Jacarta,
05 set (Lusa) - A timorense Eufrasia Monteiro Vieira transformou, com o apoio
do cineasta indonésio Les D. Soeriapoetra, as memórias de quando cresceu num
país em conflito com as tropas invasoras indonésias no romance histórico
"Vittoria: Helena's Brown Box".
O
livro, lançado esta semana em Jacarta, conta uma história de amor fictícia
repassando vivências reais de Timor-Leste durante os 24 anos de ocupação
indonésia, algumas delas vividas pela própria autora e pela família.
"Eu
estava lá a enfrentar a realidade, com uma idade muito jovem de dez ou onze
anos (...) Eu e minha família passámos por momentos muito negros e
intensos", recordou a artista, que escreveu o romance para "tentar
comunicar e ajudar" outras famílias que passaram pelo mesmo.
Hoje,
Eufrasia Monteiro Vieira quer "ser capaz de dizer: algo pode parecer
escuro, impossível ou esmagador, mas a resistência e a força do espírito humano
são coisas extraordinárias".
A
timorense de 30 anos, que já fez trabalhos como modelo e como cantora em Tétum,
não quer abrir feridas, mas antes usá-las para transmitir uma "mensagem de
esperança para inspirar os outros" e para ter um "país melhor, um povo
melhor e um futuro melhor", disse, recordando o passado: "nós sempre
soubemos que havia uma hipótese [de vencer]".
Treze
anos após a declaração da independência do país, "muitos dos que foram
apanhados pelo conflito ainda estão a tentar curar-se", vincou, em
declarações à agência Lusa.
"Creio
que ninguém gosta de enfrentar este conflito. Um conflito leva sempre a
vingança e a ódio entre os povos. Preocupamo-nos com isso e queremos
inspirá-los (os povos dos dois países) com amor e perdão, para construir uma
vida melhor no futuro", corroborou Les D. Soeriapoetra.
O
livro conta a história de Helena, uma mulher que odeia a Indonésia, por os seus
pais terem sido assassinados nas mãos de uma milícia pró-Indonésia em 1975, e
que aprende a "controlar e a gerir a vingança e o ódio" com a ajuda
de um assistente da sua escola para crianças abandonadas, adiantou o autor.
Helena
apaixona-se e engravida de Andrea, um jornalista indonésio que, mais tarde,
três dias após o anúncio do referendo que ditou a independência de Timor-Leste,
tenta entrar no território para retirar Helena de lá, mas é apanhado na
armadilha do caos.
Todo
o enredo é contado a partir do ponto de vista de Vittoria, a filha de Helena
com 15 anos de idade que faz uma viagem a Timor-Leste para encontrar a sua mãe,
de quem nada soube até receber uma caixa com recordações no seu 15.º
aniversário.
O
nome do romance, que traduzido para português significa "Vitória",
remete para "a vitória na luta pela liberdade", segundo o cineasta,
que já soma centenas de trabalhos, desde roteiros a documentários, e que é
encarado por Eufrasia Monteiro Vieira como "uma lenda".
Os
autores começaram por "fazer uma história para um filme" em 2013,
mas, como ainda não foi possível produzir a película por falta de verbas,
decidiram entretanto transformar a ideia num livro, explicou à Lusa Les D.
Soeriapoetra.
A
timorense, que já residiu no Reino Unido mas que hoje trabalha e vive em
Jacarta, deseja que o romance seja traduzido para outros idiomas e ainda sonha
levá-lo para o grande ecrã.
Na
sequência da descolonização portuguesa em 1975, a Indonésia ocupou Timor-Leste
durante um conflito de 24 anos, que deixou mais de 100 mil mortos, vítimas das
hostilidades, da fome e de doenças.
AYN
// VM
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