27
de Agosto de 1975. O governador Lemos Pires e
os restantes membros da administração colonial portuguesa em Timor Leste vêm-se
na contingência de abandonar a capital, Dili, e a refugiarem-se na ilha de Ataúro, a 25 km
ao largo. No território e desde meados desse mês de Agosto havia-se
desencadeado uma guerra civil entre a Fretilin e a UDT, a que as autoridades
portuguesas se haviam visto impotentes para pôr cobro. A grande maioria dos
militares, de recrutamento local, haviam aderido a uma ou outra facção. Em
circunstâncias normais, esta situação seria um escândalo, um vexame as
autoridades coloniais não disporem de meios para exercerem a sua autoridade
sequer e a terem de abandonar a sede do poder. Mas não no Portugal
revolucionário do Verão Quente de 1975, tão completamente absorvido pelas
prioridades do combate político que se travava na metrópole. Num vespertino
típico de então, a notícia era remetida para a última página (abaixo)
sendo redigida de uma forma muito mitigada.
«O
Governo de Timor transferiu-se à uma hora local de hoje de Dili para a ilha de
Ataúro, situada a cerca de 20 km da capital. Esta decisão, de acordo com um
comunicado da Presidência da República, deve-se "à necessidade localmente
sentida, de garantir a segurança do Governo, que constitui o sinal da
autoridade portuguesa em Timor". Para Ataúro embarcou também um
contingente militar constituído por 12 elementos do Exército, 27 da Armada e 64
paraquedistas. Esta transferência foi efectuada a bordo no navio
"macDili", no qual embarcou também a totalidade dos refugiados
metropolitanos. Antes de sair de Dili, o governador de Timor tomou ainda a
decisão de retirar dos hospitais da cidade os poucos médicos que ali
trabalhavam por razões de falta de segurança, dado que a Fretilin não concordou
em que aquela unidade hospitalar fosse considerada zona neutra.
Estas
medidas ocorreram no momento em que prosseguiam os bombardeamentos ao porto de
Dili, levados a cabo pela Fretilin, que continua envolvida em acesa confrontação
armada com a UDT.»
O
texto prossegue, referindo-se à partida de Almeida Santos (não como membro do
governo, do qual não fazia parte, mas apenas como «enviado especial do
presidente Costa Gomes») para negociar com os movimentos desavindos, referindo-se
finalmente a um apelo de Kurt Waldheim, o secretário-geral da ONU, que,
como acontece com 99,9% dos apelos daquele género, foi olimpicamente ignorado.
Quanto às questões substantivas, aos meios que o governador se desesperaria de
pedir, para reforçar a parca centena (ou pouco mais) de militares
metropolitanos em que se poderia apoiar para reequilibrar a situação no
território, aí o comunicado da Presidência da República destaca-se
por não se comprometer absolutamente nada.
E
a razão para tal perceber-se-á quando se olha para a página oposta (a primeira)
daquela mesma edição, onde os destaques vão todos para a confrontação
político-militar na metrópole. Há um braço de ferro intenso entre as
três facções político militares (Alterações Importantes nas Estruturas do Poder são prometidas
para breve). O sector comunista gonçalvista tivera que sacrificar uma das suas
pontas de lança da doutrinação das massas, a 5ª Divisão, os elementos
desta resistiram, e a aplicação da medida foi realizada a toque de caixa ("Comandos"
ocupam a 5ª Divisão). A esquerda comunista (PCP e satélites) e alguma extrema
esquerda (MES, PRP, LUAR) dispõem-se a vir para a rua apoiar as respectivas
facções político-militares que parecem estar a perder o poder nos bastidores (Frente
de Esquerda mostra a sua força). E porque uma revolução também se faz com intelectuais,
o jornal prometia para o dia seguinte uma dissertação do ministro Macaísta
Malheiros: "Revolução cultural para acabar com os padrões de consumo das
sociedades capitalistas". Perante este cenário e o axioma Nem mais um
soldado para as colónias que auxílio poderia Lemos Pires receber?
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