Antónia Martins | Diligente
Com apenas 27 anos, Ensa transforma pensamentos invisíveis em arte que motiva. As suas telas, focadas no universo feminino, abordam temas como coragem, resiliência e a busca pelos sonhos.
Lourença Francisca Ximenes, mais conhecida como Ensa, 27 anos, utiliza a pintura não só para expressar os seus pensamentos, mas também para inspirar mulheres a enfrentarem as adversidades da vida.
Entre as suas obras destaca-se “Behind the Expression” (Por detrás da expressão), que retrata um rosto entristecido, mas com flores na cabeça. “As pessoas gostam de julgar os outros, mesmo sem saber quem são ou o que estão a passar”, explica. É esta a essência de Ensa: transformar as dificuldades em arte que motiva. As mulheres são a grande inspiração para as suas criações.
Natural de Baguia, no município de Baucau, a artista timorense apaixonou-se pela arte visual aos 23 anos. O seu ponto de viragem deu-se quando ingressou na Arte Moris, escola de belas-artes, centro cultural e associação de artistas criada em 2003. Inicialmente, a jovem frequentava as aulas de forma descontraída, uma vez que estava a iniciar o curso de Educação Física no ensino superior. Contudo, a falta de identificação com a área levou-a a abandonar o curso universitário.
Em criança, Ensa nunca imaginou que um dia se tornaria pintora. No ensino básico, vivia num colégio em Baguia e, mais tarde, do 3.º ciclo ao ensino superior, passou a viver com o seu tio em Díli.
Dois anos depois, Ensa regressou à Arte Moris e decidiu dedicar-se em pleno à pintura. Passou a viver no edifício da instituição e tornou-se assistente dos formadores. No início, o processo artístico baseava-se em reproduções de desenhos com lápis e papel, explorando a mistura de cores até começar a pintar com tintas em tela. “No começo, não sabia para onde ia ou o que o futuro me reservava, mas depois de entender o que queria criar, apaixonei-me pela arte visual”, recorda.
No início da sua entrada no mundo das Belas Artes, Ensa sentiu medo e confusão, sobretudo por ser mulher, uma vez que chegou a ouvir comentários que a fizeram duvidar de si mesma. “Não estudas e vais viver da arte, achas isso correto?”, ouviu. No entanto, com o tempo, encontrou serenidade e adaptou-se à nova realidade. “Eu disse a mim mesma: Posso fazer alguma coisa”, recorda.
Como membro da Arte Moris, Ensa beneficia de uma parte do dinheiro obtido pelas vendas das suas obras produzidas no âmbito do trabalho na instituição. As receitas são divididas entre a artista e a escola. Além disso, participa em projetos de pintura de murais e em contratos para gerir galerias ou exposições, recebendo uma compensação financeira que utiliza para o seu sustento e para a compra de materiais de pintura.
A maioria das suas pinturas tem como tema as mulheres, as suas emoções e experiências. Contudo, Ensa não se limita a retratar realidades pessoais. Para ela, o objetivo é sempre transmitir uma mensagem de motivação. “Pintar não é apenas replicar o que os olhos veem no dia a dia, porque para isso já temos as câmaras fotográficas. Pintar é tornar o pensamento visível”, afirma.
As suas principais fontes de inspiração são a leitura e a observação social, que alimentam as suas ideias e pensamentos criativos. A Arte Moris desempenha um papel crucial na sua formação artística, contribuindo para o desenvolvimento das suas ideias e estilos. As referências e o contacto com outros artistas na escola têm um impacto significativo na forma como Ensa cria e concebe as suas obras.
Outra obra marcante é “Hamriik Ba Nia Mehi” (Ergue-se pelo seu sonho), que mostra uma mulher de costas a apontar para uma estrela no céu. Inicialmente, a artista não queria vender esta tela, mas acabou por ceder quando um visitante se identificou com a mensagem da pintura. “Não pinto apenas mulheres. O universo é outra fonte de inspiração, porque simboliza a união de tudo e mostra que nunca estamos sozinhos.”
