domingo, 27 de abril de 2025

Timor | QUANDO A LIBERDADE DÁ LUGAR À CENSURA POR "DONOS DA DEMOCRACIA"*

SECOMS acusado de censura ao travar perguntas a Xanana Gusmão

O Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Ximenes, impediu jornalistas de fazer perguntas a Xanana Gusmão no Aeroporto de Díli. A atitude gerou acusações de censura e críticas de jornalistas, da AJTL e do Conselho de Imprensa. O caso reacende alertas sobre a liberdade de imprensa em Timor-Leste.

No dia 24 de abril, o Primeiro-Ministro (PM) Xanana Gusmão regressou a Timor-Leste. Um grupo de jornalistas aguardava a sua chegada ao Aeroporto Internacional Nicolau Lobato, em Díli, com o objetivo de abordar alguns temas de interesse público.

Após algumas declarações iniciais do Primeiro-Ministro, os jornalistas tentaram colocar novas perguntas. Contudo, o Secretário de Estado da Comunicação Social (SECOMS), Expedito Dias Ximenes, interveio, levantando a mão como sinal de que não seriam permitidas mais questões. Repetiu várias vezes: “Não há perguntas, não há perguntas, não há perguntas”.

A atitude do SECOMS foi alvo de críticas por parte de profissionais da comunicação social e gerou diversas reações nas redes sociais, nomeadamente no Facebook.

De acordo com o jornalista Domingos Javelino, do Smnewstimor, presente no local, muitos jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social tinham recebido a agenda que indicava a chegada do PM por volta das 13 horas, no voo da companhia Aero Díli. No entanto, cerca de uma hora antes da chegada de Xanana Gusmão, Expedito Dias Ximenes aproximou-se dos jornalistas para informar que a viagem do PM era de caráter privado.

“Claro que a viagem do Primeiro-Ministro foi privada, mas recebemos o convite do assessor do SECOMS, que disse que quem quisesse entrevistar o Primeiro-Ministro sobre a morte do Santo Padre podia ir ao aeroporto. Foi com base nisso que decidimos estar presentes”, explicou Javelino.

Segundo o jornalista, ainda no aeroporto, o SECOMS voltou a reforçar que os jornalistas não podiam fazer a cobertura, insistindo no caráter privado da deslocação. “Após uma breve discussão, o Secretário de Estado sugeriu que fôssemos para o Largo de Lecidere, para onde o Primeiro-Ministro se deslocaria a seguir. Não acreditámos nessa informação e permanecemos no local, junto à porta da zona VIP, à espera para entrevistar o Primeiro-Ministro”, relatou.

Javelino contou que conseguiu fazer uma pergunta ao Chefe do Governo sobre a sua mensagem relativamente ao falecimento do Papa, à qual Xanana respondeu durante cerca de sete minutos. “Tinha preparado mais cinco perguntas sobre o mesmo tema, mas só consegui fazer a primeira. Foi nesse momento que o SECOMS interveio, como se vê no vídeo que anda a circular”, referiu.

Na opinião do jornalista, a atitude de Expedito Ximenes constitui uma violação do Código de Ética Jornalística e também de dispositivos constitucionais nos artigos 41.º e 42.º, que garantem a liberdade de expressão e de imprensa. “A presença do SECOMS ali foi enquanto membro do Governo, não como parte do protocolo, nem como assessor de imprensa. O Secretário de Estado não tem autoridade para impedir o trabalho dos jornalistas”, afirmou.

Javelino acrescentou ainda que esta não foi uma situação isolada. “Muitas vezes, o Secretário de Estado obstrói o trabalho dos jornalistas, sobretudo nas entrevistas com o Primeiro-Ministro. Quando fica atrás do PM numa entrevista, faz sinais para encerrarmos a conversa”, testemunhou.

Jornalistas denunciam limitações à liberdade de imprensa

Para a Presidente da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), Zevónia Vieira, a atuação de Expedito Dias Ximenes limitou o acesso dos jornalistas à informação. Segundo a dirigente, esta prática é recorrente, dificulta o trabalho da imprensa e restringe o espaço cívico da população para acompanhar os serviços do Governo.

“Sabemos que o senhor Expedito também foi jornalista e membro do Conselho de Imprensa. por isso que os jornalistas desconfiam. Ele não dá importância ao interesse público e não oferece espaço aos media para confirmar a informação”, criticou.

Zevónia Vieira considerou que estas práticas representam uma ameaça à liberdade de imprensa, especialmente com a aproximação do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado a 3 de maio. “O ranking mantém-se ou até piora por causa destas atitudes”, lamentou.

Segundo o relatório da Repórteres Sem Fronteiras, divulgado a 3 de maio do ano passado, Timor-Leste ocupa o 20.º lugar entre 180 países no ranking mundial da liberdade de imprensa.

A presidente da AJTL reafirmou a missão da organização de promover o respeito pelos jornalistas e de defender a liberdade de imprensa e de expressão em Timor-Leste. Referiu ainda que têm utilizado as redes sociais para campanhas de sensibilização sobre o papel dos media. “No entanto, a AJTL não pode agir sozinha. O Conselho de Imprensa tem de se posicionar, porque é um órgão fundamental para qualquer associação. Nos últimos anos, infelizmente, o CI mantém-se em silêncio. Porquê?”, questionou.

Zevónia Vieira sublinhou que é essencial a união entre associações e jornalistas para combater a discriminação e as violações nas plataformas digitais. “Em Timor-Leste, a maioria da população utiliza estas plataformas. Se publicarmos críticas ou sugestões, há uma grande reação. Isto pode ajudar a mudar mentalidades”, enfatizou.

Conselho de Imprensa também critica atuação do SECOMS

Francisco Simões, representante dos jornalistas no Conselho de Imprensa, considerou que a atitude do SECOMS demonstrou “falta de respeito” tanto pelo papel do jornalista como pelas funções institucionais que desempenha.

“O Secretário de Estado esqueceu-se não só do respeito devido aos jornalistas como também das suas próprias funções institucionais”, afirmou.

Simões considerou ainda que, pelas imagens divulgadas, o governante agiu mais como “media officer do Primeiro-Ministro” do que como representante de uma instituição pública. “Se quiser continuar com esse tipo de atuação, talvez deva candidatar-se ao cargo de media officer. Considero que o Secretário de Estado não tem o conhecimento nem a preparação necessária para assumir a pasta, 

Diligente | Imagem: “No mundo do jornalismo, quando alguém entrega apenas uma mensagem, não há necessidade de fazer mais perguntas”/ Foto:DR

* Título TA

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