Díli,
07 fev (Lusa) - A ex-ministra da Justiça timorense Lúcia Lobato afirmou hoje
que o Ministério Público deve investigar várias alegações feitas por Xanana
Gusmão sobre supostas irregularidades cometidas pelos responsáveis máximos da
justiça em Timor-Leste.
Lúcia
Lobato comentou assim, em declarações à Lusa, o conteúdo de uma carta aberta
que Xanana Gusmão endereçou à ex-ministra das Finanças, Emília Pires, depois da
condenação desta, a sete anos de prisão, por participação económica em negócio.
"Há
factos que Xanana aponta na carta que merecem ser investigados. Xanana Gusmão
mencionou a atitude dos dois líderes máximos da justiça no nosso país, o
presidente do Tribunal de Recurso e o procurador-geral", afirmou.
"São
indícios. Eu não acredito que o Xanana mencionaria o nome dos dois na carta se
não tivesse provas. O importante é saber como tomar medidas para investigar o
que se passou com esses dois doutores", considerou.
Na
carta, a que a Lusa teve acesso, Xanana Gusmão deixa duras críticas ao sistema
judicial timorense e faz acusações sobre alegados casos de abuso de fundos
públicos, sem apresentar, porém, informação concreta que os comprove.
Em
declarações à Lusa o Presidente do Tribunal de Recurso, Guilhermino Silva,
rejeitou as acusações de irregularidades, declarando ser "falso" que
tenha obtido dinheiro irregularmente.
"Eu
ainda não vi a carta. Não a vi, mas não é verdadeiro que tenha feito
isso", afirmou Guilhermino da Silva. O procurador-geral, José Ximenes,
recusou comentar.
Lúcia
Lobato considera a carta uma forma política de Xanana Gusmão "dar a
conhecer a toda a sociedade a situação atual de Timor-Leste".
"Fala-se
de abuso de poder por parte dos órgãos judiciais, fala-se de alguns contratos
feitos no Governo anterior que padecem também de abuso de poderes. Há várias
questões a ser investigadas sobre as quais não há coragem de investigar",
afirmou Lobato.
"A
corrupção não só pertence aos políticos, ao executivo, mas também aos autores
judiciais e a outras camadas da sociedade do nosso país", defende.
Lúcia
Lobato foi condenada em 2012 a cinco anos de prisão por participação económica
em negócio por prejuízo ao Estado timorense de 4.200 dólares (3.916 euros),
tendo recebido a 30 de agosto de 2014 um indulto do Presidente Taur Matan Ruak.
O
seu caso, que envolveu vários magistrados portugueses, suscitou ampla
controvérsia e levou Lobato a apresentar queixas contra o Estado português
devido à forma como o seu processo foi tratado.
A
polémica do caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português que
anulou uma pena de 40 dias de suspensão que o Conselho Superior da Magistratura
(CSM) tinha aplicado à juíza Margarida Veloso, uma antiga inspetora judicial em
Timor-Leste que denunciou e acusou dois colegas portugueses de manipular e
influenciar o processo judicial que levou à condenação a uma pena de prisão de
Lúcia Lobato.
"O
processo-crime que culminou na condenação da antiga ministra da Justiça de
Timor-Leste, Lúcia Lobato, está repleto de vícios, ilegalidades e violações dos
mais elementares princípios do direito processual penal e das garantias do
arguido", refere o acórdão do STJ.
O
acórdão refere-se mesmo a "uma espécie de justiça de gamela"
envolvendo os magistrados portugueses, que "é pura e simplesmente
inadmissível num Estado que se quer de Direito e de Direito democrático".
Queixas
sobre várias irregularidades marcaram igualmente o processo da ex-ministra das
Finanças, Emília Pires, e da ex-vice-ministra da Saúde, Madalena Hanjam,
condenadas a sete e quatro anos de prisão por participação económica em
negócio, sentença que foi recorrida pela defesa e Ministério Público.
Questionada
sobre se os timorenses podem ou não confiar na justiça, Lúcia Lobato diz que é
necessária uma "investigação profunda" para evitar que "cada um
comece a fazer a sua própria justiça", já que os tribunais "não estão
a atuar de forma em que a lei é aplicada para todos e com rigor".
"É
muito triste ver o país, especificamente o setor da justiça chegar a este
ponto. Mas ainda mais triste porque o próprio Estado não fez nada para corrigir
os erros feitos, do PR, até aos mais pequenos, todos falam, todos reconhecem
que o setor está em crise, mas nada se fez", afirmou.
Não
poupa ainda Xanana Gusmão das críticas que foi primeiro-ministro, sem ter
tomado medidas concretas para reforçar o sistema judicial.
ASP
// FV.
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