Corria
o ano de 1996, quando um padre filipino entregou a D. Ximenes Belo, que
realizava uma cerimónia, um bilhete. Ele leu-o e, sem expressar qualquer tipo
de emoção, colocou-o no bolso. Não era uma notícia qualquer. O bilhete
transmitia-lhe que tinha sido distinguido com o Prémio Nobel da Paz. Mas o
Bispo Emérito de Díli limitou-se a prosseguir a liturgia. No final, pediu para
que ninguém desse a conhecer aquela notícia. “Não deixei transparecer qualquer
tipo de emoção. Estávamos sobre domínio indonésio e sabia que se aquele facto
fosse conhecido os jovens iriam para a rua manifestar-se e como resposta
receberiam rajadas de metralhadora. Isso era algo que queria de todo evitar. Cá
dentro senti uma enorme responsabilidade. Não era um prémio meu, era de todo o
povo timorense”. Foi esta a resposta que os muitos alunos do Agrupamento de
Escolas de Oliveira do Hospital ouviram ontem de D. Ximenes Belo quando o
interrogaram sobre o que tinha sentido quando soube que tinha sido agraciado
com o Prémio Nobel da Paz.
O
encontro, num salão lotado com centenas de alunos, inseriu-se na visita do
Bispo Emérito de Díli ao concelho de Oliveira do Hospital a convite da Unidade
Pastoral de Oliveira do Hospital. O objectivo inicial passava por realizar
apenas uma conferência subordinada ao tema “O mundo precisa de misericórdia” no
teatro de Ervedal da Beira, mas o programa acabou por ser alargado devido às
várias solicitações. Além da visita à escola, aquele que foi um dos principais
rostos da resistência timorense à ocupação indonésia teve ainda uma recepção na
Câmara Municipal e celebrou uma Eucaristia na Igreja Matriz.
“Desistir
é morrer”
“Disseram-me
que na escola também queriam ouvir umas palavrinhas. Aqui estou. É muito
importante estar em contacto com os jovens”, começou por referir D. Ximenes
Belo perante a enorme plateia de alunos, antes de agradecer a solidariedade dos
portugueses para com Timor durante a ocupação indonésia. Falou sobre a Paz e,
perante a pergunta de um outro aluno sobre o que fazer para se atingir a paz
plena, D. Ximenes Belo limitou-se a responder que a paz universal é uma utopia.
“Falar de paz universal é dos poetas. Somos homens e mulheres. Nós é que
provocamos a guerra. Temos é de trabalhar para diminuir os seus efeitos. É um
esforço conjunto, de todos”, sublinhou.
Explicou
ainda que nunca desistiu perante a pressão da Indonésia porque em causa estava
a defesa de valores que eram desprezados. “Quando isso acontece as pessoas
continuam a lutar. Desistir é morrer. Foram anos difíceis, mas tínhamos a convicção
que não podíamos desistir. Nestas lutas pela independência é preciso
perseverança. Estava em causa o destino de um povo. Somos pequenos, mas temos
direitos”, respondeu, salientando, porém, que não foi a guerrilha, que existia
e lutava nas montanhas, que atingiu a vitória. “Mais importante foi a
solidariedade demonstrada, por exemplo, pelos vossos pais e avós”, enfatizou,
não se cansando de agradecer a solidariedade dos portugueses. “Todos estiveram
unidos ao lado de Timor Leste. Somos um povo irmão, estamos ligados pela mesma,
religião e língua, ambos fazemos parte da Comunidade dos Países de Língua
Oficial Portuguesa”.
Nem
só a resistência contra a ocupação interessou os alunos. Quiseram saber também
se D. Ximenes Belo alguma vez colocou em causa a existência de Deus ou o que
pensava sobre o tema do momento: a eutanásia. “Sou Católico portanto partilho
da opinião dos meus pares. Que se respeite a vida. É um bem demasiado precioso
para ser apressado. O ser humano morre quando chegar a sua hora”, esclareceu.
Já sobre a questão de colocar em causa a existência de Deus referiu que isso
nunca aconteceu desde que perdeu o pai quando tinha dois anos. “Quando chorava,
a minha mãe mostrava-me as estrelas. E dizia-me: ‘Olha, isto foi criado por
Deus’. Perante tamanha beleza nunca coloquei Tal em causa”, respondeu.
Deixou
também um desafio à plateia: “É preciso que os jovens se cultivem e eduquem.
Aqui adquiris capacidades. Mas o mais relevante é educar-vos a vós próprios,
nas virtudes e nos valores éticos. O vosso esforço é importante para acabar com
a distinção entre pessoas através da religião ou cor da pele. Honra, dever
ético, honestidade. Para haver paz é preciso começar por fazer com que exista
paz no nosso interior”.
“Até
os partidos políticos de ideologias opostas se uniram”
Mais
tarde, o Bispo do Bispo Emérito de Díli chegou acompanhado por um dos membros
da Unidade Pastoral de Oliveira do Hospital aos Paços do Concelho. As honras da
recepção couberam ao vice-presidente Francisco Rolo, em representação do
autarca José Carlos Alexandrino que se encontra no Chipre ao serviço da CIM, que
não se conteve em elogios ao Prémio Nobel da Paz, assegurando que a sua luta
marcou toda uma geração.
“D.
Ximenes Belo é uma referência em Portugal e no Mundo. É simultaneamente
timorense e português. A forma como lidou com os acontecimentos dos anos 80 e
90 inspirou toda uma geração, na qual me incluo. É um símbolo de como se pode
resistir de forma pacífica e resolver os problemas. Estamos honrados com a
presença de um homem como o senhor em Oliveira do Hospital”, frisou o autarca,
lembrando ainda a enorme fé que o povo oliveirense demonstrou recentemente
aquando da visita da imagem de Nossa Senhora de Fátima. D. Ximenes Belo
agradeceu. Voltou a reconhecer a solidariedade de Portugal para com Timor
naqueles anos difíceis. “Até os partidos políticos de ideologias diametralmente
opostas estiveram unidos ao lado de Timor Leste”, referiu, lembrando que cabe
aos políticos, transformar a política numa arte nobre. “É trabalhar em nome do
bem da comunidade”, frisou, antes de ouvir a interpretação de algumas canções
por parte do coro infantil da Fundação Aurélio Amaro Dinis. Depois seguiu para
celebrar a Eucaristia na Igreja Matriz repleta e que fica paredes meias com os
Paços do Concelho.
Já
noite dentro participou, finalmente, na conferência agendada para o teatro de
Ervedal da Beira, também ele lotado. Falou sobre as sete obras de misericórdia
corporais, aquelas que tendem às necessidades corporais do outro: alimentar os
famintos, dar de beber a quem tem sede, vestir os despidos, abrigar os
sem-abrigo, visitar os doentes, visitar os cativos e sepultar os mortos. A
intervenção não deixou ninguém indiferente.
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