Díli,
20 nov (Lusa) - O ex-governador de Timor-Leste Mário Carrascalão considera que
em 1975, aquela colónia portuguesa não tinha condições económicas, políticas ou
técnicas para ser independente, porque vivia à custa do poder colonial, com
subsídios de Portugal e outras colónias.
"Timor
não tinha condições para ser independente. Quando foi declarada a
descolonização depois do 25 de abril (...) a única que talvez não estivesse em
condições era Timor", disse em entrevista à agência Lusa.
"Talvez
tenha sido uma das únicas colónias, senão a única, que viveu à custa do poder
colonial. Normalmente as colónias são exploradas pelo poder colonial e Timor
foi o contrário, viveu à custa de subsídios vindos de Angola, de Portugal e de
outras colónias", disse o também fundador do primeiro partido de
Timor-Leste, a União Democrática Timorense (UDT).
Terceiro
governador nomeado pela Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro
de 1992), Carrascalão fundou o Partido Social Democrata (PSD) depois da
independência e foi vice primeiro-ministro no IV Governo constitucional, até à
sua demissão por incompatibilidades com [o Presidente da República] Xanana
Gusmão.
Numa
longa entrevista à Lusa, em que recordou o seu passado, a história dos últimos
40 anos em Timor-Leste e perspetivou o futuro do país, Mário Carrascalão
manteve-se fiel à frontalidade que o caracteriza.
Recordando
a situação pós 25 de abril em Timor-Leste, Mário Carrascalão disse que nessa
altura o país "não tinha em ação nenhum movimento político" e
registava um "desenvolvimento económico ridículo".
"Tínhamos
um rendimento per capita anual de 40 dólares, de acordo com os números
fornecidos pelo BNU. Não é com 40 dólares que se vai fazer uma
independência", disse.
A
situação em Portugal não ajudava, pelo que os timorenses não poderiam estar
"de qualquer maneira esperançados que o desenvolvimento de Timor se
fizesse à custa de Portugal", que dizia "para Timor nem mais um
escudo nem mais um soldado".
Mário
Carrascalão relembra que Lisboa "jogava com um pau de dois bicos",
negociando por um lado com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a
Indonésia.
"Teve
encontros inclusivamente na Cimeira de Macau para tratar do processo de
descolonização de Timor mas ia negociando com os generais indonésios,
nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos),
sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia", recorda.
"O
próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong
Kong um encontro com uma delegação indonésia", sublinha. Portugal
"queria aliviar-se do fardo de Timor", insiste.
Por
isso, quer a UDT quer o segundo partido timorense a nascer, a Associação Social
Democrática de Timor (ASDT) - que se transformaria depois na Frente
Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) - apoiavam a ideia de uma
transição "de autonomia progressiva" com Portugal até à
independência.
Essa
"sintonia de opiniões" variava apenas em tempo: a UDT queria 20 anos
de transição e a UDT apenas cinco.
Tudo
mudou, diz Carrascalão, quando chegaram a Timor, em setembro de 1974, sete
estudantes universitários timorenses vindos de Portugal: António Carvarinho
Maulear, Vicente Manuel Reis, Abílio e Guilhermina Araújo, Roque Rodrigues,
Rosa Bonaparte e Venâncio Gomes da Silva.
Esse
grupo, considera, pôs fim à convivência entre a UDT e a ASDT - "quando até
se falava na sua fusão" - transformando logo a ASDT em Fretilin,
considerando que "tudo o que não era Fretilin era fascista, com gritos de
morte aos fascistas, aos colonialistas, aos imperialistas".
"A
partir daí, criou-se um ambiente difícil. Mas mesmo assim ainda foi possível
criar-se uma coligação que durou de janeiro de 75 até maio de 75 e que depois
se desfez por interferência australiana, que não queria os dois partidos
juntos", disse.
Os
"insultos políticos" só passaram a outros excessos quando a Indonésia
começou a "infiltrar-se em Timor", enviando, por exemplo, figuras como
o então coronel Dading Kalbuadi - que mais tarde comandaria as operações
militares em Timor-Leste - e que com o pretexto de vir oferecer trigo e
combustíveis, teve o primeiro contacto com o então [líder tradicional] liurai
de Atsabe, Arnaldo de Araújo.
Daí
nasce o primeiro partido integracionista, a Associação para a Integração de
Timor na Indonésia (AITI), "que foi depois transformada em Apodeti
(Associação Popular Democrática Timorense) pela influência do major Arnão
Metelo", chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em Timor e representante
no território do Movimento das Forças Armadas (MFA) na altura da guerra civil
timorense.
"Diziam
que AITI era muito óbvio", comenta sorrindo.
Mário
Carrascalão considera que houve alguns excessos, de parte a parte, e recorda
alumas execuções em Ermera, pelo presidente da UDT, "que condenou e
executou alguns dos seus opositores" e posteriormente respostas também da
Fretilin.
"Acho
que antes da entrada dos indonésios, da invasão, terão morrido aqui em Timor
como consequência do golpe e contra golpe talvez nem 100 pessoas", disse.
ASP
// APN