O livro “Timor-Leste, da
Guerrilha às Forças Armadas”, lançado ontem em Macau, da autoria de Luís
Bernardino e de Nuno Canas Mendes, aborda o processo de criação das Forças de
Defesa de Timor-Leste (FDTL). Em 2001, apenas 650 antigos guerrilheiros dos
cerca de 1.700 acantonados em Ailéu foram integrados no efectivo das novas
forças armadas. Em conversa com o PONTO FINAL, Luís Bernardino considera que o
processo da criação das forças armadas foi bem sucedido, mas admite que a
reintegração na sociedade dos guerrilheiros, gerida pelas Nações Unidas, teve
problemas, originado focos de tensão e violência mais tarde. Luís Bernardino
encara, ainda, as forças armadas em Timor-Leste como um instrumento de
desenvolvimento do Estado, ao serviço da comunidade, que garantem segurança
para desenvolver a educação e a saúde.
Em 2001, os líderes
político-militares timorenses, a Administração Transitória das Nações Unidas em
Timor-Leste (UNTAET), com o apoio de doadores internacionais, entre os quais
Portugal, decidiram criar as Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL), tendo por
base de recrutamento inicial as Forças Armadas de Libertação Nacional de
Timor-Leste (FALINTIL) criadas pela Frente Revolucionária do Timor-Leste
Independente (FRETILIN), ou seja, os guerrilheiros acantonados nas montanhas.
Ontem, em conversa com o PONTO
FINAL, Luís Bernardino, que assina com Nuno Canas Mendes o livro “Timor-Leste,
da Guerrilha às Forças Armadas”, admitiu que este não foi um processo fácil. “O
projecto teve um sucesso inicial, no processo houve fases difíceis e complexas,
e portanto houve retrocessos e problemas, mas o caminho feito até agora é
positivo, bastante positivo”, afirmou.
Luís Bernardino admitiu que o
problema essencial de Timor-Leste, na fase pós-processo de formação do Estado,
em que passou por várias crises, envolvendo elementos do exército, nomeadamente
na crise de 2006, “derivou, não só, ou não principalmente, de dentro das forças
armadas, mas sobretudo daqueles indivíduos que foram desmobilizados, e esse processo
de desmobilização foi gerido pelas Nações Unidas, mas não teve nada a ver com
estes aspectos que estou a abordar no livro”, sublinhou.
O livro “Timor-Leste, da
Guerrilha às Forças Armadas” faz parte de um projecto que envolve esta
publicação, uma exposição fotográfica com as imagens que integram a obra e um
conjunto de palestras. Depois de Lisboa e de Díli, surgiu a oportunidade de um
dos autores vir a Macau, explicou ao PONTO FINAL Luís Bernardino, ontem, numa
conversa telefónica mantida pouco antes da apresentação do livro, na Fundação
Rui Cunha. O livro trilingue, em português, tétum e inglês, aborda um processo
que Luís Bernardino descreve como “único” na área da segurança e da defesa, até
à altura, no mundo, e na história da Organização das Nações Unidas(ONU).
Da montanha, para o quartel ou
para casa
A obra foca-se essencialmente nos
650 guerrilheiros seleccionados para formarem o efectivo inicial das forças de
defesa. Segundo Luís Bernardino, “havia cerca de 1.700 guerrilheiros que
estavam acantonados em 2001, em Ailéu no processo pós-referendo, de 1999, tendo
havido um processo de selecção feito no âmbito do processo de formação, e o
livro fala também sobre isso. Desse processo de selecção resultou um grupo de
650 militares, que são o embrião e o início daquilo que são as forças de defesa
de Timor-Leste”.
Houve uma componente “mais sólida
que representava, grosso modo, 90 por cento do efectivo, e depois uma
componente naval, de 10 por cento, que ficou estacionada em Hera, do que
haveria de ser uma força residual embrionária daquilo que poderia vir a ser
uma marinha, uma guarda costeira ou uma força naval dentro do contexto daquilo
que são as forças de defesas de Timor-Leste”, explicou Luís Bernardino, que
ocupava, então, o cargo de capitão do Exército Português, e era membro da
primeira equipa de formadores para as FALINTIL – FDTL.
