Domingos Javelino | Diligente
Uma criança com transtornos mentais sofre abusos recorrentes em Timor-Leste, enquanto autoridades ignoram provas claras e refugiam-se em burocracias. Promessas de proteção não saem do papel, deixando o menor vulnerável. Quando algo pior acontecer, quem se responsabilizará?
Um vídeo recente com duração de 30 segundos, amplamente partilhado no Facebook e TikTok, mostra uma criança com transtornos mentais a ser forçada por um grupo de indivíduos a beijar um adulto”, reforçou.
Para evitar situações semelhantes no futuro, o jurista destacou a necessidade urgente de o governo criar locais de acolhimento e proteção para crianças em risco, especialmente para aquelas com deficiência, doenças mentais ou outras condições de vulnerabilidade. Além disso, apelou à sociedade para que não feche os olhos a estas violações e denuncie imediatamente, assumindo também a sua responsabilidade na proteção das crianças.
A Presidente do Instituto Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças (INDDICA), Dinora Granadeiro, lamentou a recorrência de abusos contra a criança, reforçando que este não é um caso isolado. “Estamos a coordenar com a PNTL para identificar todos os autores e com o Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI) para garantir a proteção do menor. Já foi solicitado que a criança seja acolhida no Centro de Apoio à Saúde, S. João de Deus, em Laclubar, para assegurar a sua segurança e cuidados adequados”, afirmou.
No entanto, esta informação foi desmentida pelo diretor do centro, Dr. Elvis do Rosário, que esclareceu que não receberam qualquer contacto sobre o caso. O psicólogo sublinhou ainda que o Centro de Saúde Mental São João de Deus, em Laclubar, oferece tratamento agudo e reabilitação psicossocial exclusivamente para adultos, não tendo capacidade para atender crianças ou adolescentes.
Já Dinora Granadeiro explicou que a família tem dificuldade em protegê-lo, uma vez que vive com a avó e a mãe, ambas sem condições de garantir o controlo necessário devido à sua condição mental.
Histórico de abusos e negligência
Em fevereiro deste ano, , destacando
que a criança, com apenas 13 anos, tem sido alvo recorrente de bullying,
agressões físicas e humilhações públicas.
Num dos
vídeos analisados na altura, a criança foi incentivada por um grupo
de jovens a lutar com outro indivíduo, também com transtornos mentais. Os
atos foram filmados para diversão e partilhados nas redes sociais, gerando milhares
de reações de internautas que normalizaram o bullying como
uma forma de entretenimento.
Em agosto de
2023, um outro vídeo viral mostrou a criança a ser agredida por dois
jovens dentro de um veículo, recebendo pancadas, pontapés e insultos. Apesar
das provas claras, os agressores foram libertados pela PNTL, e o caso não
avançou devido à dificuldade da vítima em relatar os factos.
O
investigador do Ministério Público, Júlio dos Santos, classificou o caso como crime
semipúblico, dependente da vontade da vítima, que, junto com a avó, decidiu não prosseguir.
Apesar de ser menor e de haver um vídeo explícito, a criança foi
interrogada e pressionada a reviver o trauma.
Júlio dos
Santos afirmou não ter visto o vídeo, justificando a necessidade de
depoimentos. Alegou ainda que a violência teria sido encenada pela
criança e pelos agressores, supostamente em troca de comida. O
caso foi arquivado, sem que o vídeo fosse considerado como prova.
O Banco
Nacional do Comércio de Timor-Leste (BNCTL) também usou a imagem do menor numa
campanha publicitária, justificando tratar-se de uma “figura pública”. Esta
decisão foi amplamente criticada por especialistas, que consideraram
a ação uma exploração dos direitos da criança.
Quando o
sistema falha
A avó,
Delfina Martins, confessou ao Diligente, em fevereiro deste ano, que não
consegue proteger o neto, que frequentemente foge de casa e vagueia pelas
ruas da cidade. “Já tentei tudo para o manter seguro, mas não consigo. Só me
resta esperar por ajuda”, desabafou, deixando claro o desamparo em
que vive.
Enquanto
isso, a PNTL insiste em burocracias, afirmando que precisa de uma queixa
formal da família para agir, e a INDDICA promete esforços para encaminhar a
criança para o Centro de Laclubar e sensibilizar a população. Mas as
promessas continuam vazias: o menino permanece na rua, vulnerável, exposto a
novos abusos e ao desprezo de um sistema que o deveria proteger.
Apesar de
reconhecerem a gravidade do caso, nenhuma entidade apresentou uma solução
concreta. A criança continua desrespeitada, explorada e ignorada,
mesmo depois de se tornar o foco de exposição mediática. Não
faltam leis: a Lei nº 6/2023 é clara ao definir que é responsabilidade do MSSI,
INDDICA, polícia, entidades judiciais e organizações civis proteger crianças em
perigo — seja por maus-tratos, negligência, abusos ou exploração. No
entanto, a proteção que essa lei promete existe apenas no papel.
O menor,
mais do que uma vítima, é o espelho de um sistema que falha repetidamente em
proteger os mais frágeis, enquanto a sociedade normaliza o
abandono e o sofrimento. A proteção de crianças em risco não pode ser uma
questão de “sensibilização” ou “burocracia”. É uma obrigação moral, para além
de legal, que tem sido escandalosamente ignorada.
Por quanto tempo mais continuarão a ignorar? O sistema tem falhado, e esta criança é a prova viva de que as falhas têm consequências devastadoras. E quando algo ainda mais grave lhe acontecer, como já aconteceu a tantas outras crianças desamparadas, quem se vai responsabilizar?
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