Macau,
China, 04 nov (Lusa) -- O arquiteto André Ritchie, antigo coordenador-adjunto
do Gabinete de Infraestruturas de Transportes de Macau, manifestou hoje dúvidas
quanto à real implementação na cidade da plataforma entre a China e a
lusofonia, devido a um défice na "paisagem humana".
"Não
basta criar as infraestruturas físicas. Podemos ter a ponte que liga Macau,
Hong Kong e Zhuhai, podemos ter novos postos fronteiriços, podemos até expandir
os limites da fronteira, mas se não temos pessoal, mão-de-obra especializada
com capacidade para implementar a ideia da plataforma, não vale a pena",
afirmou.
"Macau
tem muito dinheiro, estamos numa situação favorável. Mas podemos comprar o
melhor forno de pão do mundo, se a massa não for boa, o pão nunca há de ser
bom", disse, antes da mesa redonda "Repensar o papel urbano de Macau:
A Plataforma, o Delta do Rio das Pérolas e o mundo lusófono", onde
planeava focar-se mais "na paisagem humana" e "não tanto na
paisagem urbana".
Ritchie,
que liderou entre 2007 e 2015 o organismo que desenvolve o metro ligeiro de
Macau, recorda a época de "grandes empreendimentos" nos anos 1990,
durante a administração portuguesa: "Construiu-se a Ponte da Amizade [a
segunda na cidade], o aeroporto, a central de incineração, o porto de águas
profundas. Havia um discurso político na altura de tornar Macau na ponte entre
Portugal e a China e transformar Macau num centro de serviços, mas muito
sinceramente não sei se se concretizou".
As
infraestruturas foram construídas, "mas a parte de desenvolvimento, de
sofisticação humana, acho que falhou", afirmou.
O
arquiteto lembra que, para a implementação da plataforma, o Governo deseja ter
quadros bilingues em diversas áreas, incluindo jurídica, comercial,
contabilística, entre outras. "Acho ótimo, mas é um trabalho de mais de
uma geração. Não quero ser extremista ao ponto de dizer que [a plataforma] não
tem pernas para andar, mas acho que é um fator preponderante", afirmou.
Menos
cético está Paulo Rego, diretor do jornal Plataforma Macau e orador na mesma
mesa redonda.
Para
o jornalista, a plataforma entre a China e os países de língua portuguesa
"liga-se completamente ao urbanismo".
"Plataforma
quer dizer uma sociedade de serviços trilingue, inteligente, qualificada, que
comunica com muitas realidades diferentes", explicou, evidenciando que,
para tal, é "preciso ter uma ideia de cidade".
"Se
quisermos de facto montar uma plataforma reconhecida mundialmente como tal,
temos de pensar na arquitetura da cidade, na forma como a organizamos, para que
essa sociedade de serviços funcione, se inter-relacione e seja sedutora",
defendeu.
Concretamente,
Paulo Rego apontou a construção de uma grande biblioteca no centro da cidade
(como está a ser planeada) como um exemplo de "uma boa ideia para a
plataforma", bem como a construção de "espaços públicos onde as
pessoas se relacionem de forma diferente", criação de "espaços para
start-ups" e ainda mudanças nas universidades de modo a que sejam
"mais interativas e menos escolásticas".
O
debate organizado pelo Conselho Internacional de Arquitetos de Países de Língua
Portuguesa contou ainda com a participação das investigadoras brasileiras da
área do urbanismo Margareth da Silva Pereira e Fabiana Izaga, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Apesar
das muitas diferenças, Izaga defendeu que Macau e o Rio de Janeiro têm
"situações comuns" e "matrizes comuns" e podem ajudar-se
mutuamente a encontrar soluções para os seus problemas.
"O
Rio de Janeiro, assim como Macau, foi expandindo a cidade com sucessivos
aterros, cortámos morros e fizemos aterros. Reconstruímos em cima do tecido
preexistente, da nossa herança colonial. Vejo aqui em Macau também esse
trabalho de reconstrução", indicou.
No
entanto, em Macau "há camadas mais espessas", ressalvou, apontando
para o exemplo da vila da Taipa, localizada junto à 'strip' de casinos.
"A
pequena vila da Taipa me pareceu quase submersa, em vários sentidos. Ela estava
lá, é contígua àquela escala brutal dos casinos, mas não há uma costura urbana
que pudesse fazer a transição entre esses tecidos, nem mesmo de usos. Macau é
um pouco mais complexo nesse sentido porque tem essas afluências económicas de
outra ordem", disse.
A
China estabeleceu Macau como a sua plataforma para o reforço da cooperação
económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003, ano em que
criou o Fórum Macau, que reúne ao nível ministerial de três em três anos. A
mais recente conferência ministerial realizou-se em outubro.
ISG//
APN
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