Gina Araújo, a pessoa que adquiriu a pintura “Hamriik Ba Nia Mehi”, sentiu-se atraída pelo tema e pelo facto de se tratar de uma obra sobre uma mulher, pintada por outra mulher. “Comprei a pintura porque me identifiquei muito com a figura feminina retratada. Ela seguiu o seu sonho, mesmo sozinha. Não desistiu perante as dificuldades e continuou a avançar”, afirmou.
O contraste evidente entre as cores claras e escuras foi outro elemento que captou a atenção de Gina. Para ela, essa oposição simboliza a própria vida, onde há momentos de escuridão, repletos de desafios, e momentos de clareza, em que os objetivos são alcançados.
Gina Araújo elogiou o estilo de pintura e acredita que todas as mulheres que estão a lutar pelos seus sonhos se podem identificar com a obra. Todos os dias, olha para a pintura como um lembrete de que não se deve desistir, independentemente dos obstáculos no caminho.
Entre as criações mais simbólicas de Ensa está “Some Roads You Have to Take Alone” (Certos caminhos tens de percorrer sozinha), que representa uma mulher a caminhar por uma estrada colorida, sem a presença de qualquer outro elemento na tela. Esta obra convoca as mulheres a confiarem em si mesmas e a trilharem os seus próprios caminhos, mesmo que não recebam apoio dos que as rodeiam.
“Há muitas mulheres que não avançam porque ouvem mais os outros do que o seu próprio coração”, reflete. A imagem da mulher de costas, virada para a frente, é recorrente na sua obra e simboliza o ato de seguir em frente, sem olhar para o passado.
Ensa já produziu mais de 20 obras, das quais cinco foram vendidas. Segundo a pintora, o preço de uma obra está mais relacionado com a complexidade e originalidade da ideia do que com o tempo de execução. “O conceito é caro, mas muitas vezes as pessoas não entendem isso e acham que é uma coisa medíocre”, desabafa.
Sendo uma jovem pintora no mundo das Belas Artes, Ensa constatou que, atualmente, existem muitas mulheres pintoras em Timor-Leste, mas a maioria não se integra em nenhum grupo artístico. Além disso, observa que os artistas visuais timorenses ainda enfrentam dificuldades para ganhar reconhecimento fora do seu círculo local. “Se sairmos do país para participar em exposições, conseguimos maior visibilidade, pois representamos Timor-Leste. Mas, se nos limitarmos a exposições dentro do país, o destaque é muito menor”, afirma.
Um dos maiores desafios, segundo Ensa, é transferir para a tela o conceito imaginado. “Às vezes, o que crio na minha cabeça não se traduz como planeado. Mas é nesse processo que surgem novos conceitos, muitas vezes inesperados.”
A dedicação de Ensa à arte levou-a a trabalhar em Itália, onde colaborou com a galeria de Maria Madeira, a artista visual timorense que, este ano, representou Timor-Leste na Bienal de Veneza, um dos eventos de arte mais prestigiados a nível mundial. Esta experiência expandiu a sua visão sobre as possibilidades da arte, ao descobrir que também se podem criar obras com materiais como cabelo ou pedras.
Para quem deseja explorar o universo das artes visuais, mas sente receio, o conselho de Ensa é claro: “Começa agora e vê os resultados no futuro. Continua o que começaste.” A Arte Moris mantém as suas portas abertas para novos alunos, e a formação é gratuita, o que elimina um dos principais obstáculos para muitos jovens.
O percurso de Ensa mostra que o ato de criar é, muitas vezes, um caminho solitário e incerto, mas cheio de autodescoberta e liberdade. Na sua trajetória, ela não se prendeu a percursos convencionais, escolheu o seu próprio rumo e, hoje, convida outras mulheres a fazerem o mesmo. “Cada esforço é para dar mais um passo em frente”, declara, com a convicção de quem vê na arte uma ferramenta de transformação pessoal e social.
Para o futuro, a jovem pintora pretende continuar a criar e a dar forma às suas ideias, mesmo sem saber o que o destino lhe reserva. O que tem como certo é que continuará a caminhar, passo a passo, no seu percurso artístico.