Antigo
embaixador de Suharto ficou com a bandeira depois da invasão da Indónesia. E
construiu-lhe um altar.
A
última bandeira portuguesa a ser arriada em Timor-Leste (em Dezembro de 1975,
já depois da invasão indonésia) está na posse do embaixador Francisco Lopes da
Cruz, na sua residência em
Jacarta. Estrénuo defensor da integração de Timor na
Indonésia, foi dos que mais deram a cara contra a resistência timorense e o seu
projecto de autodeterminação e independência. Sob a ocupação militar, foi
embaixador itinerante do regime de Jacarta e conselheiro especial do Presidente
Suharto, o ditador que governou a Indonésia durante 31 anos.
Na
semana passada, o Expresso publicou uma reportagem sobre as últimas bandeiras
do império, arriadas há 40 anos durante a descolonização. Dos seis estandartes
em causa, só faltou a que estivera em Timor, mas que entretanto foi localizada.
Foi arriada não em Díli, mas na ilha de Ataúro — “o último reduto do Governo
português”—, como conta ao Expresso Lopes da Cruz, de 74 anos.
Em
Agosto de 1975 iniciou-se uma autêntica guerra civil, opondo a União
Democrática Timorense (UDT) e a Frente Revolucionária de Timor-Leste
Independente (Fretilin). A intensidade do conflito em Díli levou o último governador
português, Lemos Pires, e toda a guarnição militar a retirarem-se para a ilha
de Ataúro. Deixaram a capital a 26 de Agosto, mas a bandeira permaneceu no topo
do Palácio das Repartições.
A
bandeira desaparecida
Objecto
de uma intensa carga simbólica em Timor, a bandeira lá continuou, a lembrar que
o território ainda estava sob administração portuguesa. Sentindo-se vencedora
da guerra, a 28 de Novembro a Fretilin proclamou unilateralmente a
independência de Timor-Leste. Nesse dia a bandeira das quinas foi retirada do
mastro do palácio de Díli e substituída pela de Timor-Leste.
Nem
o ex-Presidente da República Ramos-Horta, nem Lopes da Cruz sabem quem arriou a
bandeira verde-rubra, nem o destino que lhe foi dado. “Deve estar com os
dirigentes da Fretilin, que foi quem proclamou a independência”, diz o
embaixador.
Em
Ataúro, porém, a bandeira lusa continuou a flutuar mais uns dias, resistindo à
independência e aos primeiros dias da invasão militar pela Indonésia,
desencadeada a 7 de Dezembro.
Consumada
a ocupação, foi finalmente retirada, em dia indeterminado, “com todas as honras
militares prestadas por tropas indonésias e por um pelotão de tropas
portuguesas-timorenses, creio que sob o comando do alferes David Ximenes”. Para
o seu lugar subiu o estandarte indonésio. Guilherme de Sousa, delegado da UDT
na ilha e professor primário, e o chefe de posto, Luís Amaral, pediram-na aos
militares indonésios. Pedido satisfeito, foi levada para Díli “por uma
delegação da UDT, de barcaça, escoltada por tropas indonésias”, e entregue a
Lopes da Cruz, um dos dirigentes do partido, que a guardou.
Em
1982, quando trocou Díli por Jacarta, levou-a consigo. Perante as “pressões”
para que a depositasse num museu ou no Arquivo Nacional, colocou a questão ao
Presidente Suharto, de que passara a ser conselheiro especial. “Ele concordou
que eu ficasse com ela como uma relíquia e ofereceu-me uma mala especial, com
as insígnias do Palácio do Presidente da República da Indonésia.”
Conserva-a
na casa de Jacarta. “Sendo uma relíquia, guardo-a religiosamente num quartinho
especial”, junto à mala oferecida por Suharto sob a protecção de uma cruz de
Cristo.
Com
cerca de um metro de altura, o crucifixo foi adquirido em Fátima, quando
visitou o santuário a 13 de maio de 1994. O embaixador timorense já tratou de
tudo para voltar a Fátima em 2017, para o centenário das aparições, a ser
presidido pelo Papa — “que se chama Francisco como eu...”
SAPO TL com
Expresso - Foto: Yoppi Pieter/4SEE
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