Macau, China, 05 mai 2019 (Lusa)
-- O linguista Alan Baxter disse à Lusa temer que os atentados no Sri Lanka, no
domingo de Páscoa, tenham afetado falantes do crioulo de base portuguesa na
região, que pertencem a comunidades pequenas e maioritariamente católicas.
"Quantos falantes -- e
falantes idosos - estavam naquela igreja", questionou o especialista
australiano em crioulos de base portuguesa, em entrevista à Lusa, referindo-se
à igreja de São Sebastião, em Negombo, um dos locais atingidos pelos atentados
à bomba que provocaram pelo menos 257 mortos no dia 21 de abril.
O crioulo português do Sri Lanka,
antigo Ceilão, é uma herança da expansão marítima portuguesa no século XVI,
quando nasceu como língua de contacto entre cingaleses e portugueses, os
primeiros europeus a lá chegar.
A colonização portuguesa da ilha
não durou mais de 150 anos, mas, mais de meio século depois, este crioulo
continua a ser falado no seio das comunidades burghers, tradicionalmente
católicas.
"É uma preocupação, é um
risco. Porque os melhores falantes e os mais religiosos são os idosos, as
pessoas que mais tendem a frequentar a igreja nessas ocasiões especiais
[domingo de Páscoa]", alertou o diretor da Faculdade de Humanidades de
Universidade de São José (USJ) em Macau, referindo-se aos fatores de risco que
ameaçam extinguir estas línguas de contacto, que se estenderam pela costa da
Ásia e do Pacífico a partir do século XVI.
Por seu lado, o investigador da
Universidade de Lisboa Hugo Cardoso indicou que nos crioulos luso-asiáticos, em
particular, "há o risco de as comunidades serem relativamente
reduzidas".
"Independentemente do grau
de vitalidade e robustez da transmissão, sempre fragiliza qualquer comunidade
linguística", apontou Cardoso, também especializado em crioulos de base
portuguesa nesta região e que esteve em Macau, no ano passado, para um
seminário de documentação linguística.
E quando as comunidades
linguísticas são pequenas, fatores de risco como desastres naturais ou ataques
terroristas representam uma ameaça ainda maior. A língua tambora, por exemplo,
falada na ilha indonésia de Sumbawa, desapareceu por completo na sequência da
erupção do Monte Tambora, em 1815.
"Muitas vezes, o efeito
decisivo de uma catástrofe natural para a extinção de uma língua pode não ser
imediato, mas resultar de uma redução significativa da comunidade de fala ou da
sua dispersão após o evento", ressalvou Hugo Cardoso.
No Sri Lanka, desconhece-se ainda
quantos falantes do crioulo com origem portuguesa terão morrido na sequência
dos ataques, os piores de que há memória naquele país desde o fim da guerra
civil, em 2009.
Em todo o caso, para Alan Baxter
os principais desafios dos crioulos "são socioeconómicos". É o caso
da educação, do enriquecimento e da expansão das línguas dominantes.
Sobre Malaca, na Malásia, o
investigador contou à Lusa como "todo o processo dos aterros", a
partir da década de 1970, levou ao declínio da pesca e à ascensão do turismo.
"O kristang (língua cristã
de Malaca) ia muito bem quando era língua de pescadores, não era uma vida
fácil, era uma vida mais simples e a língua servia para aquele contexto, para
aquelas funções", disse.
Entre 1979 e 1981, período em que
viveu naquela antiga colónia portuguesa, Baxter lembrou que o nível escolar
"era mínimo", mas que hoje em dia "é muito diferente".
Mais tarde, o enriquecimento da
comunidade, ligado à educação e ao turismo, exerceu naturalmente "uma
influência negativa relativamente ao uso" da língua, uma vez que as
famílias "veem as oportunidades dos filhos crescer se dominarem o
inglês".
Hoje, Malaca não é "a
favela" de 1980. "Hoje em dia, você vai [a Malaca] e todas as casas
foram alvo de restauro", descreveu Baxter do sítio que é hoje património
da UNESCO. Ainda assim, "o kristang é ainda uma língua viva e
falada".
Já em Macau, até há 20 anos sob
administração portuguesa, o contexto para a perda da língua, como língua
comunitária, foi um pouco diferente.
"Imagino que houve uma
atitude negativa fomentada por atitudes ignorantes e atitudes colonialistas
(...) e o patuá foi suprimido", afirmou o linguista, que vai dirigir um
novo mestrado da USJ que tem este crioulo de base portuguesa no currículo.
"Para trabalhar na
administração colonial, era preciso falar português. Então imagino que no
século XIX, e durante o século XX, houvesse pessoas a criticar e a falar mal do
patuá", disse.
Com a extinção destas línguas,
perdem-se "culturas e maneiras de pensar", advertiu.
"Quando se perde uma língua,
perde-se a representação de toda uma semântica cultural. Áreas culturais, área
de pensamento que você não pode representar de nenhuma outra maneira, estão na
língua", disse.
FST // VM
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