam-me que deduza o seguinte: Theresa May e
Emmanuel Macron castigam civicamente os seus povos na sequência de actos
bárbaros perpetrados por concidadãos oriundos dos grupos de mercenários usados
pelos seus antecessores Sarkozy, Hollande e Cameron, através do aparelho da NATO,
para «libertar» países como a Líbia, a Síria, o Afeganistão, o Iraque e alguns
outros.
Enquanto
isto…
Mais
de 1500 presos políticos palestinianos estão há 40 dias em greve de fome
lutando pela aplicação dos seus direitos, reconhecidos como universais mas que
ainda não chegaram ao farol da democracia, dos direitos humanos e do «nosso
modo de vida» que se chama Israel.
Essa
luta cidadã contra o terrorismo praticado pelo regime israelita não cabe no
universo mediático internacional que se alimenta do sangue gerado pelo
terrorismo. Alguém já disse, com absoluta razão, que estamos perante
uma omertà, o silêncio dos cúmplices mafiosos para protegerem práticas e
ligações criminosas. Uma cumplicidade que vale por mil censuras.
Os
presos políticos palestinianos estão sujeitos, por exemplo, ao regime de
«detenção administrativa». No muito peculiar direito israelita, esta medida
significa que os detidos podem penar sem culpa formada, acusação ou julgamento
durante seis meses, período indefinidamente prorrogável através da
arbitrariedade de juízes, quase sempre militares. Isto é, os presos políticos
palestinianos cumprem prisão perpétua sem que seja pronunciada qualquer culpa
contra eles. Apenas porque lutam pela independência do seu país, um direito que
lhes é reconhecido pela generalidade dos dirigentes políticos aliados de
Israel, mas que não mexem um dedo para que isso se cumpra.
A
luta de morte contra o terrorismo, travada pelos presos políticos
palestinianos, prossegue em silêncio enquanto a generalidade dos dirigentes
mundiais, agora com Trump à cabeça, continuam a entoar um mantra vazio de
conteúdo fazendo crer que defendem a solução de dois Estados na Palestina.
A
crueldade desta farsa é reforçada pelo sadismo implícito, porque nenhuma das
vozes que tal recita corresponde a um gesto firme capaz de contribuir para pôr
fim à colonização sistemática da Cisjordânia praticada por Israel durante os
últimos cinquenta anos, acelerada por Benjamin Netanyahu, até agora
imparavelmente.
Ao
mesmo tempo continua a falar-se de «processo de paz» em tom papagueado,
sabendo nós que a credibilidade desse voto é medida pelo facto de à cabeça do
«quarteto» pacificador, constituído por Estados Unidos, Rússia, União Europeia
e ONU, estar um criminoso de guerra e mentiroso contumaz chamado Tony Blair.
Enquanto
isso, o governo de Israel prossegue a ocupação até deixar de haver território
em condições compatíveis com a criação de um segundo Estado soberano e
independente na Palestina, isto é, uma nação que não seja um protectorado ou
uma autonomia fictícia.
No
entanto, este cenário que tornaria os palestinianos reféns de tutelas alheias,
com a cumplicidade de sectores internos, começa a desenhar-se com nitidez. A
Administração «autónoma» de Ramallah, sob um mandato há muito expirado do
presidente Mahmud Abbas, está cada vez mais isolada internamente, além de
manietada pelas cumplicidades com Israel e os compromissos com um cadáver a que
ainda chamam «processo de paz».
A
realidade desta situação torna-se dia-a-dia mais penosa e teve um episódio
recentíssimo que fere a memória e mina a energia de quantos lutaram e lutam
pela independência palestiniana. Nas 48 horas que se seguiram ao encontro de
Abbas com Donald Trump o regime de Ramallah prendeu 12 compatriotas por se
manifestarem solidários com os presos políticos em greve de fome nas cadeias
israelitas. Entre eles o próprio Abu Khamis, que há três meses foi libertado do
cárcere de Israel onde passou 12 anos.
Poucas
horas depois de ter estado com Mahmmud Abbas, o presidente norte-americano
preferiu voltar a sublinhar uma «amizade com Israel», construída «sobre o nosso
amor comum à liberdade e o nosso respeito pela dignidade humana».
A
farsa assassina representada pelos dirigentes mais poderosos do mundo continua.