Díli,
13 fev (Lusa) - A diretora geral dos impostos timorense confirmou hoje as
falhas do sistema de recolha de receitas tributárias provenientes da exploração
petrolífera que permitiram que o Estado fosse enganado em milhões de dólares
por um consultor internacional.
Mónica
Rangel falava na segunda sessão do julgamento de um casal de portugueses
acusado de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental por um
alegado conluio para defraudar Timor-Leste em 860 mil dólares.
Segundo
o Ministério Público (MP) timorense, Tiago e Fong Fong Guerra terão concertado
o alegado desvio dos fundos - provenientes de impostos cobrados a empresas
petrolíferas - com o consultor americano Bobby Boyle.
Hoje,
como ocorreu no arranque do julgamento a 28 de fevereiro, a testemunha voltou a
dizer que não conhecia qualquer ligação entre o casal português e Bobby Boyle,
com a quase totalidade das perguntas do Ministério Público a centrarem-se no
consultor americano.
Rangel
disse apenas que conhecia a empresa Olive Unipessoal, propriedade de Tiago
Guerra, que estava registada em Timor-Leste e que pagou "poucos
impostos", não tendo sido detetada qualquer irregularidade tributária na
empresa.
A
responsável voltou a confirmar as circunstâncias em que Boyle esteve ligado a
Timor-Leste, repetindo que o americano não era funcionário público e foi
contratado como consultor no âmbito de um protocolo de cooperação do Governo da
Noruega para apoiar Timor-Leste na recuperação de impostos devidos pelas
empresas petrolíferas.
Mais
tarde, em julho de 2011, foi contratado diretamente pela então ministra das
Finanças, Emília Pires, para exercer funções até final do ano, com um salário
mensal acrescido de um incentivo de 250 mil dólares.
Determinar
o estatuto de Boyle - e perceber se era ou não funcionário público - é
essencial para o processo, uma vez que o crime de peculato de que são acusados
os arguidos é exclusivo de funcionários públicos.
O
depoimento de Mónica Rangel ficou marcado por algumas contradições,
nomeadamente no que se refere ao valor de impostos em atraso provenientes da
empresa AS Geoconsulting (mais tarde absorvida pela DOF Subsea Norway SA) e que
Boyle terá desviado.
No
depoimento na fase de inquérito, Rangel disse que o valor em dívida era de 1,2
milhões de dólares, mas na audiência de hoje referiu-se a 975 mil dólares, dos
quais 145 mil dólares foram pagos para a conta do Fundo Petrolífero.
A
defesa questionou a testemunha sobre a contradição - referindo não entender a
que se deve o cálculo dos 860 mil alegadamente desviados por Boyle -, tendo
Mónica Rangel admitido que corrigiu o valor em dívida depois de "comprovar
os dados no sistema".
Respondendo
em repetidas ocasiões não ter conhecimento de vários aspetos do processo de
Boyle e das empresas em causa, Rangel chegou mesmo a ser confrontada com emails
que lhe foram endereçados por Boyle mas que admitiu não ter lido.
Um
deles, citado pela defesa, refere-se à empresa Olive Consultancy, detida por
Fong Fong Guerra em Macau, mas que no referido correio eletrónico é dada como
tendo uma direção postal em Timor-Leste.
A
defesa questionou a testemunha sobre se não achou "estranho" que uma
empresa com sede em Macau tivesse uma direção em Timor-Leste, "ainda para
mais a direção pessoal" de Boyle, algo que Rangel admitiu não ter
averiguado.
Mónica
Rangel admitiu que, numa situação normal, as empresas pagam os impostos
petrolíferos diretamente na conta do Fundo Petrolífero, junto da Reserva
Federal nos Estados Unidos, explicando não saber o que aconteceu ao resto do
dinheiro desviado.
O
coletivo de juízes quis saber as falhas do sistema de impostos que durante seis
anos, entre 2004 e 2010, não fez qualquer liquidação às empresas AS Geoconsultating
e DOF Subsea Norway SA.
"Como
é que isto pode acontecer", questionou a juíza, tendo a testemunha
afirmado que desconhecia a situação.
Rangel
admitiu ainda que necessita de ser revisto o procedimento pelo qual são feitas
as negociações das petrolíferas com os consultores, como ocorreu com Boyle, em
que houve correios diretos entre as partes sem que os superiores timorenses
tivessem conhecimento.
"Eles
fazem essa comunicação direta sem nos informar. É um falhanço de comunicação e
um procedimento que temos de melhorar", disse.
O
julgamento continua com o testemunho de Câncio Oliveira, que foi diretor geral
de receitas e alfândegas entre 2009 e 2012.
ASP
// MP
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