Jacarta, 21 abr 2019 (Lusa) -- A
investigadora Sidney Jones considerou hoje que a independência de Timor-Leste
foi uma "lição" inesperada para o setor militar indonésio que fará
"tudo o necessário" para que o mesmo, apesar de improvável, não se repita
na Papua Ocidental.
Diretora do Institute for Policy
Analysis of Conflict (IPAC), especialmente voltado para a Indonésia, Sidney
Jones, explicou que o processo de independência, iniciado em 1999, ficou
vincado no nacionalismo da ala militar indonésia, mas pouco ou nada no resto da
população.
"Não creio que Timor-Leste
esteja registado de qualquer forma no pensamento político dos indonésios exceto
no nacionalismo indonésio, especialmente entre os militares", afirmou em
entrevista à Lusa.
Jones foi uma das vozes mais
críticas da ocupação indonésia de Timor-Leste, tanto como investigadora da
Amnistia Internacional para a Indonésia, até 1988 e depois como responsável da
Ásia na Human Rights Watch, em
Nova Iorque.
Apesar da importância de
Timor-Leste na imagem externa da Indonésia, marcando muitas das referências
internacionais durante duas décadas, internamente a ocupação nunca foi nem
nunca deverá ser alvo de muito debate.
Isso ocorreu na altura pela
censura da Nova Ordem de Suharto e hoje porque a realidade histórica desse período
nunca foi verdadeira ensinada -- sendo ainda mais distantes para os milhões de
jovens que nasceram já depois da queda de Suharto.
Os militares, porém, explicou
Jones, "aprenderam uma lição dura com Timor-Leste e estão determinados que
isso não vai voltar a acontecer na Papua Ocidental", região indonésia onde
há décadas existe um movimento pró-independência.
Jones diz mesmo que o que ocorreu
em Timor-Leste em 1999 -- quando o Governo de Jusuf Habibie anunciou, de forma
surpreendente, que os timorenses poderiam ser consultados sobre o seu futuro --
acabou por "colorir as decisões sobre Ache", uma província indonésia
hoje com grande autonomia.
Considerado berço do islamismo na
Indonésia e até no sudeste asiático, Aceh era um sultanato que acabou
incorporado pelo governo do primeiro presidente indonésio Sukarno, na
Indonésia, depois da independência do país.
Em 2004, em parte devido ao
impacto do tsunami desse ano, o Free Ache Movement (GAM) e o Governo indonésio
fizeram um acordo de paz que, entre outros aspetos, permitiu a introdução da
lei islâmica na região.
Jones recordou agora a
"grande relutância por parte dos militares em permitir que o processo de
paz avançasse" por pensar que, como ocorreu em Timor-Leste, "seria
outra capitulação a um grupo rebelde".
Por isso, diz, agora na Papua
Ocidental há "o sentimento de que não podem permitir que um movimento
político que apoie a independência possa ter apoio fora da Indonésia".
"Porque de repente, o que
ocorreu em Timor-Leste, com apoio internacional para um referendo poderia
voltar a ocorrer na Papua. Esta foi a lição principal que os indonésios
aprenderam com Timor-Leste", explicou.
Numa altura de campanha eleitoral
em Timor-Leste, Jones diz que ficou surpreendida por Timor-Leste ter surgido
num dos debates presidenciais, notando ainda assim a formal "surreal"
como o assunto foi referido.
O debate colocou frente a frente
o atual presidente Joko Widodo e o seu rival, Prabowo Subianto ex-general das
Forças Especiais Kopassus, apontado durante anos por várias alegadas violações
de direitos humanos em Timor-Leste.
"Foi extraordinário porque
Jokowi, o atual presidente, estava a dizer que os seus conselheiros lhe diziam
que não havia indicações de qualquer ameaça externa à Indonésia nos próximos 20
anos", explicou Jones.
"E de repente Prabowo disse:
sim, os teus conselheiros podem dizer isso, mas de repente a situação' muda. Eu
era tenente no exército e nunca pensámos que haveria uma ameaça externa e de
repente houve Timor-Leste e tivemos guerra", disse.
Jones está segura: nem Prabowo
"nem qualquer soldado indonésio será alguma vez julgado por atos de
violência em Timor".
Em conversa com a Lusa na sede do
IPAC, na capital indonésia, Sidney Jones -- que vive no país há mais de duas
décadas -- recorda as circunstâncias especiais do momento em que a
oportunidade, inesperada, se abriu, para um referendo em Timor-Leste.
A crise financeira na Ásia,
Suharto a abandonar o poder -- "nunca ninguém acreditou que sairia do
cargo vivo" -- e outros elementos do "próprio contexto político
indonésio que tornaram a independência de Timor possível", disse Jones.
Mais do que isso, recordou,
"ninguém nunca acreditou que Habibie seria um reformista", quando
passou da vice-presidência para a Presidência da República.
"Foi um dos maiores
reformistas da era pós-Suharto. E não foi apenas esta decisão extraordinária de
permitir um referendo em Timor mas, em retrospetiva, vemos hoje que foi um
maior reformista que qualquer dos presidentes que o sucederam", afirmou
Jones.
"Um homem, que vinha de
antecedentes de engenharia, que tinha sido um leal número dois, que se torna
Presidente e faz reformas: descentralização, libertação de prisioneiros
políticos, várias decisões incluindo enviar os militares para os quartéis,
retirando-lhes a sua posição de privilégio no sistema político", explicou.
E que anunciou em Conselho de
Ministros em janeiro de 1999 que os timorenses poderiam escolher ser
independentes num voto que se acabou por realizar a 30 de agosto desse ano.
ASP // PJA
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