Díli, 28 ago 2020 (Lusa) -
Timor-Leste está a ver nascer uma "epidemia" de doenças sexualmente
transmissíveis, especialmente HIV e sífilis, mas há ainda "uma janela de
oportunidade" para, com políticas adequadas, mitigar e controlar a sua
progressão, segundo um estudo divulgado hoje.
"Os decisores e planeadores
têm que garantir programas inovadores fortes, estratégicos para aumentar a
prevenção, além do atual programa de testar e tratar", refere-se no estudo
ao qual a Lusa teve acesso.
"Isto requer também políticas
progressivas -- como preservativos -- para todos e não apenas para populações
alvo", aponta-se.
Desenvolvido em colaboração entre
o Ministério da Saúde timorense e a Organização Mundial de Saúde (OMS), o
estudo baseia-se num inquérito e análise conduzida entre novembro de 2018 e
março de 2019, com o maior número de locais de vigilância sentinela de sempre.
O estudo recolheu dados e
inquéritos em seis municípios do país, junto de populações alvo, nomeadamente
pacientes de clínicas que tratam doenças sexualmente transmissíveis (DST) e
prestam cuidados pré-natais, forças 'em uniforme', trabalhadores sexuais,
homossexuais e transgéneros e doentes com tuberculose.
Os dados mostram um "forte
aumento" na prevalência tanto de HIV como de sífilis, devido a um aumento
no comportamento de risco das populações alvo analisadas.
Em termos gerais, o estudo mostra
que desde 2013 a
prevalência de HIV e sífilis aumentou de 0,04% para 0,3% entre pessoas que
visitam clínicas de cuidados pré-natais e cresceu de 0,37% para 3,1% entre
pacientes de clínicas nas quais se tratam doenças sexualmente transmissíveis.
No caso da população com
tuberculose, outro dos grupos alvo analisados, a prevalência aumentou de 0,38%
para 1,1% no mesmo período.
No caso do HIV, o estudo mostra uma
prevalência de 0,3% entre mais de 3.446 testes conduzidos em clínicas
pré-natais, valor que subiu para 3,1% no caso da amostra de pacientes das
clínicas de DST e que rondou os 1,1% entre doentes com tuberculose.
No caso de inquiridos 'em
uniforme' a prevalência foi de 0,7%, atingindo os 1,2% entre trabalhadores
sexuais e respetivamente de 1,2 e 1,3% entre homossexuais e transgéneros.
As percentagens foram maiores no
que toca à sífilis, com uma prevalência a atingir os 8,3% entre pacientes de
DST, os 7% entre pessoas 'em uniforme'.
Além da prevalência das doenças,
o estudo olhou para comportamentos sexuais dos inquiridos, com mulheres
trabalhadoras sexuais a reportarem que usam preservativo apenas em 70% dos
casos com clientes e apenas 20% com os seus parceiros regulares.
Mais de 8% destas mulheres
reportam terem sido alvo de violência no último ano.
Entre homens homossexuais, o
estudo aponta "um baixo uso de preservativos" -- de apenas 38% -, com
cerca de 50% a explicarem ter recebido dinheiro a troco de sexo e 6% a
reportarem ter sido alvo de violência.
Apesar de algumas melhorias nos
últimos anos, as questões sexuais são ainda um assunto quase tabu em
Timor-Leste, onde as tradições e a religião travam muitas das ações de
prevenção, como saúde sexual ou até a distribuição de métodos de proteção, como
preservativos.
A própria Comissão Nacional de
Luta Contra a SIDA (CNCS), liderada por um pastor protestante, é acusada de
políticas desadequadas, não promovendo o uso de preservativos por toda a
população, visando apenas populações consideradas de risco ou doentes já
seropositivos.
Daniel Marçal, responsável da
comissão, já afirmou publicamente que a dança angolana quizomba, uma das mais
populares no país asiático, "estraga o futuro dos jovens" que a
praticam.
Uma deputada do CNRT, Bendita
Moniz Magno, chegou no passado a afirmar que a rede social Facebook está a
contribuir para o aumento da sida em Timor-Leste porque permite mais contactos
entre os jovens.
Mais do que posturas
conservadoras, críticos apontam o facto da CNCS ter deixado de fazer a
recomendação do uso de preservativos, optando por medidas de promoção do
"autocontrolo".
Esta postura é criticada por
funcionários do setor da saúde e representantes de algumas organizações da
sociedade civil que apontam para o aumento de doenças de transmissão sexual,
incluindo hepatites, e para a falta de programas adequados de prevenção.
Questionado sobre a alteração da
política, Daniel Marçal explicou que se trata de "uma mudança de
método", que pretende "mudar mentalidades e hábitos" e não
"estimular o pecado do sexo livre".
Posturas conservadoras levam a
que muitos jovens não tenham sequer a mínima informação sobre saúde sexual e
que muitas mulheres tenham de procurar de forma escondida acesso a métodos de
contraceção.
A crescente mobilidade económica
da população implica que o acesso a trabalhadores sexuais, tanto em Timor-Leste
como no estrangeiro, fez aumentar os riscos de DST.
Jovens, muitas vezes, admitem não
ter conhecimentos sobre reprodução -- sabem que estão grávidas numa fase avançada
da gravidez -, com o poder masculino dominante na sociedade a 'obrigar' muitas
vezes a mulher a ter relações sem qualquer proteção.
ASP // JMC
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