Desmobilizados e focos de tensão
Referindo-se à criação das forças
armadas, Luís Bernardino frisou que “estes processos nunca são fáceis. Eu diria
que o processo iniciou-se relativamente bem, foi um sucesso na sua fase inicial,
o que deveu-se essencialmente à liderança militar desses guerrilheiros, à
vontade de um povo timorense em querer transformar-se num Estado de direito e
de assumir as suas responsabilidades fruto de um processo de independência e de
auto-determinação e, obviamente, ao longo do processo há sempre momentos de
tensão ou momentos de crise que envolvem os estados e as pessoas, e Timor viveu
esse processo”.
O que de facto não correu bem foi
o processo de desmobilização. “Esse processo de reintegração no Estado não
aconteceu, e o que aconteceu é que esses grupos de guerrilheiros ou de
ex-guerrilheiros que não foram integrados nas forças armadas começaram a
agrupar-se à volta de determinados líderes, e começaram a criar movimentos de
resistência ao próprio Estado e criaram localmente algumas tensões e alguns
problemas. (…) Estas situações têm que ser bem geridas e eu penso que este
projecto que as Nações Unidas aplicaram, de reintegração dos militares, não
posso dizer que não foi bem sucedido, mas constatei que muitos desses militares
que não foram integrados na sociedade foram, mais tarde, foco de alguma
violência e instabilidade, diria que este processo teve alguns problemas”,
afirmou.
Luís Bernardino prosseguiu
afirmando que é necessário acrescentar ao contexto “a própria dificuldade do
Estado em se consolidar como Estado. Timor-Leste nunca havia sido um Estado
independente e, portanto, nunca tinha tido responsabilidades directas de gestão
dos instrumentos do Estado, nomeadamente, de gestão de umas forças armadas, ou
seja, nem os militares nem os guerrilheiros estavam preparados para uma
vertente tão rápida de integração no Estado. Mas todos estes aspectos ao longo
do tempo têm sido dirimidos e Timor-Leste está a fazer o seu caminho
democrático”, frisou.
Forças armadas dão segurança para
desenvolver a educação e saúde
Sobre se esses elementos de
desestabilização terem sido dissipados, o especialista afirmou não poder dizer
se sim ou se não. Mas disse: “sei que as forças armadas têm cada vez mais um
papel importante em garantir um equilíbro social, em termos de segurança de
defesa do Estado”.
À questão se se justifica Timor
continuar a investir nas forças armadas, em vez de investir mais no
desenvolvimento humano, na educação e na saúde, Luís Bernardino afirmou que
sim, até porque “actualmente as forças armadas têm que ser vistas como um
instrumento de desenvolvimento do Estado, ao serviço do cidadão e da
comunidade”. No entender do especialista, “as forças armadas garantem uma coisa
que não tem preço que é a segurança, ou seja, o sentimento de segurança, a
capacidade que o Estado tem de desenvolver a educação, a saúde, só se consegue
fazer porque há segurança, porque quando não há segurança todos os outros
elementos de construção do Estado não existem, se não há segurança, não há
investimento, não há recuperação económica e, portanto, as forças armadas são o
instrumento do Estado na garantia de que o desenvolvimento se consegue fazer de
maneira sustentável”.
Agora, acrescenta, “o próprio
Estado tem que encontrar um equilíbrio naquilo que é o desenvolvimento do
Estado ou seja a sua prioridade é a educação, são as infra-estruturas, mas isso
é uma política de planeamento estratégico do Estado que vai colocar os recursos
onde eles são mais necessários. Mas dentro dessa dimensão de crescimento do
Estado as forças armadas têm um papel importante e vão contribuir para que o
próprio estado seja ele mais forte”, concluiu.
Cláudia Aranda | Ponto Final
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