sexta-feira, 28 de março de 2025

BUI-LESA: A FORÇA DE UMA MULHER NA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA

Lourdes do Rêgo | Diligente 

Bui-Lesa, um nome que ecoa na história da resistência timorense, representa a força inabalável das mulheres na luta pela independência. Desde tenra idade, enfrentou os horrores da guerra, desafiando o medo e a opressão. O seu legado é um testemunho da coragem feminina na construção da liberdade.

Ana Senhorinha Alves da Silva, conhecida como Bui-Lesa, é uma mulher destemida. Desde a adolescência, dedicou-se à luta pela independência de Timor-Leste, enfrentando os horrores da guerra com coragem inabalável. Além de combatente, desempenhou um papel essencial em funções de apoio estratégico, demonstrando a força das mulheres na resistência. A sua trajetória representa a contribuição fundamental das mulheres na busca pela liberdade e na garantia de direitos fundamentais, frequentemente negados.

Nascida a 12 de fevereiro de 1965, filha de Sebastião Alves e Miranda Olinda Alves da Silva, Bui-Lesa é a terceira de cinco irmãos, quatro mulheres e um homem.

Aos 13 anos, começou a envolver-se na luta pela independência de Timor-Leste, particularmente através da sua participação na Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN). O seu envolvimento não se limitava à educação, mas também procurava fortalecer o seu espírito de resistência pela liberdade e autodeterminação do seu país. Desde tenra idade, o seu compromisso com a causa e a determinação em contribuir para a mudança foram evidentes. A sua adesão à FRETILIN e a experiência na luta moldaram a sua compreensão da realidade política e das formas pelas quais poderia contribuir para um futuro mais justo.

Como se envolveu na luta?

Envolvi-me na luta através das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL) quando tinha apenas 13 anos. Em 1978, quando o inimigo [as forças indonésias] atacou, toda a população fugiu para o monte Matebian. Permanecemos lá por algumas semanas, até que o local foi bombardeado e muitas pessoas perderam a vida. Foi um período de medo e trauma, mas o facto de estar com toda a minha família ajudou-me a manter a coragem.

Quando soubemos que o inimigo iria queimar a área, os líderes das FALINTIL aconselharam a população a render-se para evitar mais vítimas, enquanto eles continuavam a lutar. Foi nesse momento que me separei da minha família. O meu irmão mais novo perdeu-se de nós, e os meus pais, junto com duas das minhas irmãs, foram procurá-lo. Eu e a minha segunda irmã mais velha, que acabou por se render anos depois, ficámos sob a proteção de um membro das FALINTIL para continuarmos a luta.

Foi uma separação difícil, mas não havia alternativa. O meu pai deixou-nos um conselho ao partir:  “Levem-nas convosco. Se morrerem, se ficarem feridas ou se sobreviverem, devem estar sempre juntas, mas não as deixem render-se.”

A partir desse momento, esforcei-me para resistir, fortalecendo-me e seguindo o caminho da luta pela liberdade. Apesar das ameaças, continuei, porque sabia que estávamos a lutar não só pela libertação da nossa terra, mas também para garantir os direitos das mulheres, frequentemente negligenciados.

Quais foram os papéis importantes desempenhados pelas mulheres na guerra?

Naquela época, todas as pessoas, homens e mulheres, tinham papéis fundamentais na luta. No entanto, algumas funções eram mais frequentemente atribuídas às mulheres, como cozinhar, costurar, ajudar no transporte de equipamentos e infiltrar-se para recolher informações.

Além disso, as mulheres desempenharam um papel importante na segurança, mesmo quando só tínhamos pedras como armas. Enfrentámos desafios tanto por causa da guerra como das limitações impostas às mulheres no ambiente militar. No entanto, demonstrámos coragem e contribuímos para a resistência.

Muitas mulheres estiveram na linha da frente, ao lado dos homens, lutando com armas, transportando suprimentos, servindo como mensageiras e protegendo civis. Também tiveram um papel crucial na logística, na assistência médica improvisada e no fornecimento de informações estratégicas.

Como era a rotina durante a guerra?

