Díli, 24 ago 2020 (Lusa) -- O
ex-ministro das Finanças Rui Gomes disse hoje que a excessiva politização em
Timor-Leste, a "epidemia incurável" que é a falta de confiança na
liderança e relegar capital humano para segundo plano condicionaram o
desenvolvimento nacional.
"A politização tem sido uma
arma poderosa de descomprimir a determinação e a vontade política do lado de
quem detém o poder", disse Rui Gomes, em entrevista à Lusa.
"As distrações são
constantes e a falta de confiança na liderança tornou-se uma epidemia
incurável. É essa parte não económica que poderá vir a afetar o desempenho das
pessoas e das instituições responsáveis pelas medidas propostas para a
recuperação da economia pós-covid-19", sublinhou.
Rui Gomes liderou nos últimos
dois meses uma comissão criada pelo Governo timorense para preparar um Plano de
Recuperação Económica (PRE) que ajude a reativar a economia nacional, com
medidas a curto, médio e longo prazo, para estancar a perda de empregos e
rendimentos, corrigir a "fraqueza estrutural e a incapacidade do tecido
produtivo nacional em gerar empregos produtivos com um nível de produtividade
que gere rendimentos satisfatórios".
O ex-ministro mostrou-se otimista
sobre uma "retoma da economia em U", depois de anos de crise política
e do impacto da pandemia covid-19, mas considera que o principal risco é
"a politização do PRE, como tem sido a prática em Timor-Leste".
"O instrumento é bom, mas as
pessoas têm de estar confiantes naquilo que fazem. Por falta de leitura e
conhecimento das coisas, as pessoas (principalmente os políticos) tendem sempre
a levar pelo lado político das coisas", referiu.
Apostando num plano
"centrado nas pessoas", Rui Gomes sustentou que até aqui tem-se
relegado para segundo plano o capital humano, com políticas viradas para o
capital físico.
O nível de formação de capital
humano "é muito baixo, em termos absolutos e em relação à maioria dos
países vizinhos", porque "se tem optado por investir
significativamente em capital físico", nomeadamente infraestruturas.
Prova disso são os sucessivos
Orçamentos Gerais do Estado que "ao longo de mais de uma década não
estavam virados para as pessoas", contrário ao discurso político.
Nos nove anos entre 2011 e 2019,
os investimentos nos setores de Saúde, Educação, Agricultura/Irrigação e
Turismo, receberam uma verba total do Fundo de Infraestruturas de cerca de 83
milhões de dólares (70,3 milhões de euros).
Um "nítido contraste com os
3.066 milhões de dólares afetos ao capital físico, 37 vezes mais que a verba
afeta" aos setores referidos.
"É certo que há a
necessidade de colocar uma fatia maior na formação bruta do capital físico; mas
o que tem acontecido é que durante a última década esse investimento tem sido
mais nas estradas, que não edifícios, cujos custos são demasiado elevados para
os cofres do Estado para a sua construção e, eventualmente, manutenção",
afirmou.
"Muitos destes investimentos
estão nitidamente sobredimensionados, levando a um desperdício significativo de
recursos que poderiam ser melhor aplicados noutras atividades do Estado",
sustentou.
Daí que, defendeu, é precisa
"uma mudança de direção" face ao investimento no campo das
infraestruturas", com queda nas receitas petrolíferas e na
"rentabilidade potencial dos projetos previstos" para o Mar de Timor.
"Não quero com isso dizer
que os grandes projetos devem ser esquecidos. Mas podemos estar confiantes de
que os grandes projetos são de qualidade e produzem efetivamente efeitos
positivos na economia e na sociedade timorense - onde 66% da população vive da
agricultura de subsistência e a pobreza afeta mais de 40% -, particularmente no
que toca à oferta e consumo nacionais e na melhoria do seu capital físico e
humano? Qual é o nível de execução dos grandes projetos?", questionou.
Neste quadro, Rui Gomes
considerou o PRE "realista" e sublinhou a sua "boa
recetividade", notando que o primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, deu
instruções "para os trabalhos de ajustamentos necessários das medidas
propostas face aos programas e atividades desenvolvidas" pelos vários
ministérios e agências autónomas, "incluindo a construção de indicadores
de monitorização e avaliação da implementação do PRE".
"A grande maioria das
medidas propostas foi devidamente ajustada. Está a decorrer o exercício da
orçamentação das medidas propostas para o próximo OGE", sublinhou.
Ainda assim, e perante potenciais
riscos na implementação, que condicionem a eficácia do plano, Rui Gomes defendeu
a necessidade de "simplificar os processos e de envolver menos partes a
fim de evitar a dispersão de recursos escassos em muitas áreas".
Indicar um órgão do Estado para
desempenhar o papel de coordenador geral, e que siga de perto "quem faz o
quê, quando e onde", definir claramente responsabilidades e expetativas,
atribuir-lhes recursos "adequados" e alcançar resultados
"concretos e mesuráveis" são outras exigências.
"Aquele que poderia ser o
principal constrangimento à implementação, claramente não existe: há claramente
vontade política", disse.
Num país onde, tradicionalmente,
se questiona a eficácia da implementação de planos de desenvolvimento, Rui
Gomes explicou que depois do planeamento e aprovação política, é precisar
concretizar as medidas.
Para isso, e depois da aprovação
dos OGE, deve-se "organizar a monitorização, a coordenação e assegurar
níveis elevados de execução para que haja um impacto efetivo na criação de
emprego, no aumento dos rendimentos, no crescimento económico e, consequentemente,
na melhoria das condições de vida dos (...) cidadãos", disse.
"O grande esforço e que
torna de valor e eficaz o que foi feito é o que vem a seguir. Exigirá muito
trabalho e muita eficácia. O Governo já tem um instrumento fundamental para a
sua atuação até ao fim do seu mandato", afirmou.
ASP // JMC
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