Hong
Kong, China, 28 mar (Lusa) -- Um documentário que parte da história de abuso à
empregada doméstica indonésia Erwiana Sulistyaningsih, em Hong Kong, para
abordar o tema da exploração destas mulheres na cidade estreou no domingo na
City University e inicia agora uma 'tour' internacional.
"Este
filme não é apenas sobre Erwiana e o caso de Erwiana não é o único", disse
o realizador Gabriel Ordaz, citado pelo jornal South China Morning Post (SCMP).
Ordaz
chegou a Hong Kong em 2010, vindo dos Estados Unidos, e começou a filmar
"Erwiana: Justice For All" em dezembro de 2013.
"Neste
momento há provavelmente alguém, nalguma casa, a sofrer com as mesmas coisas
que a Erwiana sofreu. É por isso que gostava de divulgar esta mensagem",
explicou.
O
documentário de 90 minutos, que inclui imagens dos ferimentos de Erwiana,
contam como a jovem veio para Hong Kong em 2013 como empregada doméstica, na
esperança de ganhar dinheiro para financiar estudos. Acabou por ser agredida e
torturada pela antiga patroa, Law Wan-tung, durante oito meses, pediu ajuda à
sua agência de emprego, mas acabou por ser enviada de volta para a casa da
atacante.
O
documentário mostra ainda o processo de publicitação do caso e a batalha legal
que Erwiana e outras mulheres travaram, terminando na condenação de Law a seis
anos de prisão.
"Depois
de ver este filme, chorei várias vezes", disse Erwiana, após a exibição do
documentário, considerando que, dois anos após o seu caso, "as condições
das empregadas domésticas internas em Hong Kong não mudaram muito".
O
filme relata também as histórias de outras empregadas domésticas vítimas de
abuso, incluindo uma que tinha de trabalhar todos os dias das 06:00 à
meia-noite e era repetidamente esbofeteada e até chicoteada pela empregadora.
Vários
académicos entrevistados para o filme descreveram a situação destas
trabalhadoras como "escravatura dos tempos modernos" e concluíram que
os dirigentes de Hong Kong e dos países de origem das empregadas não estão
disponíveis para tentar mudar a situação, já que há muito dinheiro envolvido no
negócio das domésticas.
Sringatin,
porta-voz do órgão coordenador dos Migrantes Asiáticos, que organizou a
exibição do filme, disse que o grupo queria mostrar que, até com o mediático
caso de Erwiana, nada mudou aos olhos do Governo.
O
grupo sublinhou políticas problemáticas como a obrigatoriedade de as empregadas
viverem com os empregadores, excluindo-as de serem abrangidas por um salário
mínimo e obrigando-as a regressar aos seus países de origem quando os contratos
são prematuramente terminados, ao invés de lhes permitirem ficar em Hong Kong
para procurar um novo emprego.
"Não
nos podemos calar. O Governo tem de ter vontade política para mudar",
disse Sringatin, citada pelo SCMP.
Segundo
Ordaz, o filme vai voltar a ser mostrado na cidade, agora na Universidade de
Hong Kong, partindo depois para festivais no Canadá, Estados Unidos e Europa
antes de ser colocado no YouTube ou na Netflix.
Segundo
um estudo apresentado este mês por uma organização não-governamental, uma em
cada seis empregadas domésticas em Hong Kong está sujeita a trabalho forçado,
trabalhando em média 71 horas por semana, nalguns casos mais de 15 horas por
dia.
Realizado
pelo Justice Centre Hong Kong, o estudo entrevistou mil trabalhadores
domésticos migrantes e conclui que 13% dos entrevistados trabalhavam 15 ou mais
horas por dia e 7,7% eram acordados durante a noite para trabalhar.
Mesmo
nos dias de descanso, 35% tinham de realizar algum trabalho, enquanto 4,5% não
usufruíam de dia de descanso.
Dos
que se enquadravam na categoria de trabalho forçado, 14% eram vítimas de
tráfico. Apenas 5,4% não mostraram sinais de exploração laboral.
Para
melhorar as condições destes trabalhadores, o Justice Centre Hong Kong
recomenda o fim da obrigatoriedade de as empregadas domésticas viverem com os
patrões e a abolição da "regra das duas semanas", que obriga à saída
do território 15 dias após o término dos seus contratos.
Na
apresentação do estudo, a coautora Victoria Wisniewski Otero disse que a
resposta do governo local tem-se pautado, em grande parte, pela negação do
problema.
Victoria
Wisniewski Otero recordou o caso de Erwiana Sulistyaningsih e Eni Lestari, do
Asian Migrant's Coordinating Body (AMCB), acrescentou que o facto de a
empregadora ter sido condenada por seis anos apenas "é porque Hong Kong
não tem sequer uma lei para proteger as empregadas domésticas de trabalhos
forçados e tráfico humano".
Hong
Kong tem uma das mais altas taxas de trabalhadores domésticos migrantes do
mundo, com 336 mil registados, a maioria mulheres oriundas das Filipinas e
Indonésia. São 4,4% da população e a 10% da população ativa.
ISG
(FV) // MP
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