Em 1980, Xanana Gusmão e outros líderes, como Kalisa e Ologari, organizaram uma reunião para estruturar o comando e distribuir funções. Cada pessoa foi designada conforme as suas capacidades. Eu fui escolhida como assistente na unidade Tuba-Rai, liderada pelo comandante Moisés Kina e pelo vice-comandante Nokodara.

Antes de me juntar à resistência armada, tinha estudado em Viqueque, no posto administrativo de Watulari, o que me permitia ler e escrever. Assim, integrei um grupo de companheiros que ensinava aqueles que ainda não sabiam ler. Usávamos folhas de palmeira e pequenos pedaços de madeira para escrever. Além da alfabetização, estudávamos conceitos políticos básicos, partilhando conhecimentos para fortalecer a luta.

Houve algum momento em que sentiu vontade de se render?

Pensei em desistir, mas nunca o fiz. Durante quase toda a minha vida, vivi desta forma. Muitas vezes, debaixo das árvores, refletia sobre quando a guerra chegaria ao fim. Se tivesse de morrer, estava preparada, mas render-me? Nunca.

Sempre me agarrei às palavras do meu pai: “Se morrermos, morremos com as FALINTIL. Mas render-nos? Nunca! “O nosso objetivo era claro: garantir que as mulheres combatentes vissem os seus direitos reconhecidos. Se nos sacrificássemos, que fosse por um resultado que valesse a pena.

Quando me infiltrei em Watulari, na aldeia de Makadiki, encontrei uma madre da congregação SSPS, cuja comunidade também existia na Indonésia. A certa altura, pediu-me que a acompanhasse até Atambua, garantindo que só regressaríamos quando a guerra terminasse. Via o sofrimento das mulheres combatentes dos Falintil na floresta e queria proteger-me.

Mas recusei. Respondi que permaneceria ali, a lutar ao lado dos meus companheiros.

Como era ser mulher no meio militar? Enfrentou desafios específicos?

Ser mulher no meio militar era extremamente difícil. Eu era ainda uma menina e não compreendia bem o que era a menstruação. O acesso a roupa interior era um problema. Tínhamos de recolher restos de tecido deixados pelos homens para costurar a nossa própria roupa. Além disso, lavar a roupa era um desafio, pois tinha de ser feito às escondidas.

Durante uma operação em Kribas, sob ordens de Xanana Gusmão, comunicávamos com a população através de sinais: incendiávamos casas e disparávamos contra animais para avisar a chegada dos FALINTIL. Foi um momento intenso.

O mais doloroso era ver as nossas mulheres tornarem-se vítimas de violência sexual e exploração. O sofrimento era insuportável. Muitas vezes, parecia preferível morrer a continuar a viver com aquela dor.

Como era a comunicação com a sua família?

Soube da morte do meu pai através dos companheiros que participaram na operação. Foi um momento de profunda tristeza, mas a luta tinha de continuar.

Em 1990, consegui enviar uma carta para saber notícias da minha família. Foi assim que soube que o meu irmão mais novo tinha conseguido concluir os estudos e que a minha mãe e as minhas irmãs estavam bem. A minha irmã mais velha, que tinha fugido com os sogros, já tinha tido um filho. Essas notícias deram-me forças para continuar.

Teve alguma missão que marcou sua trajetória?

As mulheres também participaram nas operações, juntamente com os homens, sendo designadas para diferentes funções. Algumas foram escolhidas para permanecer na retaguarda, enquanto outras tinham a missão de recolher materiais essenciais. Sempre que um ataque era realizado num determinado local, eram as mulheres que entravam para recuperar os itens necessários à resistência.

Relativamente às operações, também participei, juntamente com os homens, incluindo Falur Rate Laek, em atividades clandestinas em Watulari. Naquela região, a população vivia com medo, pois muitas famílias já tinham sido vítimas da repressão. Por isso, continuamos a recomendar ao governo que considere esse aspeto.

Depois da independência, que mudanças espera para as mulheres em Timor-Leste?

Atualmente, vemos mais mulheres a assumir cargos importantes, mas muitas ainda vivem sem acesso pleno aos seus direitos. A luta pela igualdade continua. A crescente participação feminina na política e na sociedade demonstra que as mulheres têm um papel essencial no desenvolvimento do país.

 

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